Complexo do Alemão renasce após tomada da polícia
O cheiro do lixo acumulado tomava conta das favelas do Complexo do Alemão na tarde desta segunda-feira. Normalmente, os dias de coleta são terça-feira, quinta-feira e sábado. Nem na última quinta nem no último sábado alguém ousou entrar nas comunidades para recolher o lixo. O calor fazia subir o odor de material decomposto. Ainda assim, alguma coisa cheirava bem nas vielas do Alemão.
A mesma Joaquim de Queiroz, principal via de acesso ao complexo pela favela da Grota, que no sábado parecia a cidade fantasma de um filme de faroeste, nesta segunda-feira voltava a pulsar com a abertura do comércio e a circulação de pessoas. Nada perto do caldeirão que normalmente é uma das principais artérias de uma comunidade de 30 mil moradias. Ainda assim, e apesar do vai e vem de homens armados - homens da polícia e do Exército, é bom dizer - o movimento de pessoas indo aos mercados para reabastecer suas casas e de moradores retornando com mulheres, filhos e sacolas não poderia ser ignorado. O Alemão aos poucos renasce.
Ao longo da via, o cotidiano briga por espaço com o passado recente. Policiais buscam proteção atrás de brinquedos em um parque de diversões abandonado. Parece que avistaram um suspeito lá em cima. O caveirão para ao lado. Mas não era nada. O blindado embica no parque e faz meia volta passando perto das vigas de metal e de um carro tombado, usado como barricada pelos traficantes no dia anterior.
Em um bar, bem próximo à barricada, dois amigos conversam: "É rapaz, agora estão fazendo a coisa direito". Como assim, dessa vez? "Polícia, amigo, sempre que entrou aqui era para esculachar morador. Dar tapa na cara. Dessa vez, eles foram educados". O dono do bar concorda: "Eles estão entrando nas casas. Bateram aqui, deixei olhar. Não tenho nada a esconder". Os amigos conversam abertamente. Mas nada de nome ou foto. Sabe como é. Vá que amanhã os bandidos voltem.
Sim, eles andavam por aqui e por ali. Livremente. Portavam fuzis como quem carrega um distintivo. Quanto maior o calibre, maior o poder. "Eu nunca tive problema. Eles me respeitavam, eu respeitava eles", conta Terezinha Salema, 58 anos, que mora em Canitá, do outro lado da Joaquim de Queiroz. Segundo ela, os traficantes a paravam no caminho para perguntar onde ela iria. Terezinha saía às 3h para trabalhar e eles davam passagem.
Sai o CV e entra o Brasil
As paredes das comunidades têm uma pixação em comum. A sigla CV, de Comando Vermelho, se repete concreto após concreto nas construções desordenadas. Durante muito tempo, esse era o poder que governava o Alemão. As bandeiras do Brasil e do Rio, hasteadas do alto do ainda não inaugurado teleférico, representam uma mudança que os moradores parecem ainda não assimilar.
Dos escombros de uma laje abandonada surgem três policiais militares. São do 16˚ Batalhão (Olaria). "Dever cumprido? Não. Isso não é dever cumprido. Isso é muito mais. É uma honra, é um orgulho", afirmou um deles. Policiais militares não podem conceder entrevista sem autorização expressa do comando. Por isso, não podem ser identificados na reportagem. Ainda assim, eles falam: "Estou exausto. Hoje é aniversário do meu filho. Um ano. Ele nem sabe. Mas estou fazendo uma coisa que vai ser importante para ele".
O sentimento épico da operação ocorrida no Rio de Janeiro sai da favela e percorre a cidade. Ainda há muita desconfiança. Será que eles vão realmente ficar? Será que a isso seguirão melhorias sociais? Será que os traficantes não vão voltar?
Em meio às dúvidas, entre o lixo e a bagunça, um cheiro bom exala do complexo. Pelo menos nesta, segunda-feira, o Alemão também cheirou a mudança.
Violência
Os ataques tiveram início na tarde de domingo, dia 21, quando seis homens armados com fuzis incendiaram três veículos por volta das 13h na Linha Vermelha. Enquanto fugia, o grupo atacou um carro oficial do Comando da Aeronáutica (Comaer). Na terça-feira, todo efetivo policial do Rio foi colocado nas ruas para combater os ataques e foi pedido o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para fiscalizar as estradas. Ao longo da semana, Marinha, Exército e Polícia Federal se juntaram às forças de segurança no combate à onda de violência que resultou em mais de 180 veículos incendiados.
Na quinta-feira, 200 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) tomaram a vila Cruzeiro, no Complexo da Penha. Alguns traficantes fugiram para o Complexo do Alemão, que foi cercado no sábado. Na manhã de domingo, as forças efetuaram a ocupação do Complexo do Alemão, praticamente sem resistência dos criminosos, segundo a Polícia Militar. Entre os presos, Zeu, um dos líderes do tráfico, condenado pela morte do jornalista Tim Lopes em 2002.
Desde o início dos ataques, pelo menos 39 pessoas morreram em confrontos no Rio de Janeiro e 181 veículos foram incendiados.
As ladeiras do complexo desafiam pernas não acostumadas. No topo de uma colina, dois delegados da Polícia Civil descansam após uma apreensão de 20 kg de maconha em uma casa de três andares. A mansão, segundo um dos delegados, pertence a Abóbora, um dos homens de FB, que responde ao Pezão, que é subordinado de Marcinho VP, que manda em tudo, mas que está atrás dos muros do presídio de segurança máxima de Catanduvas (PR).
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