Jogo de habilidade ou azar? É a partir desta dicotomia existencial que vem a dúvida se o pôquer (não apenas o virtual, mas também o presencial) é crime ou não no Brasil.

Embora a legislação nacional sobre o tema não esteja muito às claras, existe uma franca defesa de que o pôquer é um jogo de habilidade.

O perito e ex-professor da Unicamp Ricardo Molina foi um dos que investigou o assunto, para concluir que o Texas Hold"em, modalidade de pôquer mais comum no meio on-line, é um jogo cujos resultados são derivados da habilidade no lugar da sorte (leia o laudo, na íntegra, aqui).
 
 

  Apu Gomes -27.ago.06/Folhapress  
Embora a legislação nacional sobre o tema não esteja muito às claras, existe defesa de que o pôquer é jogo de habilidade
Legislação nacional sobre o pôquer não é clara; defensores dizem que jogo é habilidade




A chancela sobre a habilidade nessa modalidade de pôquer também vem do Instituto de Criminalística da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que, em laudo assinado pelos peritos William do Amaral Junior e Karla Horti Freitas, coloca o jogo dentro dos termos da legalidade (veja o laudo aqui).

No Brasil, contudo, não há nenhuma lei que classifique o pôquer como atividade legal --tampouco enquanto crime.

A única legislação que abarca algo próximo ao tema é o Decreto-Lei 3.688, de 1941, a chamada Lei das Contravenções Penais, cujo artigo 50 institui os jogos de azar como crime no Brasil. A definição de jogos de azar é dada pela lei como "o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte".

"Aí que começa toda a discussão sobre o pôquer, on-line ou não. Porque tem um monte de gente que diz que é um jogo muito mais de habilidade do que de sorte", afirma o professor da Fundação Getúlio Vargas e advogado especialista em internet, Marcel Leonardi.

O fato de irem os mesmos jogadores para a final em torneios, segundo ele, ratifica a ideia de que a habilidade prevalece, em detrimento da sorte.

Mas os torneios de pôquer são permitidos no Brasil? "Então, eles são uma incógnita", diz Leonardi. "Se você, como minha cliente, me pedisse a recomendação sobre organizar e divulgar um torneio de pôquer, eu diria de jeito nenhum", alerta.

"Basicamente pela dor de cabeça que pode dar. Uma por essa incerteza jurídica, por essa indefinição clara se pôquer é habilidade ou não. Eu diria que pôquer é habilidade, mas essa incerteza jurídica, pelo artigo 50, deixa passível de punição tanto quem oferece o serviço --quem se organiza-- quanto quem participa disso. Claro que isso não abrange o aspecto recreativo [sem apostas em dinheiro]".

Torneios on-line, segundo ele, são legítimos a partir do momento em que participam jogadores reais, usando o computador como instrumento --e sob a premissa da habilidade.

"Mas uma coisa completamente diferente é quando você entra e joga contra o computador, contra algum tipo de inteligência artificial, porque quase sempre você vai cair em um sistema pré-programado para você perder. Se há um computador, há margem para abuso", analisa Leonardi.

ESTADOS UNIDOS

Se no Brasil a lei que vigora é da época em que não existia televisão, nos Estados Unidos o Unlawful Internet Gambling Enforcement Act, de 2006, define que empresas de cartão de crédito e bancos não aceitem pagamentos provenientes de jogos ilegais na internet.

A fissura da lei americana, entretanto, reside no fato de que vagamente se define o que é jogo ilegal. O Departamento de Justiça dos EUA afirma que "todos as formas de jogo na internet incluindo apostas, jogos de cassino e jogos de cartas são ilegais."

Os principais sites de pôquer --o Poker Stars e o Full Tilt-- são hospedados em Ilha de Man e Dublin, respectivamente, segundo a revista "Forbes".

Na metade do ano passado, procuradores federais de Nova York congelaram US$ 34 milhões relativos a pagamentos de, no mínimo, 14 mil usuários de ambos os sites. Tanto o Poker Stars quanto o Full Tilt reembolsaram os jogadores.

Desencadeado pelo Departamento de Justiça, outro processo envolvendo o pôquer on-line é contra o indiano Anurak Dikshit, que se declarou culpado por violar o Wire Act, devido a favorecimento ilícito nas operações no site PartyGaming. Dikshit concordou em pagar US$ 300 milhões, e as acusações poderão lhe render dois anos de prisão --a sentença sai em dezembro de 2010.