Especialista em literatura brasileira afirma que previsões em observação sistemática da natureza não podem ser consideradas crenças e sim conhecimento
MT só terá chuva em 20 ou 30 dias
Um deles é o experiente José Natal de Almeida, 62, que defende que a chuva não chegará antes do dia 24 de setembro, pois até hoje o Acauã não cantou sobre nenhuma árvore verde. A sabedoria popular garante que essa ave de rapina, comum em bordas de florestas, capoeiras e cerrados, sabe exatamente quando começará a estiagem e quando iniciará a chuva. Tanto que, dependendo da previsão, ele canta sobre uma árvore seca ou sobre uma verde.
Para José, outro indício de que a chuva só cairá na segunda quinzena de setembro é a calma dos animais. "Lá na chácara, quando a chuva tá chegando, a criação fica agitada. As galinhas, por exemplo, batem as asas e se jogam no chão. Os animais saem correndo".
Quem também que está preocupado com o silêncio das aves é o feirante Aloízio Paes da Silva, que no auge dos seus 53 anos aposta todas as suas fichas nos movimentos das andorinhas e no canto do sabiá. "Ah, se a chuva tá chegando, eles (os animais) ficam ouriçados, cantam a madrugada toda. Mas até agora, nenhum sinal deles".
Se para muitos isso não passa de crenças populares, para o especialista em literatura brasileira da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Mário Cezar Silva Leite, tais "previsões" são um tipo de conhecimento ligado às camadas sociais e culturais que não receberam conhecimento técnico. Por isso, buscam explicações nas coisas da natureza.
"É um conhecimento de vida, baseado na observação sistemática da natureza. Além da imaginação, essas previsões têm uma parte prática. Assim, não podem ser consideradas uma crença e sim conhecimento".
Quem se abastece diariamente com essa sabedoria popular é Vico Capistrano de Alencar, coordenador regional da Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Empaer) na baixada cuiabana. Todo seu conhecimento técnico sobre a terra é complementado por aquilo que aprende com os pequenos produtores. "Por incrível que pareça as coisas realmente se confirmam".
A fé nos sinais da natureza já faz parte do dia-a-dia de Vico, tanto que ele já observou que o casal de sabiás que vive no quintal de sua casa cantou no último domingo depois de 6 meses em silêncio. "Esse pássaro deixa de cantar durante o primeiro semestre, mas começa a soltar sua voz cerca de 20 dias antes do início das chuvas. É a época do acasalamento, em que ele se prepara para o período de fartura".
A proximidade do tempo das águas também pode ser atestada, segundo Alencar, pela migração dos animais. No Pantanal, antes da chuva chegar, os animais que pastam migram para as partes mais altas, preparando-se para as inundações. Já as aves, como andorinhas e garças, fazem o movimento contrário e vão para as áreas alagáveis.
Chuva do Cajú - Na tentativa de limitar o que é crendice popular e o que é conhecimento, muitas coisas acabam pendendo para o lado do mito, da lenda. É o que acontece com a "Chuva do Cajú".
Ao contrário daqueles que não acreditam, essa chuva compõe o clima do Centro-Oeste e, segundo Vico Capistrano de Alencar, é importantíssima para o desenvolvimento da fruta. Sem ela - que também é chamada de "solteira" - o cajueiro não consegue segurar seus frutos, comprometendo a produção. Por ser a primeira chuva após o período da seca e ter esta importância para o cajú, recebe este nome popular. Ela cai entre agosto e setembro.
Fé nos astros - Entre os índios, o movimento das estrelas e a floração de algumas árvores podem conter muito mais informação do que se imagina. É por meio da observação das Plêiades (as Sete Estrelas) e da floração de algumas árvores que os índios da etnia Bororo conseguem saber se a chuva virá na época correta. E, segundo esse conhecimento, a água está a caminho.
O desaparecimento da constelação das Plêiades -Akiri Dóge para os Bororo - no final do mês de abril e o seu aparecimento no início de setembro regula profundamente o sistema de vida da tribo. Quando as 7 estrelas desaparecem a Oeste, entre abril e maio, é sinal que a estiagem se anuncia e chega hora de sair para a caça, a pesca e a coleta de matéria prima. É o chamado Jóru Bútu.
Tempo depois, conforme conta o técnico indigianista Antônio João de Jesus, batizado pelos Bororo como Meriréu, quando as Plêiades surgem novamente a Leste, entre agosto e setembro, a aldeia se prepara para "as grandes águas". Inicia-se, então, a preparação do solo para plantio do milho, de cabaças, do algodão e de alguns tubérculos.
No final de março as Plêiades já estão no horizonte Oeste, marcando fim de um ciclo e o início de outro na vida dos Bororo.
Outro indicador de chuva utilizado também pelos Bororo é o Carandá, árvore nativa do Pantanal. "Esta época é o período de floração dessa e outras árvores. Se ela não floresce agora é sinal que a chuva vai atrasar. E para o alívio de todos, ela já floresceu".
O fim - E para quem acha que a nova geração, baseada no conhecimento tecnológico, pode comprometer a sabedoria popular, o especialista Mário Cezar afirma que isso não irá acontecer.
Ao mesmo tempo em que não se pode datar o início da disseminação do conhecimento popular, é impossível afirmar o seu desaparecimento. De acordo com Cezar, o que pode acontecer é uma adaptação às necessidades atuais.
"Essa outra maneira de conhecer o mundo é essencial. O ser humano precisa da fantasia, da fé, do imaginário. E, mesmo que as novas gerações coloquem isso em cheque, tal conhecimento não vai acabar, apenas modificar".
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