Os prefeitos “rebeldes” têm gerado dor de cabeça às direções partidárias, que promovem rápidas punições para evitar prolongar as situações de saia justa.
Na maior parte dos episódios de “insubordinação”, os chefes municipais, atores essenciais à mobilização de eleitores, manifestam preferência por candidatos da situação, a despeito da militância opositora de suas siglas.
Como o prefeito José Francisco de Mattos Neto (DEM), de Tanabi, cidade de 25 mil habitantes no noroeste paulista.
No último dia 7 de julho, durante jantar de apoio à candidatura de Dilma Rousseff (PT) à Presidência, Mattos Neto declarou voto para a ex-ministra e ainda criticou a gestão do PSDB em São Paulo.
“São duas décadas de desmonte do estado e de sucateamento do serviço público”, afirmou na ocasião o prefeito do Democratas, principal aliado na chapa de José Serra (PSDB) ao Planalto.
Menos de 24 horas após o jantar, o presidente do DEM-SP, Rodrigo Garcia, encaminhava o pedido de expulsão de Mattos Neto da sigla. “As declarações não representam o sentimento do partido e de seus filiados”, afirmou Garcia em nota.
Mattos Neto defendeu sua opção. Delegado de polícia licenciado e prefeito em segundo mandato, afirmou que “sempre” foi de esquerda e justificou sua candidatura pelo DEM em 2008. “Para acomodar conjunturas locais, a gente acaba se filiando a partidos consolidados.”
O prefeito começou a carreira política no PSB, em 1998. Trocou a sigla pelo PDT em 2004 e filiou-se ao DEM em 2007. Diz hoje estar “tecnicamente sem partido”, porque perdeu o último recadastramento de filiados da Justiça Eleitoral, que declarou sua dupla filiação (PDT e DEM).
“Preferi ter liberdade para apoiar Dilma e Aloizio Mercadante [candidato do PT ao governo de SP]. Estou em segundo mandato e acredito que minha carreira política se encerrará em 2012”, diz Mattos Neto, que nega conotação eleitoreira na escolha pelo PT.
“Não acredito que esse apoio gere frutos para a cidade. O governo federal e o de São Paulo têm tratado os municípios de forma isonômica. É uma opção pessoal”, afirma.
“Rebelde” petista
Em maio, o PT de Minas Gerais “enquadrou” o prefeito de Itinga, Charles Ferraz, por declarações de apoio à reeleição de Antonio Anastasia (PSDB), candidato do ex-governador Aécio Neves.
Presidente Lula caminha em 2004 sobre ponte em Itinga (MG) ao lado do então governador Aécio
Neves (PSDB); prefeito petista da cidade sugeriu neste ano voto em tucano para o governo mineiro
(Foto: Ricardo Stuckert/Presidência)
O município do Vale do Jequitinhonha é emblemático para o partido. Foi cidade-piloto do programa Fome Zero e recebeu, em 2004, uma das primeiras obras do governo Luiz Inácio Lula da Silva, a ponte que liga os dois lados do município.
Durante assinatura de convênio com o governo estadual, Ferraz teria dito à imprensa que deixaria seus eleitores “à vontade” para praticar o chamado voto “Dilmasia”, o apoio a Dilma ao Planalto e a Anastasia na corrida estadual.
O “Dilmasia” seria uma reedição do "Lulécio", voto simultâneo em Lula para presidente e em Aécio para governador, registrado nas eleições de 2006 em Minas.
O PT mineiro minimizou o episódio. “O prefeito disse que houve interpretação errada de suas declarações. Reafirmou o compromisso dele com o partido”, disse o secretário de Relações Institucionais do PT-MG, Cristiano Silveira.
A reportagem não conseguiu localizar Ferraz. No evento, em maio, recebeu R$ 250 mil do governo do estado para asfaltamento de uma área rural.
Dissidente verde
“Quem pisar fora da linha que procure outro partido”, afirma o presidente do PV-SP, Maurício Brusadin, sobre a suspensão da filiação do prefeito de Itapira (SP), Antonio Belini.
A sanção ocorreu após Belini declarar apoio a Dilma em evento no dia 1 de julho, em Campinas. O partido abriu processo ético contra o prefeito, que pode culminar em expulsão.
“[O apoio] pega mal, nos fragiliza. Temos uma candidata [Marina Silva] da qual temos muito orgulho”, diz Brusadin. Belini não quis falar com a reportagem do G1.
Análise
Para o analista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, o fenômeno dos prefeitos “rebeldes” reflete particularidades do sistema político brasileiro.
Uma delas é o que chama de “descolamento” do sistema partidário nos três níveis de governo: União, estados e municípios. “As eleições municipais têm dinâmica própria, ocorrem em anos diferentes [das eleições para governador e presidente]. E a vida política no município era mais dinâmica durante o regime militar do que no plano federal”, afirma.
Cortez vê ainda grande influência do Executivo federal na política nacional, sobretudo em termos de liberação de recursos. “Prefeitos dependem muito de recursos federais”, afirma.
Estima-se que cerca de 70% dos 5.564 municípios brasileiros tenham como principal fonte de receita os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), feitos pela União.
O fundo é formado por fatias do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Municípios menores são mais dependentes, em razão da baixa arrecadação de tributos municipais, como o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
O analista diz ainda que a “rebeldia” dos prefeitos causa poucos danos à imagem dos chefes municipais, o que é um incentivo às dissidências. “O rótulo partidário no Brasil não é tão forte, os partidos não têm imagem tão consolidada perante o eleitorado. Portando esse tipo de atitude acaba não se refletindo em punição eleitoral”, afirma.
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