Candidato a vice-presidente na chapa da senadora Marina Silva (PV), o empresário Guilherme Leal assumiu um papel-chave na campanha dos verdes. Ele trabalha para reduzir as resistências a Marina no meio empresarial, está contribuindo com dinheiro para o partido e tem influência no desenho de sua plataforma eleitoral.

Um dos controladores da fabricante de cosméticos Natura e dono de uma fortuna estimada em US$ 2,1 bilhões pela revista Forbes, ele diz que já contribuiu com R$ 1 milhão em dinheiro para os verdes.

"Não comprei a vaga de candidato a vice-presidente", disse ontem em entrevista à Folha. "Eu me juntei a Marina porque tenho afinidade com seu projeto." A seguir, os principais trechos de sua entrevista.

Folha - Na quinta-feira, Marina e o sr. fizeram críticas duras aos acordos que o atual governo e seus antecessores negociaram com os partidos que os apoiam no Congresso. Como Marina governaria sem fazer acordos semelhantes?

Guilherme Leal - Não existe democracia sem partidos. A crítica que fazemos é à forma como essas alianças têm sido feitas e como elas influem na maneira de governar. Ao se lotear o governo entre partidos, abre-se mão de qualquer projeto de país e a execução das políticas públicas fica fragmentada.

O deputado Fernando Gabeira, candidato do PV a governador do Rio de Janeiro, é apoiado por uma coalizão que inclui o DEM e o PSDB. Não há nisso contradição com o discurso de Marina?

O PV tem qualidades e imperfeições como todo partido e está vivendo um processo de renovação. A liderança do Gabeira é muito forte no Rio e isso atraiu os outros partidos, que não tinham um candidato com a mesma força. Não vejo por que alguém deixará de apoiá-lo por causa disso.

Como Marina espera ampliar seu eleitorado numa campanha tão polarizada entre os dois candidatos que lideram a disputa até agora?

Na medida em que ela e suas propostas se tornarem mais conhecidas, a resposta dos eleitores será positiva.

As opiniões conservadoras que ela tem sobre temas polêmicos como o aborto e a união civil de homossexuais podem impedi-la de atingir um público mais amplo?

Não acredito. Ela respeita a diversidade, não esconde o que pensa e não tenta se travestir como se fosse outra coisa. Ela separa muito claramente o que são questões de consciência das questões de Estado. Essa transparência é rara por aí e pode ajudá-la a se conectar com os eleitores que ainda não a conhecem.

Como será sua participação na arrecadação de recursos para financiar a campanha?

Definimos um orçamento de R$ 90 milhões como teto e estamos confiantes na nossa capacidade de arrecadação. É óbvio que estou disposto a contribuir de maneira significativa. Mas tenho certeza de que serão muitos os financiadores da campanha. Todos são muito bem vindos, desde que o façam com transparência e oficialmente. O que não aceitaremos é caixa dois.

Com quanto o sr. já contribuiu até agora?

Fiz alguns aportes para o caixa do PV, que somaram R$ 1 milhão até agora. Meu limite é mais de natureza ética. Não comprei a vaga de candidato a vice-presidente. É um sacrifício estar na posição que estou. Era muito mais confortável estar na posição em que eu estava antes.

Como o sr. define seu papel?

Eu me juntei a Marina porque tenho afinidade com seu projeto. Meu papel é agregar a minha visão do país, fruto da minha experiência empresarial. Sou uma ponte com o empresariado mais moderno e isso também significa trazer mais recursos para a campanha. Mas não sou caixa. Quem quiser ver meu papel apenas como aquele que passa o pires que veja. Mas será uma visão muito simplista.

O sr. se preocupa com os riscos que a sua exposição na campanha pode criar para a imagem da Natura, ou sua empresa poderá ser beneficiada por essa exposição?

A Natura tem 40 anos de vida e resistirá a qualquer busca que for feita. Não vejo que vantagem poderia ter, porque a marca já é muito conhecida, e obviamente não foi com esse sentido que me lancei candidato. Os riscos a que ela ficará exposta sempre me preocuparam mais do que os benefícios que ela poderia colher.

Em seu discurso na convenção do PV, o sr. disse que o poder político precisa se sobrepor ao poder econômico. O que o sr. quis dizer?

As decisões de governo muitas vezes são influenciadas por grupos e interesses econômicos que historicamente se sobrepujaram ao interesse coletivo mais amplo. Nossa visão é que esse interesse coletivo mais amplo deve se sobrepor ao interesse de grupos setoriais e o bem comum deve ser negociado de forma transparente.

O apoio que o governo tem dado à formação de grandes grupos empresariais é um exemplo do que o incomoda?

A existência de grupos empresariais nacionais fortes é importante para o desenvolvimento do Brasil, sem a menor dúvida. Mas a maneira como esses grupos são apoiados por recursos públicos deve ser absolutamente transparente. A sociedade precisa ter clareza de como os recursos são alocados. A definição dessa estratégia e a escolha dos grupos a serem beneficiados não podem ser feitas a portas fechadas.

Onde o Brasil vai encontrar os recursos necessários para financiar os investimentos que precisa fazer para crescer num ritmo mais vigoroso sem alimentar a inflação nem criar outros desequilíbrios?

Não tem jeito. O setor público precisa administrar melhor seus gastos. Não há país que tenha sustentado altas taxas de investimento como as que desejamos sem uma maior eficiência no gasto do Estado. Não tem mágica a ser feita, mas há espaço para ganhos de eficiência nos gastos públicos, o que abriria espaço para mais investimentos.

Que mudanças seriam necessárias na política econômica para promover o modelo de desenvolvimento sustentável que Marina defende?

O sistema tributário é um exemplo. Todos concordam que ele precisa de uma ampla reforma, mas cada um tem a sua e por isso não se avança. Podemos pensar em mudanças pontuais que corrijam as principais distorções do sistema e ao mesmo tempo criem estímulos para reduzir o consumo de energia, emitir menos carbono e adotar processos produtivos mais eficientes na indústria.

Isso não tornaria ainda mais complicada a negociação de uma reforma tributária?

O que não é possível é deixar de falar disso. Não se pode falar em redução de impostos para automóveis sem considerar os problemas que um aumento na venda de automóveis pode criar. Esta é a visão que deveria permear todas as políticas do governo, os instrumentos de crédito, a maneira de pensar as cidades e a infraestrutura.