Leia a íntegra da entrevista.
Folha - Algumas músicas do disco, como "Não Tenho Medo da Vida", não são exatamente juninas. Foram adaptadas para esse fim?
Gilberto Gil - Exatamente. Estava fazendo canções para o disco e pedi letras para amigos, como Arnaldo Antunes, Paulo Coelho, Dominguinhos. Mas elas não chegaram. Então passei a compor sozinho. Estava na Bahia e, na Quarta-Feira de Cinzas, fui visitar Rogério Duarte, que está com câncer. E me pediu para tocar "Não tenho Medo da Morte" [canção do álbum anterior de Gil, "Banda Larga", de 2008]. Ele ficou emocionado, a gente falando daquilo. Eu disse que a morte era complicada, mas a vida também é uma grande complicação. E me pediu que escrevesse uma canção-espelho, "Não Tenho Medo da Vida". Quando fui gravar a primeiro demo da música, pedi ao [músico] Jorginho Gomes que fizesse uma toada de baião. Embora o tema não seja junino, a música é nordestina. As coisas foram andando dessa maneira.
Esse disco remete a "As Canções de Eu Tu Eles", que você gravou em 2000, um estouro de vendas. A expectativa agora é parecida, de reconciliar Gilberto Gil com o popular, com os hits?
Não, não, não. Aquele estouro todo foi porque foi. Nunca tive faro para a questão de sucesso. Mas a observação faz sentido, porque essa reintrodução é feita a partir do meu mundo infantil, dos primeiros duendes, do meu "Alice no País das Maravilhas", do meu parque temático. Minha Disneylandia é o Luiz Gonzaga, o baião, a festa junina. Por isso pode ser entendido como reconciliação, uma retomada.
Você deixou o carnaval baiano, não toca mais o trio Expresso 2222. Esse disco é um sinal de que ele também pode ser retomado?
Não quero mais colocar trio na rua porque estou cansado, não tenho mais voz para isso. Posso, enventualmente, ir aqui e ali e cantar duas ou três músicas. Mas não aguento mais aquele drive. Se a Preta [Gil] ou qualquer outra pessoa quiser refazer o Expresso 2222, eu franquio a marca e ajudo a fazer.
E como avalia a evolução da carreira da Preta?
Ela é uma das grandes lideranças dessa nova forma de música, para novas formas de audiência, para novas demandas. É o pessoal que retrato na música "O Livre-Atirador e da Pegadora" [canção do disco novo]. Ela é daquele público, das novas dimensões performáticas onde comportamento é um elemento importantíssimo. Não é só música, são tribos com trajares próprios. Preta tem um talento enorme pra isso. Porque ela nunca foi --e essa é uma questão sobre a qual sempre convesamos_ nunca foi propriamente uma cantora. Ela é uma musa gay, é uma musa fat. Ela é a grande sensação das gorduchas no país inteiro. O grande público dela é formado por mulheres idosas. Umas senhoras da classe pobre e da classe média.
Você teve problemas vocais e, percebe-se no disco, foi em busca de modo de cantar que se adequasse à nova voz. Como foi o processo?
O problema começou por causa da fala. O uso falado da voz na época do ministério. Falar é mais exigente da voz, por incrível que pareça, do que cantar. Tive que moderar o uso da voz nas canções, cantar em tonalidades mais baixas. Eu cantava muito alto. Isso é muito comum nos artistas americanos, nos sertanejos e nos meninos do pagode. As canções ficaram mais confortáveis. Consigo fazer falsetes mais agudos e graves mais graves, mas isso é esporádico. Tive que mander exercícios diários de fonoterapia. Faço uma hora diária ao acordar todos os dias.
Como artista à parte dos esquemas das gravadoras, como vai ser negociada sua relação com as rádios?
Mesmo que quisesse pagar jabá, a gente não teria dinheiro para isso. [risos] A Flora, que toma conta de todo o trabalho, encontrou novas formas de relação com rádios do Rio, de São Paulo e de Salvador. Gravação de especiais, por exemplo. Não sou um artista iniciante, então há todo um valor na marca Gil que interessa às rádios, que agreva valor à programação. Um especial comigo não é a mesma coisa que um especial com um iniciante.
O ministro da Cultura Juca Ferreira, filiado ao PV, teve problemas com o partido quando declarou apoio à Dilma. O que pensou disso?
Eu acho isso bobagem. Achei bonito o gesto do Juca pedindo licença. É como eu pedindo licença ao Lula para apoiar Marina. A educação e os bons modos na política requerem coisas assim. Para isso você preciasa ter modos civilizados. Juca é ministro do Lula, está ali próximo. Entende o que é a necessidade ou o interesse de um apoio ao Lula nessas eleições. Além do mais, tem desavenças com muitas das áreas do PV. Eu mesmo manifestei certo desgosto com o modo com que o PV de São Paulo agia, sempre muitos hostis a mim como ministro. Tem áreas do PV que não são flor que se cheire.
Uma frase de Caetano que ecoou durante seu ministério foi que você era "o Lula do Lula".
O que eu entendi da frase era a que Lula era um cara popular, um político que tinha desenvolvido toda sua carreira sob esse aspecto de grande presença junto ao público brasileiro, e que estava chegando à presidência. Tenho a impressao de que Caetano dizia que Lula estava pescando alguém assim como ele, com essas características populares, para a Cultura. Fora essa interpretação, a frase de Caetano continua sendo um enigma para mim.
E qual é o papel da Dilma. Ela é o quê do Lula?
A Dilma é uma discípula do Lula, uma aluna. Ela não é um Lula.
Você chegou a elogiar a Dilma, dizendo que era uma "mulher macho"...
Isso foi na época em que ela foi para a Casa Civil. Ela teve naquele caso uma performance muito firme, direta, macho, para lidar com o mundo político, com os homens do congresso, os prefeitos. A coisa de ser a antessala, a interlocução.
Quem seriam prováveis ministros da Cultura em vitórias de Dilma ou de Marina?
Sei lá. Essa coisa de ministro é muito a oportunidade, a pessoa que esteja disposta. Não é uma questão propriamente de perfil. Tem muita gente capaz. Tem gente de fora do meio. Gente que esteja fazendo primeira viagem também pode render bons ministros, dependendo das áreas. A expectativa generalizada de que a pessoa seja do meio cultural é interessante, mas a gente teve Celso Furtado, que era um homem de economia, e estruturou o ministério. Cultura é uma economia imporante no mundo. Já é nos EUA um PIB maior do que a indústria bélica e automobilística. É produto, como uma laranja. Uma laranja já não é mais apenas uma laranja, semeada e nascida de um solo. É resultado de trabalho de laboratório. É um produto que é um pouco a semente natural no solo e uma gama enorme de conhecimentos de ciência. É um hardware --a planta-- e uma série de softwares --a ciência dá a melhora daquela furto. Cultura também é assim.
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