O governo interino do Quirguistão determinou neste sábado que as forças de segurança do país podem atirar para matar para conter os confrontos étnicos que já mataram pelo menos 77 pessoas e feriram 1.024 nas regiões de Och e Jalalabad, no sul do país, segundo o Ministério da Saúde.

A presidente interina, Roza Otunbaieva, reconheceu que o governo perdeu o controle de Och, cidade de 250 mil habitantes, mesmo tendo mandado soldados, tanques e helicópteros para conter o tumulto. A violência se espalhou até a cidade de Jalalabad no final do sábado.
 

  Alexei Osokin/Reuters - 11.jun.10  
Homem passa por prédio em chamas em Osh, no sul do Quirguistão, atingido por conflitos étnicos
Homem passa por prédio em chamas em Osh, no sul do Quirguistão, atingido por conflitos étnicos



"A situação em Och saiu fora de controle", disse Otunbaieva. "Tentativas de estabelecer diálogo fracassaram, e lutas e confrontos continuam. Precisamos de forças externas para conter os confrontos."

O governo interino quirguiz pediu à Rússia o envio de tropas para ajudar a conter a violência, mas a oferta do Kremlin limitou-se a ajuda humanitária.

É o momento mais violento nesse país do centro da Ásia desde que o ex-presidente Kurmanbek Bakiev foi deposto em um levante violento em abril e deixou o país, sendo substituído por um governo interino.

O Quirguistão, nação ex-soviética com 5,3 milhões de habitantes, declarou estado de emergência em Och e vários distritos rurais nesta sexta-feira, depois que grupos étnicos rivais iniciaram conflitos com barras de ferro e bombas de gasolina.

A permissão de atirar para matar é válida nas regiões em que foi declarado estado de emergência, para defender civis e para defesa própria, e em caso de ataques em massa ou armados, segundo o decreto. O documento vale a partir de sua assinatura até o momento em que o estado de emergência for revogado.

Pedido negado

O Quirguistão solicitou ajuda à Rússia neste sábado para conter os conflitos, alegando ser incapaz de impedir que grupos armados incendeiem casas e o comércio pertencente aos uzbeques em algumas regiões de Och. As batalhas armadas aconteceram durante toda a noite.

"Precisamos da interferência de forças armadas externas para acalmar a situação", disse o líder do governo interino, Roza Otunbaieva. "Apelamos à Rússia por ajuda e eu já assinei uma carta para o presidente Dmitri Medvedev".

No entanto, Medvedev disse não ver condições para o envio de tropas para ajudar agora, uma vez que os confrontos são internos, mas ofereceu ajuda humanitária, segundo uma porta-voz do Kremlin.

"É um conflito interno e por ora a Rússia não vê condições para tomar parte na solução do conflito", disse Natalia Timakova, porta-voz do presidente russo, segundo a agência de notícias Interfax.

Ela acrescentou que Medvedev ordenou que o assunto seja discutido pelo bloco de segurança das ex-repúblicas soviéticas, conhecido como Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC).

Qualquer possível decisão sobre envio de tropas pacificadoras da OTSC será tomada dentro das regras da Organização das Nações Unidas, acrescentou ela.

EUA?

A Rússia tem cerca de 500 soldados em uma base no Quirguistão, a maioria da Força Aérea. Os EUA tem a base aérea de Manas na capital, Bishkek, um ponto crucial na luta contra o Taleban no Afeganistão.

O porta-voz do governo interino quirguiz, Farid Niazov, se recusou a dizer se o governo vai pedir ajuda militar aos EUA após a recusa russa. "A Rússia é nosso principal parceiro estratégico", disse.

Em Washington, o porta-voz do Pentágono, Bryan Whitman, disse não estar ciente de nenhum pedido de ajudo do Quirguistão.

Mortos

A onda de violência continuou neste sábado, levando milhares de uzbeques a terem de deixar suas casas incendiadas por manifestantes quirguizes. Eles foram para a fronteira com o Uzbequistão, onde um repórter da Associated Press disse ter visto corpos de crianças pisoteadas até a morte em meio à multidão em pânico. Multidões de mulheres e crianças tentavam usar escadas e tábuas para cruzar a valeta que marca a fronteira.

Um médico em um hospital em Och disse que o número de mortos pode aumentar muito porque muitos uzbeques estavam com medo de buscar ajuda médica.

"Todos os leitos nesse hospital estão cheios, mas 90% das pessoas sendo tratadas são quirguizes, porque os uzbeques estão com medo dos parentes das vítimas quirguizes, que estão extremamente agressivos", disse o médico.

Testemunhas disseram que muitos corpos estavam largados nas ruas de Och e outros estavam dentro de prédios queimados.

Confrontos

Grande parte da cidade de Och, segunda maior do país, estava em chamas neste sábado e o céu estava preto de fumaça. Grupos de homens quirguizes armados com revólveres e barras de metal marcharam em vizinhanças de minoria uzbeque e atearam fogos em casas, forçando milhares de uzbeques a fugir. Lojas foram saqueadas e a cidade começa a ficar sem comida.

No terceiro dia de confrontos, a violência chegou até outra grande cidade do sul do país: Jalalabad, onde manifestantes puseram fogo em uma universidade, sitiaram uma delegacia e tomaram um veículo blindado e outras armas de uma unidade militar.

"É uma verdadeira guerra", disse o líder político local Omurbek Suvanaliev. "Tudo está em chamas, e os corpos estão espalhados pelas ruas."

Um correspondente da Reuters informou que as batalhas seguiram durante toda a noite em um bairro do Uzbequistão. O fornecimento de gasolina foi interrompido em Osh e alguns bairros estão sem eletricidade.

Motivação política

A presidente interina alega que a violência foi causada por forças políticas que "buscam minar o plebiscito constitucional convocado para o próximo dia 27 de junho". Segundo ela, em Bishkek são distribuídos panfletos contra o governo provisório e com chamadas contra o plebiscito.

As novas autoridades realizam o plebiscito na tentativa de reduzir as funções do chefe de Estado e tornar o país uma república parlamentarista, e convocaram para 10 de outubro eleições legislativas, como tinha sido exigido pela comunidade internacional.

O governo provisório assumiu o controle do Quirguistão após violentos choques entre as forças de segurança e manifestantes opositores na capital, em 7 de abril, que levaram à derrocada e fuga do país do então presidente, Kurmanbek Bakiev, acusado de corrupção.

Maksat Zheinbekov, prefeito em exercício de Jalalabad, disse em entrevista por telefone que apoiadores do ex-presidente Bakiev na região começaram o conflito atacando tanto uzbeques quanto quirguizes.

Tensões

Tensões políticas entre o sul, predominantemente agrícola, e o norte do Quirguistão existem há um longo período, além de conflitos étnicos e rivalidades entre diferentes clãs.
 

  Arte/Folha Online  



Dos cerca de 5,3 milhões que vivem no Quirguistão, 69% são de etnia quirquiz, 14,5% são uzbeques e 8,4 são de etnia russa.

No entanto, no sul do país, os uzbeques representam 40% dos cerca de 1 milhão que vivem na área de Jalalabad e cerca de 50% na região de Osh.

O Quirguistão, que ganhou a independência após o colapso da ex-União Soviética, em 1991, enfrenta grave crise política desde a deposição de Bakiyev, em 7 de abril.

Em 19 de maio, duas pessoas morreram e 74 ficaram feridas em confrontos entre quirquizes e uzbeques na cidade de Jalalabad. No mesmo dia, Otunbayeva anunciou que governaria o país até junho de 2011, deixando de lado os planos para eleições presidenciais em outubro.