PMDB vira vidraça se Dilma ganhar, diz cientista político
A consolidação da relação com o PMDB, "biombo da governabilidade" lulista desde a crise do mensalão, em 2005, será o grande desafio político da petista Dilma Roussef caso ela seja eleita no domingo, diz o cientista político Fernando Abrucio, da FGV-SP.
De um lado, segundo ele, a relação PT-PMDB será dificultada pela ausência de Lula. Do outro, pela primeira vez desde o governo Sarney (1985-1990) o partido será a "a vidraça completa", porque já começará o governo com Michel Temer na Vice-Presidência.
"Acho que os ministros do PMDB tendem a ser mais visíveis se Dilma ganhar, tipo Henrique Meirelles [atual presidente do BC], Paulo Hartung [governador do ES, em fim de mandato]. Não serão mais homens da máquina, com o poder delegado pelos caciques. Agora o jogo é mais arriscado porque o Temer é forte no PMDB, não dá para esconder", avalia.
Com Claudio Couto, também da FGV-SP, Abrucio coordenou simpósio no encontro anual da Anpocs (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais) em que foram apresentados balanços do governo Lula, do ponto de vista das instituições políticas.
Embora se diga que o PMDB mudaria de lado com relativa rapidez se o vitorioso for José Serra, o cientista político avalia que não seria tão fácil para o tucano construir essa aliança, indispensável para quem não terá maioria no Congresso.
"Tem o DEM [do vice Índio da Costa] e o próprio estilo de Serra de colocar [em postos importantes] pessoas mais próximas a ele. Se ganhar, ele deveria passar uma semana conversando com FHC, que também tinha ministros da sua cota pessoal, mas passou por um processo complexo de construção da base com o PMDB."
A principal conclusão do fórum foi que, se as grandes reformas constitucionais marcaram o governo de FHC, o de Lula foi em parte de continuidade e em parte de "microrreformas", na administração e nas políticas econômica e social, muitas delas ainda não institucionalizadas.
Para Maria Rita Loureiro (FGV-SP), o pulo do gato do período lulista foi a transformação das políticas sociais --Bolsa Família, crédito consignado, aumento do mínimo, programa de agricultura familiar-- em políticas econômicas, isto é, elas foram usadas para aumentar a demanda e passaram a ser fundamentais para o crescimento.
"Houve a conciliação da agenda liberal, que permanece como reconhecimento da força do mercado, com uma agenda mais desenvolvimentista."
Loureiro avaliou ainda que Lula ampliou a arena decisória na economia, sobretudo no segundo mandato, reduzindo o "insulamento burocrático" que caracteriza o BC e em parte a Fazenda e incorporando os ministérios do Planejamento, Casa Civil e Ciência e Tecnologia e o BNDES.
Abrucio lembrou que, no primeiro mandato, Lula chegou a aprofundar medidas econômicas de FHC, apesar do "discurso eleitoreiro" da "herança maldita" --aumentou o superavit primário e acentuou o conservadorismo do BC. A admissão de que era necessário manter a "credibilidade" nos mercados se tornaria a "âncora" do governo, disse ele.
"Pouco a pouco o governo petista inclui um conjunto mais heterogêneo de forças e sai da agenda mais purista inicial. Lula vai construindo uma coalizão muito heterogênea mas com uma marca própria, o que seria um paradoxo aparente."
Para ele, a aliança com o PMDB, que reduziu as crises no Congresso depois do mensalão, ao mesmo tempo possibilitou e foi reforçada pela diversificação do programa governista. "O biombo da governabilidade foi fundamental para o reforço da agenda social. Mas também cabe o contrário: o sucesso das políticas, expresso na própria popularidade do presidente, favoreceu em grande medida um reforço do poder no Congresso e na federação."
Comentários