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Domingo - 03 de Outubro de 2010 às 06:34
Por: Caroline Lanhi

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Questão é de saúde pública e precisa ser enfrentada por toda sociedade junto com governantes
Questão é de saúde pública e precisa ser enfrentada por toda sociedade junto com governantes

Trinta por cento da população carcerária de Mato Grosso responde ou foi condenada por envolvimento com o tráfico. Além disso, o Conselho Estadual de Políticas Públicas para Drogas (Conen-MT) estima que mais de 50% dos assassinatos na Capital do Estado estejam ligados à droga. Mas para reduzir esses números não bastam operações isoladas e sazonais e sim um envolvimento da bancada estadual e federal e da sociedade civil organizada, o que de fato não acontece.

O sociólogo Naldson Ramos, professor na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), explica que o desafio de controlar o avanço das drogas deve ser pensado em duas partes. A primeira é a repressão, que precisa ser realizada de maneira continua na fronteira. Se a droga entra é porque existem falhas e para superar isso só com um trabalho de inteligência efetivo, com levantamentos, fiscalização, força armada e trabalho diplomático.

"Pegar um ou outro não resolve. Fronteira é difícil. O Brasil deve exercer seu papel de protagonista em acordos bilaterais para diminuir a oferta da droga".

Tudo isso em consonância com um trabalho de inteligência interno, com equipes qualificadas e equipamentos suficientes. Atualmente, em Cuiabá, a Delegacia Especializada de Repressão às Drogas (DRE) conta apenas com 32 pessoas.

Enquanto isso, o sociólogo lembra da importância da sociedade civil organizada, incluindo as bancadas federal e estadual, organizar um processo forte para a prevenção e redução dos danos das drogas. "É uma questão de saúde pública, por isso deve-se investir em centros de desintoxicação com equipes multidisciplinares. Mas o que se percebe é que o assunto é polêmico e poucos chamam para si essa briga".

Perfil - A porta de entrada da droga em Mato Grosso é a fronteira com a Bolívia, grande produtor de coca e exportador para a indústria farmacêutica dos Estados Unidos. É da Bolívia que chega a pasta-base, muitas vezes chamada de crack - que na verdade é o lixo resultante do refinamento da pasta para a obtenção da cocaína. Esta droga cruza a fronteira das mais diversas maneiras, carro, caminhão, barco ou avião ou com ajuda de "mulas".

É a pasta-base o principal entorpecente apreendido no Estado - de abril a setembro deste ano foram 395 Kg de droga, sendo 150 de pasta-base. No Estado ela é manipulada com ajuda de substâncias como ácido bórico e acetona para proporcionar rendimento. A cada quilo de pasta manipulada podem ser feitas 4 mil trouxinhas, que custam entre R$ 5 e R$ 10.

Do Paraguai vem a maconha, passando primeiramente pelo Mato Grosso do Sul e chegando ao Estado em carros pequenos ou ônibus, a droga mais consumida. Já a cocaína pura - pouco encontrada e consumida no Estado, segundo a DRE - vem da Venezuela, onde existem indústrias de refinamento.

Depois que assumiu a DRE, a delegada Cleibe Aparecida de Paula, destaca que, desde julho de 2009, 4 organizações criminosas foram identificadas e desarticuladas. Mas ela destaca que o fator complicante é a economia movimentada pela venda de entorpecentes. "Hoje a família toda está envolvida com a atividade. Vender droga virou uma atividade econômica paralela".

Sofrimento - Dia 25 de setembro foi desesperador para Alzira Irene Cardoso, 60, viúva e mãe. Pela terceira vez ela precisou ir ao Ministério Público Estadual solicitar a prisão de seu filho, de 39 anos, devido às ameaças e agressões que ela vinha sofrendo. O filho de Alzira é dependente químico desde os 12 anos de idade, mas há 2 anos se entregou de vez à pasta-base.

Por pelo menos 60 dias o filho dela ficará na ala evangélica do Centro de Ressocialização de Cuiabá e só Deus sabe em que estado ele voltará para casa. "Ele volta revoltado, mas é a única maneira que eu encontro para mantê-lo longe da droga durante um tempo".

A mãe não vive mais para si. Entrou em depressão profunda e hoje dorme com o quarto trancado porque tem medo. Os poucos objetos que sobraram em casa também ficam fechados à chave para que o filho mão os troque por drogas. Quando vai dormir ela tranca a casa e também esconde a chave no quarto para que o rapaz não consiga sair.

O único momento em que essa mãe encontra conforto é quando está orando ou trocando experiências com outras mães que passam por essa mesma situação no centro de ajuda Amor Exigente. Lá ela chora, desabafa e se distrai com o grupo de coral que promete iniciar as apresentações esse ano. "Somos o grupo das mães sofredoras do coração preto. Elas são minha segunda família".

A grande angústia de Alzira é não conseguir pagar uma clínica de reabilitação para seu filho. "A única que existe em Mato Grosso é o Centro Integrado de Atenção Psicossocial - Ciaps Adauto Botelho Unidade 3, mas lá ele só pode tratar 1 mês e depois volta para casa e faz apenas acompanhamento. Mas chega um momento que o organismo do meu filho se acostuma e os medicamentos não fazem mais efeito. Por isso ele precisaria de uma clínica".

Atendimento - Em Mato Grosso, o Conselho Estadual de Políticas Públicas para Drogas (Conen-MT) identificou uma rede de assistência às pessoas com transtornos decorrentes do uso de drogas formada por 18 Centros de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas (Caps-AD), que oferece serviço especializado em saúde mental, 30 comunidades terapêuticas para homens, com cerca de 700 participantes, e 3 comunidades com um total de 50 mulheres, além de 5 grupos de ajuda mútua.

Com frequência os 50 leitos disponibilizados pelo Ciaps Adauto Botelho Unidade 3 - o único centro público que cuida de pacientes dependentes químicos no Estado - lota e é necessário ocupar leitos destinados a pacientes com transtorno mental para atender às determinações judiciais.

De acordo com a presidente do Conen-MT, Ana Elisa Limeira, a expectativa de ampliação da rede gira em torno dos R$ 61 milhões liberados pelo governo federal para a abertura de 6.120 leitos de tratamento de dependentes químicos, os quais serão distribuídos em hospitais gerais, comunidades terapêuticas, Caps 24 horas e casa de acolhimento transitório de todo o Brasil.

Ana Elisa lembra que o edital foi publicado em 23 de setembro, mas cabe aos prefeitos e deputados se articularem para trazer investimentos aos municípios mato-grossenses. Da mesma forma, a presidente do Conen lembra que um dos desafios dos governantes no combate às drogas é a organização de uma rede, com uma estrutura orgânica forte, para ampliar e fortalecer os programas de prevenção e tratamento existentes.





Fonte: A Gazeta

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