Constantes anulações de provas pelo Judiciário colocam em xeque investigações
O Poder Judiciário tem anulado dezenas de provas colhidas durante investigações deflagradas pela Polícia Federal e pelo Grupo de Especializado de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). A maioria das anulações é decorrente de interceptações telefônicas obtidas de forma ilegal, e busca e apreensões, que posteriormente são consideradas arbitrárias pelo Judiciário.
Na última semana o Olhar Jurídico divulgou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acatou um recurso impetrado pela defesa do empresário Julio Uemura e anulou seis meses de intercepções telefônicas feitas pelo Gaeco, referente a “Operação Gafanho”, deflagrada em 2009.
O STJ entendeu que houve ilegalidade da renovação da ordem judicial para as interceptações. Na prática, isso significa que todas as provas produzidas por meio desses “grampos” estão consideradas nulas e deste modo devem ser retiradas dos autos. Essa decisão muda todo o rumo do processo.
O juiz federal Murilo Mendes, da Subseção Judiciária de Sinop (500 km de Cuiabá), também anulou todas as ações da “Operação Arco de Fogo”, deflagrada no ano de 2008, referentes à madeireira Madeferro, localizada naquela cidade. A operação resultou em embargo e interdição da empresa, que recebeu multas de aproximadamente R$ 550 mil.
O magistrado entendeu que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não tinha critério técnico adequado para medir madeira e que a função cabia à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA).
A decisão revela que, de fato, houve divergência de critério de medição de madeira, sendo que aquele previsto em "norma técnica" expedida pela administração superior do IBAMA não poderia prevalecer sobre o critério da Portaria nº 32, expedida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Na decisão, o juiz federal salienta ainda que foi detectado um vício “que era a utilização de critério previsto em ‘norma técnica’, que contaminava, por assim dizer, desde o seu início, o procedimento de aplicação da penalidade”.
Outro caso que ganhou repercussão foi a anulação das interceptações telefônicas na “Operação Pacenas”, de 2009. À época o Tribunal Regional Federal (TRF) anulou as escutas telefônicas utilizadas pela Polícia Federal durante as investigações de fraudes nas licitações das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em Cuiabá e Várzea Grande.
A anulação foi pedida pelo advogado Ulisses Rabaneda, que fez a defesa do ex-procurador do município de Cuiabá, José Antônio Rosa, sob a alegação de que não havia indícios de atos ilícitos e por isso as escutas foram realizadas de forma irregular, além de considerar que a acusação não era fundamentada.
Ao Olhar Jurídico, Rabaneda revelou que o grande problema nas investigações é a falta de critério. “Percebemos que há uma inversão de ordem e o que era para ser exceção virou uma regra. Toda investigação do Gaeco e Polícia Federal tem quebra de sigilo telefônico e busca e apreensão. Essas são medidas excepcionais, mas acabam sendo adotadas rotineiramente. Temos inúmeros casos: Operação Pacenas, Operação Tentáculos, e outras que acabam adotando medidas desnecessárias que são invalidadas pela Justiça”, afirmou.
O advogado acredita que o problema é decorrente de uma comodidade dos órgãos de investigação. “Acredito que isso acontece por comodidade dos investigadores, seja polícia ou Ministério Público. O trabalho acaba sendo facilitado pelas escutas telefônicas, pelas buscas e apreensões. Hoje nós não vemos mais aquelas investigações onde se fazia as diligências, o trabalho de perícia”, comentou.
O advogado também citou o caso do empresário Filadelfo dos Reis Dias, que foi denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPE) por ter supostamente contratado pistoleiros para executarem seu ex-sócio, o empresário Valdinei Mauro de Sousa.
Em decisão proferida no último dia 7 de agosto, a terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) acatou o pedido da defesa e trancou a ação penal contra o empresário. O habeas corpus nº 42617/2013 foi acatado pela maioria na manhã desta terça-feira. No entendimento dos magistrados, não havia provas suficientes para a condenação do empresário, mas apenas indícios.
Tanto o Gaeco, quanto a Polícia Federal não informaram se irão recorrer das anulações citadas na reportagem.
Levantamento do CNMP
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) está realizando levantamento inédito em todas as promotorias e procuradorias do País que compraram ou alugaram o Guardião e outros sistemas de escuta telefônica e interceptação de dados. O pente fino busca saber como os equipamentos vêm sendo utilizados a fim de evitar abusos.
O levantamento mostrou que já somam dezessete as unidades do Ministério Público que usam um sistema de arquivamento e organização de grampos telefônicos e interceptações de e-mails. Com a ferramenta, os MPs recebem diretamente o conteúdo dos grampos, o que, na avaliação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é ilegal.
O levantamento feito pelo CNMP aponta três sistemas similares utilizados pelo Ministério Público para organizar as escutas telefônicas e grampos de e-mail: o Guardião, da empresa Dígitro, presente em nove unidades do MP; e os sistemas Wytron e Sombra, que se dividem nas outras oito.
As empresas fazem um tipo de divisão geográfica de mercado, estando, por exemplo, a Wytron no MP de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, três estados em que a Dígitro não tem escritório.
Advogados afirmam que o controle feito pelo CNMP é importante, mas acreditam que ele não deve mudar os sistemas de espionagem, que já estão enraizados no funcionamento do MP.
A preocupação da advocacia com as escutas do Ministério Público foram, na realidade, o pontapé inicial para a atitude de “investigar os investigadores”, do CNMP. Foi um requerimento do Conselho Federal da OAB que deu origem ao Pedido de Providências 1.328/2012-95, pelo qual estão sendo coletadas as informações sobre os sistemas de investigação.
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