Relatório da corporação entregue à Justiça revela que socos, "caldos" e spray de pimenta foram "usados" contra militar
PM morto em treinamento sofreu tortura, diz jornal
O relatório preliminar da Polícia Militar entregue na 11ª Vara da Justiça Militar, sobre o qual a Folha do Estado teve acesso, revela a perseguição dos instrutores do Batalhão de Operações Especiais (Bope) contra o soldado da Força Nacional, Abinoão Soares de Oliveira, de 34 anos.
Jatos de spray de pimenta nos olhos, socos na barriga, "caldos" contínuos e o uso de uma boia que dificultava sua visão (outros dois alunos de outros estados também foram obrigados a utilizar o equipamento) e facilitava sua identificação, foram algumas das táticas adotadas pelos "instrutores" na tentativa que ele desistisse do 4º Curso de Tripulante Operacional Multimissão (TOM-M).
"Eu falei que você não ia formar", disse o tenente Carlos Evane Augusto, da Polícia Militar e membro do Bope, antes do último "caldo" que gerou o afogamento de Abinoão. Dias antes do treinamento de flutuação e travessia de rio (24 de abril) que ocasionou a morte do soldado da Força Nacional de Segurança e levou outros três para o Pronto-Socorro de Cuiabá, o instrutor do Bope chegou a ameaçar a jogar spray de pimenta nos olhos da vítima.
Segundo depoimentos colhidos no inquérito militar, na ocasião Evane ainda teria dito que iria "recomendá-lo aos caveiras". Um dos alunos, relatou que escutou quando foram recebidos pelos caveiras do Bope os gritos: "14, cadê você?", sendo que 14 era o número pelo qual Abinoão era chamado. Um cabo da PM do Tocantins relatou que não havia qualquer técnica durante o treinamento, e que os instrutores teriam agido com "crueldade e requinte de tortura".
O aluno, que foi um dos obrigados a utilizar uma boia, narrou que, devido ao equipamento, tinha pouca visão e aos poucos foi perdendo os sentidos, perdendo a lucidez. Ao perceber seu estado, um monitor do Centro Integrado de Operações Aéreas (Ciopaer) o socorreu.
Os três alunos de outros estados, denominados estrangeiros, tiveram um treinamento mais intenso do que os demais alunos, expõe depoimentos. Exemplo disso, foi um aluno que era caveira (membro do Bope) praticamente não recebendo "caldos". O último afogamento em Abinoão ocorreu
quando o treinamento havia acabado.
"Olha aí o guerreiro maceteando, tá [sic] fingindo que apagou", disse Evane ao dar um dos "caldos" auxiliado por outros dois.
Família acompanha o caso
Exatamente um mês após a morte de Abinoão Soares de Oliveira, de 34 anos, a família da vítima chegou em Cuiabá em busca de justiça - direto da missa celebrada no início da noite de ontem (em Brasília) em memória ao soldado.
Em entrevista exclusiva à Folha do Estado, Shirley Tibúrcio (esposa) e Sandra Márcia Albuquerque Rocha (tia e policial militar em Alagoas) revelam sua indignação em relação à crueldade praticada contra o soldado da Força Nacional.
"Ele não era um soldado comum, ele era o melhor. Ele foi covardemente perseguido. Ele sempre se destacou, sempre foi o melhor. Era uma estrela que brilhava", comenta a viúva. Sandra conta que a família fez questão de vira Cuiabá para acompanhar as investigações.
"Soubemos que durante três dias ‘ficaram em cima dele", ele treinou na lama. Levou murro no estômago, jogaram spray de pimenta no olho dele e, no dia da morte, ele estava saindo da água quando o puxaram de volta, prendendo a cabeça dele entre as pernas", relatou desconsolada
a tia.
O último contato com a família ocorreu no dia 21 de abril. Abinoão teria ligado para saber como estavam os filhos e a esposa, e teria comentado que o "curso estava pegando". Preocupado por não saber quando poderia entrar em contato com a esposa novamente, o soldado pediu à tia que fosse para sua casa tomar conta da família até a sua volta.
Shirley afirma que todas as informações que teve até o momento sobre a morte do marido convergem em uma única certeza: "Ele era o mais preparado, não era qualquer um: era "o melhor". E foi perseguido", comenta.
Ainda abalada com a perda, a viúva comenta que irá até as últimas forças na busca por justiça. "Meus filhos foram arrancados bruscamente da escola. Eles tinham um pai quando entraram na escola e quando saíram estavam sem pai", relembra.
A esposa, assim como o restante da família, não consegue assimilar o que aconteceu. Devido à morte de Abinoão, a esposa e os dois filhos têm contado com a solidariedade dos amigos. Os companheiros de farda de Abinoão se reuniram para arrecadar dinheiro para auxiliar nas despesas da casa. Até o momento a Força Nacional ainda não os auxiliou financeiramente.
Comentários