"Caso Donan": Acusados vão a julgamento
Os ex-seguranças acusados de assassinar o estudante Reginaldo Donnan dos Santos Queiróz, 30, sentam no banco dos réus amanhã, protagonizando o julgamento mais longo de 2010. Jefferson Luiz Lima Medeiros, Ednaldo Rodrigues Belo, Valdenor de Moraes e Jorge Dourado Nery respondem por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, utilização de meio cruel e sem possibilidade de defesa da vítima) depois de uma sessão de espancamento dentro do Shopping Goiabeiras, onde os acusados trabalhavam. As agressões ocorreram no dia 26 de agosto e Reginaldo morreu no dia 29 na Unidade Intensiva de Tratamento (UTI) do Pronto-Socorro de Cuiabá.
A juíza da 1ª Vara Criminal de Cuiabá, Mônica Catarina Perri, reservou 3 dias para o julgamento (28, 29 e 30), que contará com 28 testemunhas e advogados individuais para cada acusado. O Ministério Público será representado pelo promotor João Augusto Veras Gadelha. A pena varia entre 12 e 30 anos de prisão. Os 4 ex-seguranças estão presos desde a época da investigação. Gadelha explica que pode haver desmembramento do processo para que os réus sejam julgados separadamente, mas depende da quantidade de rejeição de jurados por parte dos advogados e acusação.
A irmã de Reginaldo, Daniele Queiróz, comenta que a expectativa da família é grande em relação ao julgamento e afirma que os assassinos do irmão merecem pena máxima. Embora nem todos os acusados tenham participado de forma ativa do espancamento, para Daniele "todos são assassinos".
Apesar da ansiedade e expectativa para que a justiça seja feita, Daniele sente muita aflição e angústia. "Fico pensando na minha mãe ouvindo aquele povo falar dele, contando como foi, o que fizeram. Minha maior preocupação é ela".
A família pretende fazer uma manifestação logo pela manhã na frente do Fórum, antes do início do julgamento para relembrar o caso. A mãe de Reginaldo, Odaísa dos Santos, comenta que levará a mesma faixa que mandou fazer na época do crime, pedindo Justiça.
Odaísa classifica Reginaldo, como o "filho especial", que não saia de casa sem perguntar como ela estava, sem pedir a benção. Ele não bebia, não fumava e não gostava muito de festas. Tinha como predileção os estudos e trabalho, sempre pensando no melhor para a família e entendia que podia lutar pelos seus direitos como cidadão. "Ele não parava. Vivia estudando, fazendo cursos e trabalhando. Queria que eu voltasse a estudar para conhecer pessoas".
Olhando as fotos dos filhos ainda crianças, Odaísa conta que ficou viúva quando o primogênito tinha apenas 13 anos e conforme foram crescendo, todos passaram a trabalhar para ajudar. "Fico lembrando dos meus filhos pequenos sentados assistindo televisão. Adoravam ver desenho da Olívia Palito".
Reginaldo começou a vender apostilas para quem desejava prestar concursos e percebeu havia muita procura por água e alimento, o que o levou a ofertar esses produtos e ampliar a renda. Depois aumentou ainda mais o leque de opções para os clientes e começou a revender garrafas de água com emblemas de times. Sempre conciliando o trabalho com os estudos.
Reginaldo já se preparava para a Copa de 2014 e havia começado aprender novos idiomas para poder atender os turistas de fora. "Ele ficava até tarde estudando, lendo, ouvindo as lições no fone de ouvido. Foi morto e não conseguiu ver nem a Copa de 2010".
Pela criação e personalidade dos filhos, Odaísa destaca que nunca passou por sua cabeça que um deles poderia ser assassinado. "Quando é bandido, ou alguma coisa assim, a mãe até espera. Fico pensando, como puderam fazer isso com ele. Olho as fotos e não acredito que ele não volta mais".
A mãe conta ainda que Reginaldo queria ir mais longe e pretendia se formar em Direito antes de completar 38 anos, como Odaísa sonhava. "E ele conseguiria, tinha muita vontade de fazer as coisas".
A presença de Reginaldo é forte na casa em que morava com a mãe. Fotografias, diplomas e um chapelão enfeitam a sala remetendo a pessoa que nunca sairá da memória dos familiares. "Não me desfiz das coisas dele, estou esperando o resultado do julgamento".
Amanhã será a primeira vez que Odaísa verá pessoalmente os seguranças e comenta que gostaria de questioná-los sobre o porquê de tanta violência. "Quatro pessoas para bater em uma? Será que não pensaram que ele tinha uma família? Como pode existir um quarto de torturas dentro de um shopping que é um lugar público, onde todas as pessoas podem ir?".
A mãe de Reginaldo não para de pensar no sofrimento e desespero do filho ao ser espancado. "Meu Deus, fico só imaginando como meu filho sofreu. Tenho certeza que ele pediu muito para não apanhar, que chorou muito. Ele era como eu, muito chorão".
Quanto ao julgamento, ela espera somente por Justiça. "Tenho esperança que sejam julgados e Justiça seja feita. Só de estarem presos até hoje já vejo Justiça. Não me importo em quantos anos serão condenados, apenas quero que paguem pelo o que fizeram. Eu sei que meu filho não volta, mas o crime não pode ficar impune".
A mãe e irmã da vítima contam que ainda hoje esperam a volta de Reginaldo. "Ele me ligava todos os dias. E ainda hoje me pego esperando a ligação, que não vem", conta Daniele.
Promotoria - O promotor de Justiça Gadelha revela que vai trabalhar com a tese de dolo eventual (quando a pessoa assume o risco de produzir o resultado). No entendimento da acusação, ao espancarem Reginaldo de forma excessiva e com golpes em áreas vitais, como na cabeça, os acusados assumiram o risco de provocar a morte. Ele acredita que os advogados de defesa devam tentar desclassificar o crime para lesão corporal seguida de morte, que tem pena de 6 a 12 anos de prisão. Como cada acusado teve um nível de participação na morte, a juíza pode determinar pena conforme a culpabilidade de cada réu.
Gadelha comenta que não há como os ex-seguranças negarem as agressões, citando alguns pontos do processo, como a ligação de uma cliente ao 190 informando sobre a ação dos acusados que retiraram Reginaldo a força de dentro da Beto Sports. A mulher menciona que o estudante gritava por socorro e pedia para chamar a Polícia, além de comentar que os seguranças do Goiabeiras costumavam espancar clientes mais humildes.
Outra ligação citada pela promotoria é a de Valdenor, também ao 190. No contato telefônico ele pede que uma viatura vá ao Shopping para retirar um homem que estava atormentando os clientes. Gadelha comenta que a gravação da Polícia registra Reginaldo afirmando que era trabalhador e os seguranças mandando ele calar a boca porque estava no purgatório.
Crime - Reginaldo foi ao Shopping Goiabeiras comprar ingressos para o Micarecuia que seriam revendidos posteriormente. Desde que entrou no local, carregando uma grande sacola com os objetos que vendia e usando um chapelão, passou a ser monitorado pelos seguranças. Quando tomava um suco na praça de alimentação, Medeiros recolheu o material que a vítima carregava.
O estudante estava do lado de fora do Shopping quando foi abordado por Valdenor que o chamou para buscar os objetos. Eles se desentenderam e o segurança deu um tapa na mão de Reginaldo que derrubou o celular no chão. Pouco depois, os 2 voltaram para o interior do Goiabeiras.
Reginaldo foi até a porta da sala dos seguranças, mas não entrou. Seguiu para um café, onde contou para duas mulheres que estava sendo perseguido e, posteriormente, entrou na loja Beto Sport. Escreveu uma carta de indignação sobre o preconceito que sofria e momentos depois, Belo e Medeiros entram no local para o retirem a força. Jorge e mais uma pessoa ajudam carregar o estudante até a sala dos seguranças, onde ocorreu o espancamento. Reginaldo saiu da sala dentro de um contêiner de lixo. Toda ação foi registrada pelas câmeras de segurança do Shopping.
A Polícia Militar foi acionada para levar Reginaldo ao Centro Integrado de Cidadania e Segurança Pública (Cisc), onde Belo o Medeiros registraram Boletim de Ocorrências contra a vítima dando conta que haviam sido ameaçados com um estilete.
Ao ver a situação de Reginaldo, o delegado determina que a PM leve o rapaz para o PS. Os seguranças acompanham a polícia e filmam com um aparelho de celular a agonia de Reginaldo dentro do camburão antes de ser atendido pela equipe médica.
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