"Ficha Limpa" marca avanços
O professor e consultor político Gaudêncio Torquato avalia que a Lei da Ficha Limpa, que impede candidatura de pessoas condenadas em órgãos colegiados, veio para ficar mesmo com os questionamentos sobre a constitucionalidade ou não da proposta. Segundo ele, essa imposição deve ser um dos diferenciais dessa eleição, assim como a definição do pleito no primeiro turno.
Gaudêncio afirma que a Ficha Limpa deve prevalecer mesmo com os questionamento por causa da exigência de vários setores da sociedade que cobram mais moralidade dos agentes públicos. Segundo ele, a tese deve ser confirmada nos próximos dias através de julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF).
Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e articulista que escreve no jornal A Gazeta aos sábados comenta ainda a influência das campanhas caras no voto do eleitor, a sucessão presidencial e as denúncias de corrupção envolvendo o Judiciário. Sobre a primeira eleição que o PT terá sem a candidatura do presidente Lula, ele diz que o pleito vai ser definido até o fim de agosto com o início dos programas eleitorais de rádio e TV.
A Gazeta - Qual a sua opinião sobre a polêmica aplicabilidade ou não da Lei da Ficha Limpa já nessa eleição?
Torquato - Hoje nós já temos um empate. Temos 7 recursos acolhidos pelos ministros suspendendo os efeitos da Ficha Limpa e 7 não acolhendo. Acredito que a partir do fim do recesso, isso voltará a ser julgado no plenário do STF e os fichas sujas vão perder a batalha. A lei é clara, apesar do questionamento sobre quem já foi condenado antes da lei e quem vier a ser. Essa polêmica aumenta ainda mais por parte dos que já cumpriram aquela pena de inelegibilidade de 3 anos que valia antes da lei e passou a ser de 8 anos. Mas o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do TSE, já disse que a Ficha Limpa veio para ficar.
Gazeta - Mas a moralidade deve prevalecer mesmo sobre outros princípios constitucionais?
Torquato - Essa questão foi colocada pelo ministro Marco Aurélio e tem realmente que ser mais discutida. A lei não pode valer imediatamente após sua publicação. Tem que ser respeitado o princípio da anualidade, além do fato de que quem já foi condenado e cumpriu pena corre o risco de sofrer mais uma pena pelo mesmo crime. Imagine uma pessoa que cumpriu três anos de inelegibilidade e agora esse prazo vai se estender por 8 anos.
Gazeta - Esse impasse deve ser mesmo definido somente pelo STF?
Torquato - Sim. As pessoas que se sentem prejudicadas vão realmente buscar o Supremo. Não há grandes dúvidas sobre isso.
Gazeta - Mas a sociedade demonstra que exige mais moralidade dos agentes públicos.
Torquato - Sim. A sociedade quer moralização dos padrões políticos e costumes eleitorais, tanto é que o projeto para criar a lei recebeu a assinatura de mais de 1,6 milhão de pessoas do país inteiro. Evidente que há um clamor social intenso e, nesse caso, funciona como um meio de pressão formidável sobre o Judiciário.
Gazeta - Essa lei não serviu como um recado à classe política?
Torquato - Acredito que essas leis que nascem no berço social têm melhores condições de vingar. É um sinal, um alerta que as pessoas mostram. Vejo ainda que, indiferente à polêmica sobre a constitucionalidade ou não da matéria, existe agora um horizonte ainda mais promissor.
Gazeta - A Lei da Ficha Limpa vai ser o grande diferencial dessa campanha?
Torquato - Entendo que o diferencial vai ser o fato de que os candidatos deverão melhor se apresentar. Os eleitores estão cada vez mais exigentes. O voto está cada vez mais racional, cívico e subindo do coração para a cabeça. Avalio que a cada pleito crescem a taxa cívica nacional e o poder decisório da população. As pessoas vão aumentar seu nível de exigência. As pessoas não acreditam mais em promessas mirabolantes e as propostas vão ser comparadas. Quem for alvo de críticas contundentes por parte da mídia e da população vai ser cobrado nas urnas.
Gazeta - Mas a população tem presenciado muitos escândalos nos últimos anos. Isso não vai de encontro ao que o senhor está falando?
Torquato - Os escândalos funcionam como um antídoto. Quanto mais denúncias são divulgadas, mais as pessoas vão apurando seu senso e cobram mais. Os escândalos funcionam como um sistema de pressão no sentido de que, a cada escândalo, a indignação também cresce. As pessoas querem pessoas que não são envolvidas em denúncias de corrupção. Escândalo também sugere a necessidade de que seja passada uma borracha na vida pregressa dos candidatos.
Gazeta - Mas alguns estudiosos dizem que as repetidas denúncias tornam as pessoas mais passivas e até tolerantes à corrupção. O senhor não concorda?
Torquato - Não concordo. A banalização da corrupção e dos escândalos pode gerar um certo descrédito em um momento, mas isso é transformado logo em seguida em indignação, que acaba levando o eleitor a optar por um voto mais consciente.
Gazeta - O senhor falou que, a cada eleição, o voto sobe do coração para a cabeça. Em Mato Grosso, no entanto, temos 4 candidatos a governador com previsão de gastos milionários na campanha. Eles admitem gastar até R$ 69 milhões. Isso não interfere na escolha do eleitor?
Torquato - Infelizmente, isso é realmente determinante porque quem tem maior poder de fogo aparece mais. Quem tem mais poder vence mais batalha e compra mais bala. Quem é mais visto é mais lembrado. A capacidade financeira está ligada à capacidade maior de articulação social, de mobilização, de cooptação mais forte de bases eleitorais e pode interferir no resultado.
Gazeta - A Justiça Eleitoral cria leis e acompanha na mesma velocidade às exigências da sociedade por uma campanha mais justa?
Torquato - Acredito que a Justiça não consegue fazer um acompanhamento rígido. Alguns tribunais têm também entendimentos diferentes de outros. Não há uma semelhança nas interpretações. Por mais que eu acredite no Poder Judiciário, sabemos também que existe uma certa imbricação, integração entre alguns quadros políticos e do Judiciário. Por isso, digo que caminhamos vagarosamente na melhora da Justiça Eleitoral e da fiscalização por parte do eleitor. Por outro lado, em algumas regiões temos ainda alguns magistrados que fazem vista grossa para certas atitudes. Talvez isso ocorra por uma questão cultural mais permissiva de determinados lugares. Vejo que, em algumas regiões do Brasil, ainda persistem algumas mazelas do passado, como o fisiologismo, entre outros. São mazelas do Estado tradicional que ainda persistem em algumas regiões.
Gazeta - Mato Grosso é um desses casos? Pergunto isso porque o Judiciário do Estado tem protagonizado sucessivos escândalos para o país inteiro.
Torquato - Prefiro não apontar para um Estado A, B ou C. O que quero dizer é que, quanto mais isolado e distante dos centros de poder, algumas unidades da federação sofrem mais com o caciquismo local. Mas a Justiça tem melhorado. O que não podemos é deixar de considerar que ainda existe um certo compadrio em vários estados.
Gazeta - O cenário nacional aponta para eleição que se resolve no primeiro turno?
Torquato - Isso é difícil dizer, mas vejo que existe no país um momento de grande satisfação social. É o que chamo de Produto Interno Bruto da Felicidade. Se analisarmos o governo Lula, veremos que o presidente preencheu todos os espaços da pirâmide social. É o Bolsa Família para 2,5 milhões de família, é o Minha Casa, Minha Vida, o Luz para Todos, bolsas para estudantes. Ele fez isenções de impostos para linha branca de eletrodomésticos, carros. O Brasil pagou a dívida externa, começou a falar do Pré-sal. Antes do eleitor pensar no voto, a discussão passa pelo bolso. O voto tem muito a ver com a satisfação que o eleitor vive, se ele tem um carro novo, casa própria. É por isso que o Lula tem 85% de aprovação popular. Se ele conseguir transferir um pouco mais do prestígio dele à candidata do PT como já fez um pouco, ela terá grandes chances de vencer. Na verdade, sempre digo que ela é quem pode se derrotar. As condições hoje favorecem mais a Dilma do que o Serra. Ele tem que encontrar um discurso que convença. O que ele pode melhorar?
Gazeta - Falar em mudar é quase um acinte.
Torquato - Pois é. As pesquisas mostram que as pessoas não querem grandes mudanças. Se ele bater frontalmente com o Lula, talvez seja uma péssima escolha. A Dilma pode ganhar no primeiro turno. É por isso que digo que qualquer candidato que obtiver uns 5% a mais nos primeiros dias de campanha na TV e rádio pode consolidar a vitória. Quem aumentar o índice nas duas primeiras semanas a partir de 17 de agosto dificilmente perderá a eleição.
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