Em blogs, as pessoas costumam contar detalhes das suas vidas. Ou da sua morte. "Depois que tomei meu banho hoje, minha mãe me ajudou a me secar e me entregou meu robe: "Posso ficar com ele quando você se for?", ela perguntou."

"Bill e a enfermeira chegaram à conclusão de que eu precisava voltar ao hospital, então irei amanhã. Perguntei sem rodeios a Bill: "Quanto tempo você acha que eu tenho?" "Uns dois dias", ele respondeu seriamente."

Esses são trechos do último post da americana Michelle Mayer, em 9 de outubro de 2008. Ela morreu dois dias depois, de uma doença autoimune chamada escleroderma. Seu último ano de vida foi registrado no blog "Diário de Uma Mãe Morrendo".

Descrever, quase passo a passo, a chegada do fim é um jeito de se despedir de pessoas próximas e queridas, na visão da psico-oncologista Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia.

É também uma despedida pública. A blogosfera elimina os limites entre o público e o privado. A discussão é clássica para quem vive nesta era. E para quem morre?

"A pessoa está se expondo, mas considero que é mais saudável mostrar a doença que escondê-la. Compartilhar o sofrimento ajuda o paciente", analisa Holtz.

 

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Imagem do diário virtual da canadense Eva Markvoort (à esq., com as cartas dos seus seguidores ao fundo), que morreu após lutar contra fibrose cística
Imagem do bolg da canadense Eva Markvoort (à esq.), que morreu devido à fibrose cística



Conexão com a vida

Essa atividade toda de blogueiro, essa busca de comunicação com pessoas desconhecidas ajuda o doente a se sentir mais vivo, na opinião de Lucia Cerqueira Gomes, médica que trabalha na unidade de pacientes terminais do Instituto Nacional de Câncer, no Rio de Janeiro.

"Por que estou aqui? Tenho a esperança de achar alguém que saiba o que é subir escadas e não conseguir respirar. Alguém que esteja doente e cansado de estar doente e cansado."

Assim a canadense Eva Markvoort se justificou, ao inaugurar seu blog, "65 Rosas Vermelhas".

No post seguinte, após desabafar, com humor, sobre as crises de sua doença, a jovem em estado terminal acrescenta um p.s. que é uma súplica: "Alguém lê isso? Por favor, comente..."

Eva morreu aos 25 anos, com fibrose cística, doença que faz com que o muco se acumule no pulmão, impedindo a passagem do ar. O diário virtual dela chegou a 1 milhão de leitores e chamou a atenção de produtores de Vancouver (Canadá), que fizeram um documentário sobre sua vida.

O filme tem final feliz. Eva faz o transplante e volta a respirar normalmente. Mas a vida continua e a certeza da morte volta ao blog. Há rejeição ao novo pulmão. No início do ano, Eva postou a morte iminente: "Tenho novidades. É meio duro de ouvir, mas posso dizer isso com um sorriso. Minha vida está chegando ao fim."

"Uma jovem morrendo mobiliza muito, as pessoas buscam por compaixão", diz Maria Julia Kovács, coordenadora do laboratório de estudos sobre a morte, do Instituto de Psiquiatria da USP.

Eva postava vídeos de suas internações, entubações, crises. Aparecia sempre de unhas pintadas. Os cabelos aparecem pintados de vermelho até quase o fim.

Fantasias do mal

"Os autores desses blogs mostram que dá para levar a situação. Tiram um pouco o estigma da morte", crê a psicóloga Fernanda Rizzo di Lione, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Os diários ajudam a tornar a experiência da morte mais natural, concorda Kovács.

A psicóloga Clarice Pierre, autora de "A Arte de Viver e Morrer" (Atelier), acredita que os blogs da morte são uma forma de encarar a dor e transformá-la. Mas tem ressalvas aos vídeos.

"Imagens podem criar fantasias do mal, gerar terror nos despreparados. Agora, se faz bem ao doente [postar um vídeo], OK, ninguém é obrigado a olhar", revê.