Reserva de Jarudori foi invadida por latifundiários e já foi palco de homicídio e ataques
Índios lutam por terra na Justiça e vivem conflito
Indígenas e pecuaristas estão próximos de um conflito na Reserva de Jarudori, localizada em Poxoréu (251 km ao sul de Cuiabá). Outras etnias deram apoio aos Bororos e querem uma batalha com as pessoas da Vila Jarudore, que fica há 3 km da aldeia. Os índios já foram vítimas de uma tentativa de homicídio e um homicídio, cuja motivação foi o pedido de desapropriação dos invasores que tramita na Justiça.
A cacique Maria Aparecida Ekurendo afirma que tenta uma solução pacífica, mas não vai desistir da reserva que hoje é tomada por latifundiários. Apenas 1 dos fazendeiros é dono de metade do espaço, que foi demarcado em 1912 e tem 4.706 hectares.
Ela está com o nome na lista das 20 lideranças ameaçadas de morte no Estado devido a conflitos de terra e trabalho escravo. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) já pediu proteção à Polícia Federal.
Atos de violência contra as 5 famílias que estão na reserva são constantes. Ana Célia Xavier Okwakiri conta que durante à noite, caminhonetes passam na frente da aldeia e atiram. Os índios chegam a juntar os projéteis que foram encaminhados para a PF.
O marido dela sofreu uma tentativa de homicídio e teve que mudar de cidade. João Osmar dos Santos dirigia um caminhão que recolhia o leite produzido nos sítios para levar até a cidade. Ele foi abordado no percurso e conseguiu fugir, escondendo-se na mata. O veículo foi queimado pelos criminosos, que não foram presos.
Ana relata que membros da aldeia pediram a ajuda à Polícia, mas não foram atendidos. Precisaram chamar índios de outras aldeias para encontrar o rapaz. Depois de achá-lo, o levaram para um hospital em Rondonópolis. Quando os policias descobriram que a vítima estava viva, foram até a aldeia para levá-lo para delegacia para prestar depoimento. O paradeiro não foi informado, porque havia informações que um grupo de fazendeiros tinha armado uma tocaia para João Osmar no vilarejo da Jarudori.
Após o fato, um caminhão cheio de indígenas foi à aldeia para começar um conflito armado. A cacique precisou intervir para impedi-los. "Quando acontece atos de vingança, as crianças e idosos não são poupados. Não podemos recuperar o sangue derramado, então é melhor esperar a Justiça agir. O problema é que paciência também tem limite".
O outro caso de violência acabou em morte. A vítima foi o índio Bororo Elenilso. Maria Aparecida conta que era ameaçada de morte por fazendeiros e Elenilso foi avisá-la de um atentado. Então, ela procurou a Polícia e quando passou as informações, os policiais exigiram que fosse declarado o nome do informante para fazer o registro. No dia seguinte, Elenilso foi assassinado. Os suspeitos da morte são 2 policias, que saíram da cadeia alguns dias depois da prisão e continuam na comunidade. Um deles, segundo moradores de aldeia, faz tráfico de peixe na época da piracema.
No carnaval do ano passado, a cacique soube de uma tentativa de atentado na aldeia. Um grupo iria queimar todas as casas. Maria Aparecida reuniu as crianças e mulheres e escondeu-se no morro. Estava chovendo muito e elas usaram um lona como proteção. Haviam bebês que choravam de frio no esconderijo. Antes de ir para o esconderijo, a líder ligou para um major da PM de Rondonópolis. Ela contou que os bandidos iam aproveitar a falta de policiamento na cidade para ação. No carnaval, as viaturas são deslocadas para Poxoréu.
Os homens ficaram na aldeia, desarmados, a espera do criminosos. Na hora marcada, o major da PM foi pessoalmente ao local, junto com reforços. O fato inibiu os criminosos, que passaram direto na rua em frente a aldeia.
Vila - Grande parte dos moradores da vila também são contra os índios. Os que tentam ajudar as famílias da aldeia são alvos de represálias. Eles perdem o emprego e são ameaçados por pessoas ligadas aos latifundiários. Um dos moradores, que não quis se identificar, disse que a discussão começou porque impediram os índios de frequentar a escola. Eles diziam que não era certo misturar índio com branco. O impasse foi resolvido depois que órgãos e entidades de proteção aos indígenas fizeram a intervenção.
Agora, as crianças e adolescentes podem ir à escola, mas são tratados de forma diferenciada. A cacique relata que as crianças ainda convivem com harmonia, mas os adolescentes são excluídos das atividades escolares e não possuem amigos fora da aldeia.
Quando há qualquer tipo de evento na vila da Jarudore é fácil observar a discriminação. Os jovens indígenas ficam em rodas afastadas e sempre andam em grupo para evitar as agressões. Ficar acompanhado é uma orientação da líder da aldeia.
História - Os índios foram retirados do local há 30 anos. Maria conta que representantes do governo pediram para os índios saírem. Eles argumentavam que haveria a desocupação e queriam evitar a violência. As famílias mudaram para outras aldeias à espera da solução que não chegou. Em 2002, um dos últimos índios remanescentes do local entrou na Justiça pedindo a reintegração de posse. "Esperamos que a Justiça atuasse. Como não tivemos resposta, resolvemos votar para nossa terra".
A cacique conta que foi formado um grupo de jovens na Reserva Indígena de Sangradouro, localizada em Primavera do Leste (231 km ao sul de Cuiabá). Os idosos foram deixados no local porque havia medo de um conflito. Para evitar brigas com a comunidade, eles instalaram-se no pé de um morro, onde estava desocupado.
Eles chegaram com 40 vacas, sendo que parte morreu devido a falta de pasto. Os índios procuraram alguém para arar a terra para formação de pasto. O profissional contratado foi no primeiro dia e no segundo desistiu do trabalho por causa das ameaças. Mesmo com dificuldade, os moradores da aldeia conseguiram fazer o serviço, mas o espaço é suficiente apenas para 20 vacas. Eles querem aumentar a criação, mas não têm terra suficiente, mesmo estando em uma Reserva Indígena.
A manutenção das despesas da aldeia é algo difícil. A índia Ana Célia afirma que a Fundação Nacional do Índio (Funai) não ajuda muito e os empregadores da cidade recusam-se a contratá-los. Das 20 pessoas que moram no local, Ana Célia e outro índio trabalham. Ela é agente de saúde contratada pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e o irmão dela atua no ramo de abastecimento de água. Cada um deles ganha 1 salário mínimo e o dinheiro é dividido entre todos.
Funai - O coordenador regional substituto da Funai, José Eduardo Costa, diz que o processo de desapropriação é complicado porque existem muitas famílias invasoras na área. Ele afirma que a conclusão pode até demorar, mas não há possibilidade dos índios perderem a causa. "É preciso sangue frio e coragem dos envolvidos para resistir até o fim do julgamento".
A reserva tem registro em cartório como sendo do governo Federal e, segundo a Constituição, não existe uso capitão em terras da União. Um estudo antropológico, realizado em 2002, mostrou que os indígenas foram obrigados a sair da reserva por 2 motivos: ameaças e falta de assistência dos órgãos competentes.
Além dos latifundiários, existem várias famílias nos vilarejos. Todas têm medo de sair sem nenhum apoio ou indenização. José Eduardo conta que será necessário um conjunto de ações para recolocação das famílias e também ressarcimento dos fazendeiros. O processo está na Justiça em fase de citação dos envolvidos para depoimentos.
Violência - José Eduardo assegura que o órgão dá suporte aos índios e a PF está sempre pronta para atender as ocorrências. Em alguns casos, os policias fazem rondas na cidade para inibir as ações criminosas.
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