Presidente de Assembleia Legislativa é autor da proposta que em outros Estados vem sendo criticada por diversos segmentos representativos da sociedade
MT planeja vigiar a mídia
Presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Mauro Savi (PR) é o autor de um pré-projeto de lei que sugere a criação do Conselho Estadual de Comunicação Social (Cecs) para monitorar o conteúdo divulgado pelos órgãos de imprensa em Mato Grosso. A justificativa é instituir um fórum que possibilite ao Estado presença na defesa dos interesses públicos, o que autoriza a formulação de políticas estaduais voltadas para a valorização e fiscalização dos princípios constitucionais referentes à comunicação. Na prática, permite que o poder público, por meio de órgão colegiado, exerça funções "consultivas, normativas, fiscalizadoras e deliberativas" em relação aos veículos de comunicação.
Proposta semelhante já foi aprovada no Ceará e tramita em Alagoas, Bahia e Piauí, mesmo enfrentando resistências de entidades da sociedade civil e estudiosos da comunicação. Nos bastidores, comenta-se que se trata de uma estratégia do governo federal para incentivar os Estados a criar mecanismos que controlem o conteúdo da mídia diante da tentativa fracassada de encaminhar tal pedido ao Congresso Nacional.
No primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) houve uma movimentação para criar o Conselho Federal de Jornalismo, o que não se concretizou. Recentemente, fracassou o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que previa um "marco legal" para condicionar a concessão e renovação de outorgas dos serviços de radiodifusão.
Outra atribuição do Conselho é fiscalizar o cumprimento "por parte dos responsáveis, pelas atividades de comunicação sob controle direto ou indireto do poder público do Estado". A formação se daria por 20 membros, 10 representantes de entidades da sociedade civil e mais 10 do poder público, dois da Secretaria Estadual de Comunicação, um da Secretaria Estadual de Cultura, um da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, um da Secretaria Estadual de Educação, da Imprensa Oficial do Estado, da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e dois deputados estaduais.
Pelo lado das entidades da sociedade civil estariam um representante da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), um da Associação Brasileira de Empresas de Rádio e TV (Abert), um do Sindicato dos Radialistas do Estado, um do Sindicato dos Jornalistas e um de Agência do Estado.
Pano de fundo - Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Stábile, entende que a criação do Conselho Estadual de Comunicação tem como pano de fundo instaurar a censura prévia. Ele questiona a constitucionalidade desses projetos.
"Na verdade, usa-se o rótulo de contribuir socialmente com a imprensa, mas é uma tentativa de censura prévia para impedir a divulgação de material jornalístico que afronte o interesse do poder público, o que é um retrocesso à democracia. Trata-se de projetos inconstitucionais que não têm fundamento jurídico para serem aprovados, até porque, qualquer projeto referente à comunicação compete ao Congresso Nacional legislar e não aos Estados".
Stábile recorda que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou contrário à aplicação de censura prévia à imprensa. "A Suprema Corte entendeu que estão submetidos às normas dos códigos Civil, Penal e Constituição Federal quem extrapola os fundamentos legais na atividade comunicacional".
Luta - Para a jornalista Kátia Meirelles, coordenadora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a proposta fere a luta dos profissionais da imprensa pela liberdade de expressão. "É uma semente do mal que começa no Nordeste e espero que não vingue porque significa voltar aos tempos da ditadura militar. Lutamos muito pela liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento. Espero que as entidades se mobilizem para que não siga adiante essa proposta que considero absurda".
Critérios - O secretário de Comunicação do Estado, jornalista Onofre Ribeiro, acha que devem ser criados conselhos com outros critérios. "O que defendo é um controle ético dos órgãos de imprensa, que abusam excessivamente da violência e não abordam as causas, o que configura desvio ético. Assistimos a uma onda de denuncismo na imprensa, onde primeiro se denuncia e depois apura o fato. Isso deve ser observado, mas não se pode ter controle do conteúdo midiático, porque gera riscos à sociedade e à democracia".
O jornalista e deputado estadual Sérgio Ricardo (PR) assegura que desconhece o teor do projeto, porém se manifestou contrário a qualquer tentativa de controle da imprensa. "Não compete ao Estado adotar medidas que limitem o conteúdo dos órgãos de comunicação."
Divergências - Entidades representativas da imprensa demonstram divergências a respeito do Conselho Estadual de Comunicação Social. Enquanto para algumas significa violação ao direito constitucional de liberdade, para outras pode ser uma maneira de a sociedade civil monitorar, fiscalizar e cobrar das emissoras de rádio e televisão e dos jornais uma postura ética e democrática.
O Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor) foi um dos que propuseram o projeto. Segundo a presidente, Keka Werneck, o conselho não iria atuar como uma forma de censura, mas como um controlador social para que a sociedade receba satisfações do que os grupos fazem e sobre o que oferecem à população. "Televisão e rádio são concessões públicas e como tais têm que prestar contas à comunidade do que é apresentado", defende.
Nessa mesma direção, a Federação Nacional de Jornalismo (Fenaj) apoia historicamente a criação de conselhos. O presidente da Fenaj, Celso Schröder, diz desconhecer o texto da iniciativa local, e que por isso não poderia se posicionar especificamente com relação ao conteúdo proposto pelo presidente da Assembleia. O presidente da Fenaj defende a criação de conselhos tripartites, como um modelo apresentado em que 20% da diretoria seria composta por representantes do governo, 40% por empresários do setor e 40% pela sociedade civil.
Críticas - Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) criticam qualquer iniciativa que fere direitos garantidos constitucionalmente. O diretor executivo da ANJ, Ricardo Pedreira, diz que qualquer órgão, entidade, associação ou conselho que vise controlar, monitorar e fiscalizar conteúdos informativos é, antes de tudo, uma instância antidemocrática e inconstitucional. "A liberdade de expressão é plena, total e irrestrita. Ninguém, nem o Estado, tem o direito de interferir."
Prevendo a ação dos Estados precursores na instalação do conselho, o diretor de Assuntos Legais da Abert, Rodolfo Machado Moura, afirma que há uma representação sendo formulada e que será apresentada ao Ministério Público assim que algum Estado publicar a lei para que as devidas providências sejam tomadas. "Nenhum Estado tem poder legal para instituir um conselho com tais atribuições, somente o Congresso poderia agir em casos como este. Por enquanto nada pode ser feito porque não há conselhos estaduais instituídos, mas caso isso se concretize, iremos agir de forma rápida para que a Constituição seja obedecida."
Outro lado -
Ela ressalta ainda que, pelo projeto envolver despesas ao Orçamento do Estado, um deputado estadual não tem poder para encaminhá-lo ao plenário. "Será um projeto de indicação, dispositivo pelo qual o parlamentar sugere ao Executivo que elabore um projeto de lei sobre determinado tema".
A reportagem entrou em contato com o deputado Mauro Savi que não atendeu aos telefonemas. A assessoria de imprensa foi acionada para intermediar contato com o deputado, mas não houve retorno.
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