Cruzamos a região conhecida como Terras Morro Alto, próximo a Dois Córregos, no interior de São Paulo. Fomos conhecer uma plantação de laranja, uma plantação especial, toda orgânica e sem agrotóxicos. Mas essa não é uma laranja qualquer: é a laranja da terra.
José Carlos é quem dá as ordens por no local. Ele conhece bem a fruta. E está explicado por que essa laranja, em alguns lugares do país, é conhecida como laranja azeda ou laranja amarga. O que mais se aproveita dessa fruta é a casca, que é muito usada para fazer doce, mas a casca é muito mais rica do que se imagina.
Ela é rica em óleo essencial, cada vez mais usado para dar sabor e cor a vários produtos. Em uma fábrica, o óleo essencial extraído da casca da laranja da terra vai para a indústria de bebidas, principalmente licores, de aromas, de cosméticos e de produtos farmacêuticos.
“São 200 kg de fruta para 1 kg de óleo. É muita laranja para se extrair uma pequena quantidade de óleo, porque o óleo só está na casca”, explica o gerente administrativo Marcelo César Burim. “O óleo essencial está contido na casca da laranja em microbolhas. Para ter acesso a ele, basta você pressioná-la. Esse líquido é o óleo”.
Não muito longe dali, pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (Unesp) de Botucatu também colhem a laranja da terra, mas o destino da fruta é o laboratório. Desde 2003, eles se dedicam a estudar as propriedades da casca e estão perto de desenvolver um remédio para tratar úlcera e gastrite.
O que motivou os pesquisadores a estudar as propriedades da casca da laranja da terra foi o uso popular. Muita gente faz chá com essa casca para tratar problemas no estômago. Só que a formula desenvolvida no laboratório é bem diferente da receita caseira. Os cientistas descobriram qual é o segredo contido na casca da laranja da terra.
A receita dos cientistas é fazer uma mistura da casca da fruta com água destilada e colocar em um equipamento para ferver. O vapor, depois de condensado, vira um líquido bem clarinho: o mais puro óleo essencial.
“O chá caseiro é composto por várias substâncias. O que a gente fez no laboratório foi isolar uma classe dessas substâncias para testar o efeito biológico dela, e essa substância é o óleo essencial, que é composto basicamente de monoterpenos”, explica o biomédico Thiago de Mello Moraes.
E são os monoterpenos os responsáveis pelo sucesso da pesquisa até agora. Nos testes feitos em animais, o óleo essencial provou ter efeito cicatrizante e protetor da mucosa gástrica.
Três grupos de ratinhos com úlcera foram observados durante 14 dias. O primeiro grupo não recebeu nenhum tratamento. O segundo foi tratado com os remédios convencionais. E o terceiro com o óleo essencial da casca da laranja da terra.
“Nós observamos que o óleo essencial foi muito mais efetivo que os medicamentos comerciais, com um efeito cicatrizante 60% melhor do que o medicamento comercial que tem um efeito cicatrizante de 40%”, aponta Clélia Akiko Hiruma Lima, coordenadora do Projeto Óleos Essenciais.
E os pesquisadores foram ainda mais longe. Decidiram testar o óleo em ratinhos idosos para saber como o medicamento extraído da laranja poderá agir em seres humanos com mais idade. Os idosos - por tomarem muitos remédios que atacam o estômago - acabam sofrendo mais de problemas gástricos.
“Nós tivemos uma diminuição da úlcera em 75%, na comparação com os animais sem nenhum medicamento Quer dizer, a úlcera diminui, a cicatrização foi muito melhor do que nós tínhamos obtido em animais jovens, e isso é muito promissor”, ressalta a bióloga Lúcia Machado da Rocha.
Os cientistas já descobriram que o óleo, além de ser mais eficiente no tratamento da lesão, também melhora o tecido que reveste o estômago.
“Os medicamentos convencionais são geralmente medicamentos antiácidos, antisecretórios, que combatem a secreção ácida gástrica. O óleo não. Ele age diferente, ele fortalece o fator protetor da mucosa. Então, ele fortalece toda a estrutura, a barreira mucosa, e impede que esse ácido atue sobre esse tecido”, afirma Célia.
É por isso que o óleo essencial da casca da laranja da terra parece tão promissor.
“Se você tem úlcera uma vez, você tem 80% de chance de ter úlcera outra vez. Com o óleo essencial, a gente observou que houve uma melhora na qualidade dessa cicatrização. E isso com certeza vai diminuir a taxa de recidiva de úlcera na população”, aponta o biomédico Thiago de Mello Moraes.
No laboratório, agora estão sendo feitos testes para saber se a fórmula é segura, se não é tóxica. A próxima etapa é experimentar o novo remédio em seres humanos. Uma surpresa até para o gerente administrativo Marcelo César Burim, que há mais de 20 anos trabalha com óleos essenciais. Na verdade, é uma esperança. “Fiquei feliz com essa notícia, porque eu serei com certeza um usuário, com certeza. Eu sofro de úlcera gástrica e ainda não encontrei uma cura”, revela.
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