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Segunda - 31 de Maio de 2010 às 07:27
Por: Silvana Ribas

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Delegada enfatiza que poder público precisa restabelecer dignidade destas crianças
Delegada enfatiza que poder público precisa restabelecer dignidade destas crianças

A explosão de denúncias envolvendo abusos sexuais contra crianças e adolescentes em Várzea Grande, no mês de maio, mostra que a população vem rompendo a lei do silêncio e denunciando os casos. Foram 5 prisões de pedófilos em 13 dias e já são 23 inquéritos em 5 meses. Por outro lado, expõe a fragilidade das instituições que não oferecem o atendimento às vítimas com o apoio psicossocial que tanto necessitam para superar traumas e sequelas da violência sofrida.

Um exemplo da gravidade do problema é o da menina F., que foi abusada pelo padrasto quando tinha 1 ano e 11 meses e ficou 2 meses em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) depois de sofrer uma infecção generalizada e necrose (apodrecimento) de parte dos órgãos genitais. F. completou 3 anos no dia 14 de maio e apesar da comoção que o caso gerou na época, ela ainda continua "peregrinando" por uma cirurgia para retirada de uma bolsa de colostomia (para desempenhar a função intestinal) que ainda usa.

A menina frágil fala muito pouco, sequela da violência sofrida, quando o padrasto ainda queimou as nádegas dela com uma panela quente para disfarçar os ferimentos provocados pelo estupro.

Segundo a avó da criança, Eva Benedita da Cruz Oliveira, 44, há alguns meses a família deixou de receber visitas de assistentes sociais. As doações de fraldas e alimentos sumiram e na sexta-feira (28) a família não conseguiu uma carona para ir da comunidade de Souza Lima, zona rural do município, até o Hospital Universitário Júlio Müller, na Capital, para tentar mais uma vez marcar a cirurgia da menina.

Rotina de violência - A delegada Juliana Chiquito Palhares, da Delegacia de Defesa da Mulher, da Criança e do Idoso de Várzea Grande, é uma das responsáveis pelos inquéritos policiais que buscam a prisão dos abusadores. Na rotina de depoimentos constata o sofrimento das pequenas vítimas, que em muitos casos mostram uma mistura de repulsa e amor. Acontecem quando o autor do crime é uma pessoa do seio da família, muitas vezes o próprio pai.

A delegada cita o caso de uma menina de 7 anos que relatou os abusos praticados pelo próprio pai. A criança disse que no primeiro aniversário após a morte da mãe o pai lhe deu um bolo de presente, onde escreveu "Você é a coisa mais importante da minha vida". Na conversa com a assistente social, depois de relatados os abusos, a menina perguntou: "Tia, se ele disse que eu era a coisa mais importante da vida dele, porque ele fez isso comigo?".

Em outros relatos, a menina contava que em uma noite, logo depois do pai estuprá-la novamente, ela acordou assustada e foi ao banheiro, quando percebeu algo errado. Em seguida, sentiu medo e se deitou debaixo da cama. Ela dizia que havia baratas andando sobre ela. Segundo a delegada, talvez não houvessem baratas, mas o inconsciente da criança fazia com que ela se sentisse suja pelo abuso sofrido.

Esta vítima, por exemplo, hoje recebe acompanhamento psicológico, já que a tia que assumiu sua guarda, após a prisão do pai, tem condições de pagar pelo tratamento.

Mas a delegada lembra que isto é uma exceção. Quase que a totalidade das crianças abusadas se depara com a dissolução dos lares quando os crimes vem à tona. É o caso de duas irmãs de 5 e 7 anos, que eram abusadas pelo padrasto. A mãe, que sabia do fato e não denunciou o caso, perdeu a guarda das crianças, enquanto o companheiro está preso. As meninas estão em uma instituição. Em depoimento, a menina de 7 anos disse que não queria nunca mais voltar para aquela casa, se referindo ao imóvel com 2 peças em que era submetida aos abusos pelo padrasto.

"A Polícia atua na investigação, buscando afastar a vítima do pedófilo e fazer o inquérito para que o responsável seja punido. Mas o poder público precisa restabelecer a dignidade destas crianças", diz a delegada.

O promotor Marcelo Malvezzi, que atua na Promotoria Especializada da Infância e Juventude do município, admite que o atendimento na rede não é o ideal, mas vem avançando aos poucos. Diz que o Ministério Público cobra investimentos do poder público, em face da grande demanda de atendimentos que ocorre hoje, graças às denúncias de abusos e violência que vem sendo feitas. Lembra que há 6 anos a situação era muito mais crítica. Segundo ele, o município tem muitas deficiências em relação ao atendimento social, mas que tem tentado dialogar com os administradores para ampliar os atendimentos.

Creas - A demanda em relação as vítimas vem crescendo, assegura a coordenadora do Centro de Referência Especializada em Assistência Social (Creas), Eva Nelson de Freitas. Hoje são 3 psicólogas e 3 assistentes sociais que em 2009 fizeram 244 atendimentos de vítimas de abusos e violência. Encaminhamentos para atendimento de saúde foram 1.154. Mas dentro da estrutura que dispõe, são priorizados os atendimentos emergenciais e em seguida é feito um acompanhamento. Admite que em decorrência do grande volume, muitas vezes isto não é possível.

Quanto ao caso de F., admite que a equipe do Conselho Tutelar do Centro, que deveria atuar no caso, confirmou que deixou de fazer o trabalho mais presente nos últimos meses. "Mas na segunda-feira (hoje) já determinei que uma equipe procure a família para continuar acompanhando o caso e dando assistência".

Hoje o Creas dispõe de uma estrutura de atendimento emergencial, para abrigar as vítimas em um prazo máximo de 24 horas. Quando não é possível a reintegração à família, são encaminhadas para uma das 4 casas lares de entidades filantrópicas, com as quais o município tem parcerias. Ao todo são 10 vagas em cada uma, que estão ocupadas. Quanto aos atendimentos psicológicos a longo prazo, são possíveis na rede pública, por agendamento, ou através de parcerias com universidades.

Conselho - Hoje o Conselho tutelar do Cristo Rei é um dos mais atuantes e atendeu 17 denúncias envolvendo violência sexual somente este mês. Segundo a coordenadora Dulcelina Firmino Lima, a unidade recebe as denúncias e tenta confirmar cada uma delas. Em seguida, através de um relatório, faz o encaminhamento ao órgão competente. "Nós temos uma vantagem pela proximidade com o Centro de Reabilitação, onde 3 psicólogas acabam nos auxiliando muitas vezes. Mas é um trabalho voluntário e que não faz parte da rede de proteção".

Dulcelina diz que o empenho é grande e cita o caso da família onde o pai abusava das 3 filhas e que agora os conselheiros tentam, junto à prefeitura, obter as passagens para enviar a família para o interior de São Paulo, onde será recebida por parentes, já que não tem como sobreviver em Mato Grosso após a prisão do abusador.

Para a psicóloga Mônica Fernandes, cada caso de abuso é único e precisa ter um tratamento diferenciado. Segundo ela, tudo depende das condições em que ocorreram e por quanto tempo se estendeu esta violência. A falta de um acompanhamento psicológico desta criança vitimizada vai trazer consequências graves para toda vida adulta e vai refletir na relação com os familiares, principalmente os filhos.

Serviço: Denúncias de abusos e violências: Núcleo de agentes da Infância e Juventude (3688-8477); Delegacia de Defesa da Mulher (3685-1236); Conselho Tutelar Centro (3688-3087); Conselho Tutelar Cristo Rei (3688-3608); Creas (0800647-0018/ 3688-3084).

Quem quiser fazer doações para a família de F. pode falar com Eva, pelo fone 9231-1152 ou na avenida principal do bairro Souza Lima, na primeira propriedade de quem vem pelo Distrito do Bonsucesso.





Fonte: A Gazeta

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