A Pedra do Sapo está dentro do complexo de favelas do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. No pé do morro, a rua Paranhos é considerada uma das principais do bairro. Em suas transversais está o acesso à parte alta e é lugar obrigatório para a passagem dos moradores locais. Na tarde desta quinta-feira, um intenso tiroteio entre policiais e traficantes durou mais de duas horas. Do pé do morro, os agentes militares e federais, apoiados por soldados do Exército, atiravam para cima. E na contramão, as balas cortavam o ar e estouravam nos muros, atrás deles. A janela de uma casa amarela, de onde se supunha que vinham os tiros de cima, era o alvo de quem estava mais abaixo.
O tiroteio se deu em duas dessas transversais. Uma delas tinha três grossas barras de ferro, fincadas pelos traficantes no meio do asfalto, impedindo a passagem de qualquer veículo leve. Com o clima tenso dos tiros, cerca de 60 policiais - 30 em cada esquina - se escoravam nos muros. De tempo em tempo, um deles se posicionava e disparava. A rua não estava fechada nem ao tráfego de veículos, nem aos moradores. Alertados pelos policiais, ambos passavam em disparada pelas travessas com medo de serem atingidos.
Por volta das 17h, os traficantes atiraram contra um dos grupos de policiais. Todos, protegidos pelos muros, viram as balas estourarem do outro lado da rua. Quando o silêncio já estava reestabelecido, um dos policiais avisou a uma senhora fictícia: "abaixa, dona Maria. Aí vai bala". Nesse momento, ele cruzou a travessa da rua Paranhos, disparando uma rajada de metralhadora. A senhora, no caso, eram os traficantes que estavam acima.
Na outra esquina, policiais e militares discutiam a estratégia. Um sugeriu que alguns deles deveriam se posicionar no topo de um pequeno prédio, de três andares. Outro lembrou que não seria prudente, pois quando a polícia saísse dali, os moradores poderiam sofrer retaliações. A conversa foi encerrada de forma categórica: "nós não vamos mais sair daqui". E fez-se o silêncio.
Alguns minutos depois, dois garotos negros, com idade aproximada de 12 anos, se aproximam do mesmo grupo de policais. São impedidos de seguir em frente por conta do risco dos tiros. Os meninos reclamam e ouvem de volta. "Pode avisar lá em cima que tem muita bala para eles aqui. Temos 40 homens e mais de 50 caixas de munição". Os garotos saem resmungando e os policiais se dizem certos de que eles são olheiros do tráfico, enviados ali exatamente para saber o tamanho do grupo.
Passados mais alguns minutos, o desempregado Antonio Nascimento, 41 anos, pedala a sua bicicleta em direção à favela de Nova Brasília, também dentro do complexo. Ele acaba de pedir demissão do emprego de "letrista" por estar insatisfeito com o trabalho. Espera tocar a vida como pedreiro, profissão que diz exercer com precisão.
Distraído, ele vê o grande contingente de policiais, mas não se dá conta do perigo. Quando se aproxima do poste que está exatamente na esquina, ouve gritos de alerta da polícia. Tiros são disparado, ele larga a bicicleta e recua. Quatro balas de fuzil estouram no muro à sua frente. Todas exatamente no mesmo lugar. Dois policiais reconhecem a precisão do atirador. "Esse moleque é bom. Não podemos vacilar".
"Eu estou acostumado com tiroteios, mas dessa vez foi demais. Nunca vi balas passarem tão perto de mim", disse, com a voz ainda trêmula pelo susto, o desempregado. Mais calmo, ele conta como foi o seu dia. "Acabei de pedir demissão do emprego e vinha de Kombi para casa. Como eles não estão entrando no morro, passei na casa da minha irmã e peguei a bicicleta. E aí foi o que você viu..."
Um policial resgata a bicicleta e ironiza: "vai por outro canto que por aqui você quase morreu". Mais tiros de fuzil são ouvidos. Nascimento descansa mais alguns minutos e deixa a rua pelo mesmo lugar de onde veio.
Com binóculos, um policial tenta identificar de onde os traficantes estão atirando. Enquanto isso, mais tiros são disparados por um policial. O atirador recua e se junta ao grupo.
Um colega pergunta àquele que atirou: "tem moradores lá em cima?" A resposta vem rápido como um tiro. "Vou clarear a sua dúvida. Não tem morador lá em cima. Pode atirar em tudo o que está se mexendo. Como resposta, ouviu que ele não iria atirar.. E não atirou.
A partir daí chegou o caveirão, veículo blindado do Bope. Parou na esquina e ficou posicionado, com quatro fuzis apontados para cima. Minutos depois, pelo menos três tiros partiram do veículo. A resposta não veio. Atrás da polícia, pelo menos 10 moradores aguardavam os ânimos se aquietarem. Só queriam voltar para casa.
Violência
Os ataques tiveram início na tarde de domingo, dia 21, quando seis homens armados com fuzis abordaram três veículos por volta das 13h na Linha Vermelha, na altura da rodovia Washington Luis. Eles assaltaram os donos dos veículos e incendiaram dois destes carros, abandonando o terceiro. Enquanto fugia, o grupo atacou um carro oficial do Comando da Aeronáutica (Comaer) que andava em velocidade reduzida devido a uma pane mecânica. A quadrilha chegou a arremessar uma granada contra o utilitário Doblò. O ocupante do veículo, o sargento da Aeronáutica Renato Fernandes da Silva, conseguiu escapar ileso. A partir de então, os ataques se multiplicaram.
Na segunda-feira, cartas divulgadas pela imprensa levantaram a hipótese de que o ataque teria sido orquestrado por líderes de facções criminosas que estão no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. O governo do Rio afirmou que há informações dos serviços de inteligência que levam a crer no plano de ataque, mas que não há nada confirmado. Na terça, a polícia anunciou que todo o efetivo foi colocado nas ruas para combater os ataques e foi pedido o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para fiscalizar as estradas. Foram registrados 12 presos, três detidos e três mortos.
Na quarta-feira, com o policiamento reforçado e as operações nas favelas, 15 pessoas morreram em confronto com os agentes de segurança, 31 foram presas e dois policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) se feriram, no dia mais violento até então. Entre as vítimas dos confrontos, está uma adolescente de 14 anos, que morreu após ser baleada nas costas. Além disso, 15 carros, duas vans, sete ônibus e um caminhão foram queimados no Estado.
Ainda na quarta-feira, o governo do Estado transferiu oito presidiários do Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona oeste do Rio, para o Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná. Eles são acusados de liderar a onda de ataques. Outra medida para tentar conter a violência foi anunciada pelo Ministério da Defesa: o Rio terá o apoio logístico da Marinha para reforçar as ações de combate aos criminosos. Até quarta-feira, 23 pessoas foram mortas, 159 foram presas ou detidas e 37 veículos foram incendiados no Estado
Na quinta-feira, a polícia confirmou que nove pessoas morreram em confronto na favela de Jacaré, zona norte do Rio. Com isso, desde domingo, o número de mortos na onda de violência nas ruas do Rio de Janeiro e nas cidades da região Metropolitana chegou a 32. Durante o dia, 200 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) entraram na vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na maior operação desde o começo dos atentados. Os agentes contaram com o apoio de blindados fornecidos pela Marinha. Quinze pessoas foram presas ao longo do dia e 35 veículos, incendiados.
Durante a noite, 13 presidiários que estavam na Penitenciária de Segurança Máxima de Catanduvas, no Paraná, foram transferidos para o Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. Entre eles, Marcinho VP e Elias Maluco, considerados, pelo setor de inteligência da Secretaria Estadual de Segurança, diretamente ligados aos atos de violência ocorridos nos últimos dias. Também à noite, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, assinou autorização para que 800 homens do Exército sejam enviados para garantir a proteção das áreas ocupadas pelas polícias. Além disso, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, anunciou que a Polícia Federal vai se integrar às operações.
Colaborou Reinaldo Marques
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