Jato da Legacy ficou fora do radar por 15 minutos e recebeu 5 alertas
O último alerta de rádio gravado na caixa-preta foi dado porque o jato estava no limite da cobertura do Cindacta-1 e devia passar a se comunicar com o Cindacta-4, de Manaus. O Legacy havia decolado de São José dos Campos e, depois de voar no eixo São Paulo-Brasília, seguia para Manaus. A caixa-preta registra que não houve resposta dos pilotos americanos. “Nela há o chamado feito pelo controle de Brasília quando o jato ia passar para Manaus”, disse um oficial da Aeronáutica.
Mesmo sem resposta, o Cindacta-1 continuou a transmitir para o Legacy às cegas (“blind”, no jargão do setor). Essa nova informação reforça a hipótese de falha humana da tripulação do Legacy, já que poucos minutos após o impacto com o Boeing o jato voltou a se comunicar por rádio com Brasília.
“Esse é um procedimento padrão. Como o controle do tráfego aéreo é fundamentalmente feito por rádio, a primeira medida foi tentar estabelecer contato com o piloto do Legacy”, explicou um oficial da Aeronáutica. “Enquanto isso era feito, houve a colisão.” A suspeita dos peritos é de que o comandante do Legacy, Joseph Lepore, diminuiu o volume do rádio. Ou que não estava na cabine na hora da colisão - algo que teria admitido em depoimento à polícia.
No passo-a-passo reconstituído pela Agência Estado, o Legacy ignorou seu plano de vôo. Deveria ter descido de 37 mil para 36 mil pés quando passou por Brasília e mudou o rumo para Manaus, o que não ocorreu. O sargento controlador do vôo, que se ocupava de muitos outros aviões na mesma hora, chamou o Legacy pelo rádio pela primeira vez, questionando se o avião tinha mudado a rota. Ficou sem resposta. Chamou mais quatro vezes. Àquela altura, o Legacy já estava com o transponder desligado.
A falta do sistema não faz o avião desaparecer da tela do radar. Ele só deixa de ser identificado pelo radar, que perde a exatidão da altimetria do jato. O Cindacta-1 continuava a ver o Legacy por meio do radar primário. Por ele, o controlador via a altitude aproximada do jato - quanto mais longe do radar maior a distorção na tela. O jato aparecia na tela voando numa altitude que variava de 35.800 pés a 36.500 pés. Não estava, portanto, em rota de colisão.
Como os controladores são substituídos a cada 1 hora e 59 minutos, o militar que monitorava o Legacy passou a missão para o seu substituto e avisou que ele deveria chamar o piloto americano. Foi o que o novo controlador fez, conforme registros do Cindacta-1, até que o controle repassou a supervisão do vôo para Manaus, porque o sinal estava ficando muito fraco.
Chamando o Cindacta-4 pelo rádio, o operador de Brasília alertou que o piloto não estava respondendo, mas o Legacy voava no nível 360 (36 mil pés), conforme determinado no plano de vôo. Além dos contatos por rádio, a alternativa dos controladores seria acionar outras aeronaves próximas para que elas fizessem uma ponte de comunicação com o jato. “Não houve tempo. No momento em que Brasília pediu para passar para a freqüência de Manaus é que aconteceu (o impacto)”, disse um perito da Aeronáutica.
Então, o operador na torre de controle em Manaus teve a primeira indicação da tragédia: a imagem do Boeing na tela do radar ficou congelada, com a do Legacy sobreposta. Em seguida, o identificador do vôo da Gol sumiu e apareceu o do Legacy, o que significa que o transponder foi religado. Imediatamente, surgiu o registro de emergência, com os números 770. O Boeing, depois de sumir, ressurgiu perdendo altitude, antes de desaparecer definitivamente.
Quando o transponder do Legacy foi desligado, ele estava a cerca de 300 quilômetros do Gol. O Legacy voava a 820 quilômetros por hora, enquanto o Boeing vinha a 890 km/h. A velocidade de aproximação deles era de 1.600 km/h ou cerca de 26 quilômetros por minuto.
Técnicos da Aeronáutica insistem em dizer que não houve erro no controle do operador de vôo, assim como estão convencidos de que o transponder do Legacy foi desligado, embora não consigam entender por quê. Como era o primeiro vôo do jato, especialistas acreditam que o piloto poderia estar fazendo testes de navegabilidade e queria fugir à supervisão das torres.
A hipótese de falha humana ganha força porque no dia seguinte ao acidente foi feita uma reconstituição dos dois vôos. O teste com dois aviões Hawker HS 800 de alta performance não constatou nenhum problema nos radares ou na comunicação via rádio no trajeto.
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