Diagnóstico: Saneamento e saúde em crise
É preciso uma grande reforma nos serviços de saneamento básico e saúde oferecidos em Mato Grosso. Especialistas apontam que o Estado apresenta características de países africanos ao mesmo tempo em que demanda tratamentos avançados. Por isso, sem uma mudança será difícil o próximo governo brasileiro e estadual superar problemas que vão do atendimento básico à alta complexidade e melhorar não só os índices sociais, mas a qualidade de vida das pessoas.
A última pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que a falta de saneamento em Mato Grosso provoca 342,1 internações a cada grupo de 100 mil habitantes. O engenheiro sanitarista e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Rubem Mauro Palma de Moura, explica que essa realidade é resultado de anos de ausência do estado no setor de saneamento.
Até 2008, apenas 21,5% das casas na área urbana possuíam ligação à rede coletora de esgoto. Quanto ao lixo, apesar da coleta abranger 98% dos mato-grossenses, somente 10, dos 141 municípios do Estado, possuem aterro sanitário. Já a coleta seletiva, apenas Tangará da Serra (239 Km ao médio-norte de Cuiabá) conseguiu implementar o sistema.
Para Rubem Mauro, é em vão gastar tanto dinheiro em saúde se a administração pública não oferece água tratada, coleta e tratamento do esgoto, coleta e destino final adequado ao lixo e drenagem de águas pluviais. "Saneamento não tem sido prioridade, independente da riqueza do estado. A cada R$ 1 investido em saneamento, economiza-se R$ 4 na saúde curativa. Precisamos muito mais do que vem sendo feito para recuperarmos o déficit de anos sem investimentos".
O problema maior está nos municípios pobres do Estado, que não têm como contrair empréstimos e precisam da ajuda da união. "A municipalização trouxe vantagens sim, mas em relação ao saneamento virou um problema para as cidades, as quais não conseguem investir nesse setor. Falta regulação, compromisso e responsabilidade do Estado e da União para com os municípios".
A solução, de acordo com o professor, poderia vir com a criação de fundo para investimentos em saneamento básico. Mas ele lembra ainda que não basta a rede de esgoto passar em frente à casa das pessoas sem um trabalho de educação e conscientização. Para quem mora em terreno acidentado, por exemplo, é muito mais fácil jogar o esgoto no córrego do que bombeá-lo para a rede coletora.
Planejamento - A doutora em saúde coletiva, Ligia Regina de Oliveira, professora na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), acredita que o grande desafio é controlar doenças antigas e históricas como hanseníase e tuberculose e, ao mesmo tempo, dar conta de doenças de perfil mais complexo, como câncer e doenças cardíacas.
Isso sem contar com casos de violência e acidentes, que não são problemas exclusivos do setor de saúde e dependem de um trabalho em rede das secretarias de educação, saúde e segurança. Rede essa que, atualmente, realiza trabalhos pontuais em vez de atuar de maneira integral e contínua, sem intervenção das mudanças de governo.
"A saúde se trabalha com planos estratégicos. Levantamento das prioridades de cada município e execução integral desses planos, dentro do que cabe ao estado. Para isso, é preciso dominar as informações sobre as características de cada município, levantar dados populacionais e epidemiológicos".
Mas não é possível colocar isso em prática sem gestão em saúde, pois só com estratégias bem definidas, evita-se o desperdício. Ligia utiliza como exemplo o vai e vem de doentes em Cuiabá. "O dinheiro que se gasta transportando esse paciente, poderia ser revertido à melhoria do atendimento em saúde no interior. Do jeito que está, além do paciente se desgastar, o Estado perde dinheiro".
Interiorizar a saúde também é a opinião do presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT), Arlan de Azevedo Ferreira, que defende o fortalecimento dos hospitais regionais já existentes e a criação de novas unidades em regiões desassistidas. "É necessário descentralizar atendimentos com exames complexos, Unidades de Terapia Intensiva Neo Natal (UTI-Neo), cirurgias de emergência e tratamento de câncer. Estamos com o desenvolvimento econômico em descompasso com o desenvolvimento social".
Outra solução apontada pela doutora em saúde coletiva é investir na educação para o Sistema Único de Saúde (SUS). Cerca de 60% da população do Estado utiliza o sistema público, entretanto, os profissionais não têm uma formação para essa realidade. O resultado são médicos que se baseiam em exames médicos, deixando de lado a parte clínica. "Há uma imensidão de exames solicitados - que na maioria das vezes dá negativo -que poderiam ser substituídos por uma boa conversa entre médico e paciente".
Recursos humanos - E não basta criar hospitais sem a melhoria das condições de trabalho dos profissionais da saúde. À medida que se leva hospitais para o interior do Estado é preciso levar recursos humanos e, na visão de Ferreira, isso só é possível com a criação de um plano de carreira para os médicos do Estado.
"Hoje mais de 60% dos contratos são precários, o que não permite a fixação do profissional. Para o médico ir trabalhar no interior é preciso oferecer a ele perspectivas dentro da carreira, possibilidades de qualificação profissional, além de condições de trabalho".
Incentivos para a construção de um hospital metropolitano, como o novo Hospital Universitário Júlio Müller -que ainda não saiu do papel - é para o presidente do CRM-MT um investimento com ótimo retorno para o Estado, pois é a possibilidade de aumentar a residência médica e capacitar profissionais, sem que para isso seja necessário ir para outro estado. "Sabe-se que a maior parte dos médicos que vai para outros estados fazer residência acaba não voltando".
Mas é consenso entre os especialistas que tantas mudanças são impossíveis sem aumentar os investimentos no saneamento e na saúde, por isso a importância da bancada federal atuar de modo articulado. "Os 12% do orçamento do Estado que devem ser repassados aos municípios estão muito aquém da necessidade. Os municípios não podem ficar à mingua, assumindo um papel que não é só deles", defende o médico.
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