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Nacional
Quinta - 30 de Dezembro de 2010 às 14:26
Por: Eliano Jorge

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Na madrugada de 23 de novembro, em Maceió, Odilon Rios e Ana Cláudia Laurindo foram acordados por um telefonema sobre seu filho José Alexystaine, de 16 anos, que estava a 70 km dali, em Matriz de Camaragibe. "Era 1h20. Disseram que ele estava muito mal no hospital. Depois, que estava morto, tinha sido assassinado", relembra o jornalista.

O jovem foi alvejado no ouvido e na barriga. "Aqui em Alagoas, quando o cara é assassinado com tiro na cabeça, é crime de execução. Uma circunstância totalmente estranha na cidade", conta Rios, que participou da cobertura eleitoral de 2010 do Terra.

"Em Matriz todos sabem e alguns estão vendo o rosto frio do assassino visitando familiares. Enquanto isso, os meus familiares correm risco de morte, outra vez. Como calar? Esperar enterrar mais um, ratificando o império do crime na região norte de Alagoas?", desabafou a socióloga Ana Cláudia, em texto no blog do marido.

Ele reclama da impunidade pelo homicídio, que perdura. Mas também critica a rápida manifestação policial sobre o caso: "Umas 9h da manhã, a delegada plantonista, Socorro Monteiro, divulgou a primeira versão da Polícia. Disse que meu filho era possivelmnete traficante de drogas e foi morto como numa briga de traficantes. A Polícia se apressou, apesar de não haver nenhuma prova de que ele era envolvido com drogas nem que era traficante".

Os dias seguintes mudaram o panorama. "Depois da investigação da Polícia Civil, está se descobrindo que ele foi apartar uma briga, que é o que as pessoas da cidade me contam. Olha só que diferença de versão. Ele viu um amigo apanhando e foi separar a briga. Só que o cara em que ele botou a mão do outro lado é realmente um traficante, que esperou, fez uma tocaia, horas depois", afirma Odilon Rios.

A acusação inicial contra Alexystaine fez seu pai recordar de um episódio marcante do passado. "A única pessoa na cidade que enxergava meu filho como inimigo era o delegado Belmiro Cavalcante. Ninguém dá bola para traficante. Eles criaram uma versão em cima disso para ninguém dar bola nessa história", interpreta.

- Em 30 de agosto de 2007, aos 12 anos, brincando com um amigo, Alexystaine estava martelando a bicicleta com uma pedra, que acabou atingindo um carro da Polícia local. Começou uma sessão de tortura e horror com ele. Foi perseguido pela viatura, arrastado, algemado, posto no camburão, tomou coronhada, rodando pela cidade até ir para a delegacia. Então, eu movi uma ação contra dois guardas comunitários da cidade e o delegado Belmiro por causa deste crime. Tomamos todas as providências legais, fomos à Comissão de Direitos Humanos da OAB de Maceió, ao Ministério Pública da cidade - detalha Rios.

Constatação de tortura

O pai diz que Alexystaine continuou visitando os parentes em Matriz de Camaragibe, nos finais de semana, após serem tomadas as providências. "Fizemos exame de corpo de delito, ficou constatada a tortura. Mas a Corregedoria da Polícia Civil simplesmente arquivou o inquérito", queixa-se o pai. "O promotor Adriano Jorge Correia retirou da denúncia o nome do delegado, que chamou meu filho de ladrão e maconheiro, o acusando de ter roubado uma escola".

"Não ficou provado que o delegado teve participação nisso", rebate Correia, que nega ter tirado o nome de Cavalcante do processo. Ele confirma que Alexystaine foi derrubado da bicicleta pela viatura após perseguição, teve as costas pisadas e uma arma apontada contra si, antes de ser esmurrado.

- O delegado e os guardas não foram afastados nem um dia da função. O delegado Belmiro, em junho, foi condecorado pelo Conselho Superior da Polícia Civil, recebeu um prêmio "por trabalhos relevantes feitos na Polícia Civil de Alagoas" - indigna-se Rios, destacando que, após as denúncias, um dos guardas foi promovido a secretário municipal de Segurança.

O promotor aponta para breve o julgamento dos guardas acusados, que, afirma, acabou adiado por falta de juiz. "Há pouco tempo chegou um juiz substituto, que ainda está com duas outras comarcas. Mas esse processo já está para sentença. Inclusive, nas alegações finais, pedimos a condenação dos guardas municipais pelo crime de tortura", revela.

- Esse menino, quando tinha 12 anos, efetivamente sofreu uma violência por parte de guardas muncipais, que o levaram à delegacia, lá ele ficou detido por algumas horas enquanto se averiguava um delito atribuído a ele. Descobriram que não era ele, foi liberado. Os guardas municipais foram processados pelo crime de tortura. Os policiais que o colocaram na viatura posteriormente também foram processados por um delito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - explica Correia.

Ele esclarece que não existe prova contundente de tortura realizada pelos policiais civis, que, entretanto, terão remarcada a audiência sobre o processo pelo descumprimento do ECA.

Suspeito identificado

A falta de punições leva Odilon Rios a formular hipóteses. "A Polícia de Maceió identificou o cara que matou meu filho, é um menor conhecido como Izo, primo de um guarda municipal da cidade. E há três anos meu filho foi torturado por guardas municipais: Adriano dos Santos e Petrúcio dos Santos. Eles iam depor no dia seguinte ao assassinato, 23 de novembro. Não depuseram porque não havia sido nomeado juiz para Matriz", narra.

"Estou aguardando apenas a conclusão do inquérito policial para oferecer a denúncia contra o responsável", adianta o promotor, descrente de que o homicídio esteja relacionado ao episódio de 2007. "Acho que não. Não vejo relação nenhuma com isso. Foi um fato completamente distinto, que não tem nada a ver com tráfico de drogas ou o problema que aconteceu com ele (aos 12 anos). Foi vítima de um elemento brutal, que vivia na cidade e o executou a sangue frio por motivos completamente estranhos a esses aí", opina.

- Acredito que (Alexystaine) não era envolvido com tráfico, não era uma pessoa perigosa. Não tem razão para que agentes policiais o tivessem assassinado em razão desse acontecimento - acrescenta Correia.

Rios permanece inconformado com a situação inteira. "Essa história toda tem uma sucessão assustadora de coincidências. Mas o que mais me assusta é o silêncio das entidades representativas dos direitos humanos aqui. A omissão dói. A OAB diz que fez alguma coisa, não fez nada. Não cobrou punição aos acusados de tortura".

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB alagoana, Gilberto Irineu, defende a entidade: "No âmbito da OAB, se fez o que se pôde".
- No ano em que estava circulando à noite e jogou uma pedra que bateu no carro da Guarda Municipal, ele foi recolhido na delegacia. O Odilon me pediu um apoio, eu me comuniquei com o diretor geral de Polícia e rapidamente liberamos o menino. Houve uma situação irregular porque não se pode recolher criança assim na delegacia. Três dias depois, ele esteve na OAB, prestou um termo de declaração. O promotor da região abriu uma sindicância para apurar, como também a Corregedoria da Polícia Civil. A OAB não tem poder de investigação, a gente encaminha.

Mudança

"As únicas pessoas que estão sendo punidas por este crime somos nós", lamenta Odilon Rios, referindo-se ao sofrimento da sua família.

- A gente perdeu um garoto bonito, inteligente, maravilhoso. Depois de sofrer o que sofreu na delegacia, a cabeça dele virou completamente. Ficou uma pessoa revoltada, rebelde. Dos três filhos, era o menino mais calado da casa. Depois dos 12 anos, deixou de estudar, não conseguia mais ir à escola. Trocou de escola quatro ou cinco vezes. Tentei fazer com ele tratamento psicológico, ele nunca quis. Começou a fumar este ano. Bebia. A vida dele mudou completamente. Mas não era envolvido com drogas, muito menos traficante. Morava conosco em Maceió.






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