MST completa 15 anos em Mato Grosso e, dos 40 assentamentos, o ‘14 de Agosto’ se tornou referência de prosperidade, com base na agricultura familiar
Experiência bem-sucedida em Campo Verde
Na região de Campo Verde, capital do algodão a 131 km de Cuiabá, mais de 1,7 mil hectares fazem verdadeiro contraste visual desde 1996 com o modelo hegemônico de produção agrícola local, que produz paisagens planas de grandes lavouras do horizonte à beira das estradas. Batizado de “14 de Agosto”, o terreno de relevo acidentado é o mais antigo dos 40 assentamentos do Movimento dos Sem-Terra (MST) no Estado. Por meio da agricultura familiar, atingiu prosperidade rara entre os demais criados nos 15 anos do MST aqui, completados ontem.
Fruto de uma ocupação em 1994 (ver matéria), o 14 de Agosto hoje segue o modelo que o MST considera referência para todos os assentamentos. Ali, a produção de 90 famílias, cada qual no próprio pedaço de terra, contribui para a economia da região e, por isso, significa mais que um objetivo alcançado em busca de reforma agrária; é também motivo para mudar aos poucos a imagem polêmica do movimento – quase sempre pautada pela situação de outros assentamentos e pelas manifestações.
“É feio ocupar prédio público, fazer vandalismo, mas fomos demonstrando que estávamos aqui para trabalhar e contribuir para a cidade”, resume o assentado Gildo Marcolino de Lima, 32 anos, nascido em Pedra Preta. Ele lembra, mas sem ressentimento, dos olhares atravessados à sua família quando chegou à área demarcada. Isso acabou depois que a região passou a ser abastecida por alimentos produzidos no assentamento: frutas, verduras, legumes, peixes, derivados da cana, leite e mel que inclusive originaram a Feira de Campo Verde e que estão na merenda escolar do município.
Se há mudança gradual na imagem dos assentados (ver matéria), é devido à credibilidade proporcionada pela produção; esta, favorecida pela proximidade com Cuiabá e Rondonópolis, pelos 17 km asfaltados até Campo Verde e pela fertilidade da terra, cortada por um rio.
Fora, é claro, os recursos federais (ver matéria). Mas, de qualquer modo, fato é que por trás dessa produção estão histórias de vida com igual potencial para firmar o 14 de Agosto como o modelo de assentamento do MST em Mato Grosso. Os relatos seguem uma linha: são pessoas que só sabiam tirar o sustento da terra, mas amargavam o desemprego e a vida nas periferias das cidades por não terem um chão onde trabalhar.
Muitos vieram de outros estados para viver em cidades do interior de Mato Grosso, mas se depararam com sérias dificuldades financeiras. É o caso do paulista Pedro Oliveira, 53, que não conseguia emprego em São José do Povo (a 262 km) e entrou no MST com a perspectiva de “começar do zero”, mas do único jeito que sabia - lidando com a terra. Diz que se sente realizado hoje, tirando uma renda que já chegou a R$ 8 mil e vendo crescer suas plantações variadas, de berinjela, banana, mamão, maracujá e até suas experiências, como a tentativa de fazer brotar a exótica lichia. “Dizem que nasce em sete anos”, anima-se.
O baiano José Rufino de Souza, 52, tal como seo Pedro, estava com uma mão na frente e outra atrás com cinco filhos para criar na mesma São José do Povo quando a possibilidade da reforma agrária lhe deu outra perspectiva. Hoje, tira sustento com o gado. “E muito amigo também melhorou de vida. Comigo melhorou uns 500%”, calcula, bem humorado.
ÊXODO – O assentamento, entretanto também apresenta seus contrastes. Embora já tenha proporcionado melhor qualidade de vida, a renda ali ainda não parece impedir que o local seja depois “habitado mais por velhos”, como diz Gildo. Ele cita o êxodo rural dos jovens como um dos problemas enfrentados pelo 14 de Agosto, como quando os assentados pecam por desorganização. Desde cedo estudando nas cidades, os jovens não se veem ali no futuro. Como os filhos de Rufino. Três já se formaram, inclusive em agronomia, mas nenhum pensa em viver no mesmo local em que o pai pensa em envelhecer.
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