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Segunda - 17 de Maio de 2010 às 08:43
Por: Silvana Ribas

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Há 30 anos, Milton Gomes percorre estradas do país inteiro e nunca fez um curso específico para atuar
Há 30 anos, Milton Gomes percorre estradas do país inteiro e nunca fez um curso específico para atuar

Carga horária exaustiva, rodovias em situação precária, saúde debilitada somada à imprudência tornam os motoristas de cargas, os "carreteiros", foco principal da violência e mortes nas rodovias de Mato Grosso. Das 74 vítimas fatais de acidentes ocorridos em rodovias federais entre 1º de janeiro e 10 de maio, 48 delas são de acidentes envolvendo veículos de cargas, representando 64% do total. Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram 805 acidentes com veículos de carga no período, de um total de 1.362 registrados.

O grande número de vítimas e acidentes envolvendo este tipo de transporte é resultado de uma peculiaridade que só Mato Grosso apresenta, onde 70% da frota, estimada em 5 mil veículos, que circula diariamente pelas 5 rodovias que cortam o Estado são de carga, principalmente carretas e caminhões graneleiros.

Um levantamento da PRF, por amostragem, levanta o perfil deste profissional que está exposto e expõem outros aos riscos. De 308 motoristas entrevistados este ano nas 2 edições do projeto Rota Cidadã, 208 (67,53%) estão acima do peso. Outros 144 fazem uso de álcool com frequência (46,75%), 142 trabalham além da carga horária recomendável (46,10%) e 116 sofrem de hipertensão (55,76%). Foram 218 entrevistados (70,78%) que apresentaram gordura corporal elevada.

Nem sempre os "carreteiros" são os vilões nos acidentes, mas acabam envolvidos, justamente por serem maioria, admite o chefe do núcleo de registro de acidentes e medicina rodoviária da PRF, Alessandro Barbosa Dorilêo.

Problemas - É justamente a excessiva carga horária de trabalho que acarreta, ao longo do tempo, os problemas de saúde crônicos que acabam fragilizando o profissional. "Apesar de poucos admitir (13,65%), muitos usam medicamentos impróprios ou já usaram".

Segundo Alessandro, o uso do álcool, os psicotrópicos conhecidos como "rebites" e até a cocaína, assim como inibidores do sono, é uma prática bastante comum entre estes profissionais.

No caso do motorista autônomo, que depende exclusivamente do volume transportado, aliado a uma falta de fiscalização patronal, os abusos são maiores. Mas a falta de rodovias compatíveis com o fluxo e volume de cargas transportadas é outro fator que contribui para o grande número de acidentes.

Há 30 anos o motorista Milton Gomes, 50, percorre estradas do país inteiro. Mora em Maringá (PR) e, agora, atua com frequência no transporte de soja entre Tangará da Serra (MT) e Cambé (PR). São pelo menos 2 viagens de ida e volta por semana, com um rendimento bruto de R$ 600 por viagem. Milton mesmo prepara sua comida nas paradas, usando a "cozinha" acoplada ao caminhão. Gasta, em média, R$ 30 por dia com alimentação. Como trabalha para uma empresa, tem direitos trabalhistas, que os autônomos não têm. Nunca fez um curso específico para atuar. Começou muito jovem e sustenta a família com o trabalho. Segundo ele, os exames periódicos de saúde da empresa apontam para uma boa saúde, apesar de admitir ser o trabalho bastante desgastante.

Com 8 anos na rodovia, o carreteiro Júlio Cezar de Souza, 29, admite que atua como caminhoneiro porque não estudou. Com isso, as possibilidades de trabalho são reduzidas. Quando tinha 2 anos de profissão participou de um curso do Sest/Senat, destinado ao transporte de cargas perigosas. Admite que apreendeu muitas coisas no curso, a maioria voltada para dar mais segurança para sua vida e de quem transita pelas rodovias. Mora em Rondonópolis e também transporta soja em grãos para uma empresa da região. A rota se restringe a região Norte e na divisa com Goiás. Gosta do trabalho mas garante que se tivesse a possibilidade de voltar a estudar e obter um outro trabalho que o tirasse das rodovias, com certeza optaria por ele.

Quanto à segurança, o veículo que opera é munido de rastreador, o que significa que não roda a partir das 23h. Estudou até a 8ª série e diz com certeza que se o filho de 3 meses um dia se "atrever" a querer seguir a carreira, não vai ser apoiado. Na média anual, disse que recebe por mês cerca de R$ 1,8 mil.

Perfil - O motorista Alexandre Antunes, 38, diz que já dirigia caminhões antes mesmo de ser habilitado. Com 24 anos de profissão, diz estar com a saúde debilitada pelo trabalho exaustivo. Sofre com problemas na coluna e uma hérnia de hiato. Às vezes, tem que estacionar o veículo para sair e faze um alongamento, tamanha dor que sente. Lamenta a falta de apoio que o profissional tem hoje, já que as linhas de créditos voltadas para a aquisição de um caminhão novo, com valor entre R$ 400 mil e R$ 500 mil, são inacessíveis aos profissionais. "Não conseguimos comprar o nosso caminhão e arcar com as despesas. Além disso, a aposentadoria aos 35 anos é um absurdo para quem trabalha ao longo dos anos na estrada".

Cita que além das péssimas condições nas rodovias, os motoristas estão sujeitos a humilhações, inclusive nos postos de fiscalização. "Somos humilhados e agredidos e vivemos sendo extorquidos, principalmente pela Polícia. Na fila para carregar o caminhão tem que pagar a caixinha, senão você perde ainda mais tempo".

Mesmo não tendo avançado nos estudos, que foram até a 6ª série, Alexandre é adepto da tecnologia e não dispensa o notebook. Usa no trabalho e lazer, sobre o volante, nas muitas paradas que enfrenta no dia-a-dia.

Qualificação - A região Sul de Mato Grosso reúne o maior número de empresas de transporte de cargas. Por isso, o Serviço Social do Transporte e o Serviço Nacional de Aprendizagem no Transporte (Sest/Senat) de Rondonópolis (212 km ao sul de Cuiabá) vem aprimorando os cursos voltados aos trabalhadores do setor. Segundo Gildásio Alves Lima, diretor da unidade, são oferecidos cursos mensais com turmas de 100 alunos. Segundo ele, as empresas da região só contratam trabalhadores que passam pelos cursos "legais", exigidos pela legislação. A carga horária de 125 horas será aumentada para 160 horas, com ampliação do currículo para atender as necessidades do mercado. Vão desde as novas tecnologias presentes nos veículos até aspectos das relações comerciais que exigem uma postura do motorista que vai representar a empresa ao entregar a carga.

"O sucesso que temos em relação à adesão aos nossos cursos veio depois que conseguimos colocar 100% do PIB de Rondonópolis, isto é, os empresários do setor na sala de aula. Ali mostramos a importância que tem a qualificação do profissional no resultado final da empresa".

Mas Gildásio admite que os profissionais contratados são uma pequena parcela do mercado. A estimativa é que 70% dos motoristas que atuam no mercado sejam autônomos, parcela que raramente busca capacitação ou aperfeiçoamento.

A falta de qualificação dos profissionais preocupa as empresas que investem em algo que seria responsabilidade do Estado, lembra Miguel Antônio Mendes, diretor executivo da Associação dos Transportadores de Cargas de Mato Grosso (ATC). Segundo ele, hoje a apresentação da Carteira de Habilitação (CNH) por parte do profissional não é sinônimo de garantia de que esteja preparado para conduzir um veículo de carga. Por isso, as empresas investem e o diretor acredita que o número de mortes e acidentes nas rodovias só não é maior graças a esta preocupação.





Fonte: A Gazeta

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