Pegue um cronômetro e marque um minuto. Agora liste todos os usos criativos de um tijolo que você consiga imaginar. Já.
A pergunta faz parte de um teste clássico de criatividade, um atributo que cientistas estão tentando rastrear no cérebro pela primeira vez. Eles esperam determinar precisamente quais componentes bioquímicos, impulsos elétricos e regiões foram usados quando, por exemplo, Picasso pintou Guernica ou Louise Nevelson elaborou suas esculturas de madeira.
Usando ressonâncias magnéticas, pesquisadores estão monitorando o que acontece no cérebro de uma pessoa quando ela se dedica a uma tarefa criativa. Porém, as imagens dos sinais pulsando nos lobos frontais levaram os cientistas a repensar a maneira como se mede a criatividade em laboratório.
"Criatividade é um pouco como a pornografia - a gente reconhece quando vê", disse Rex Jung, um pesquisador da Rede de Pesquisas da Mente, de Albuquerque, no Novo México, Estados Unidos. Jung, professor assistente de pesquisa do departamento de neurocirurgia da Universidade do Novo México, disse que sua equipe estava fazendo a primeira pesquisa sistemática sobre a neurologia do processo criativo, inclusive sua relação com a personalidade e a inteligência.
Como muitos pesquisadores nos últimos 30 anos, Jung se baseou numa definição comum de criatividade: a habilidade de combinar inovação e utilidade num contexto social específico. À medida que o estudo da criatividade se expandiu e incluiu a neurologia cerebral, contudo, alguns cientistas questionam se essa definição padrão e os testes para aferi-la ainda fazem sentido. John Kounios, psicólogo da Universidade Drexel, defende que a definição "já não tem mais utilidade".
"Criatividade é um conceito complexo; não é uma coisa única", disse ele, acrescentando que os pesquisadores precisam decompô-la em partes. Kounios, que estuda a base neural da inspiração, define a criatividade como a habilidade de reestruturar o entendimento de uma situação de uma maneira não-óbvia.
Todos concordam que não existe uma única medida para criatividade. Enquanto os testes de QI, embora controversos, ainda são considerados confiáveis para ao menos certo tipo de inteligência, não há equivalente para a criatividade - nenhum quociente de criatividade, ou QC.
O laboratório de Jung usa uma combinação de medições para representar a criatividade. Uma delas é o Questionário de Realizações Criativas, que pede às pessoas que informem suas aptidões em 10 campos, incluindo artes visuais, música, escrita criativa, arquitetura, humor e descoberta científica.
Há ainda o teste de "pensamento divergente", uma medição clássica desenvolvida pelo psicólogo pioneiro J. P. Guilford. Nele, pede-se que a pessoa proponha funções "novas e úteis" para um objeto conhecido, como um tijolo, um lápis ou uma folha de papel.
A equipe de Jung também apresenta situações estranhas às pessoas. Imagine que fosse possível mudar instantaneamente de sexo, ou que as nuvens tivessem amarras; quais seriam as implicações?
Em outra avaliação, pede-se que a pessoa desenhe o gosto do chocolate ou escreva uma legenda para um quadrinho de humor, como se faz semanalmente no concurso da revista The New Yorker. "Humor é uma parte importante da criatividade", disse Jung.
As respostas são usadas para gerar o que Jung chama de Índice Composto de Criatividade. Os testes de Jung se baseiam em outros criados por Robert J. Sternberg, um dos mais importantes pesquisadores da inteligência do país, responsável em parte pela definição padrão. Sternberg usa tipos semelhantes de testes na Universidade Tufts, onde ele pesquisa como as pessoas desenvolvem e dominam habilidades. Segundo ele, sua equipe pergunta aos participantes da pesquisa o que teria acontecido se, por exemplo, Rosa Parks tivesse cedido seu lugar para uma mulher branca quando o motorista daquele ônibus de Birmingham disse a ela para ir para os lugares do fundo, ou se Hitler tivesse ganhado a Segunda Guerra Mundial. Os pesquisadores também apresentam manchetes fantasiosas, como "O Fim da MTV",
Quanto a Jung, sua pesquisa levou a resultados surpreendentes. Um estudo com 65 pessoas sugere que a criatividade prefere caminhos mais longos e sinuosos, ao contrário da inteligência.
"O cérebro parece ser uma rodovia eficiente que nos leva do Ponto A ao Ponto B" quando se trata da inteligência, explicou Jung. "Mas nas regiões do cérebro relacionadas à criatividade, parece haver várias rotas alternativas com desvios interessantes e retornos".
Apesar de inteligência e habilidades estarem associadas, em geral, ao disparo rápido e eficiente de neurônios, as pessoas com resultados altos nos testes de criatividade tinham substância branca estreita e axônios finos, que têm o efeito de reduzir o fluxo de informações no cérebro. Essa redução de ritmo no córtex frontal esquerdo, uma região em que estão integradas habilidades emocionais e cognitivas, sugeriu Jung, "pode permitir a conexão de ideias díspares, mais novidade e criatividade".
Kounios considera o trabalho de Jung original e interessante, mas sustenta que tentar encontrar uma correlação entre criatividade e uma única área do cérebro é uma "abordagem ultrapassada".
"Criatividade é uma coleção de diferentes processos que atuam em diferentes áreas do cérebro", disse Kounios; portanto, o ato criativo deve ser decomposto em pequenos pedaços. Ele também rejeitou a utilidade como parte da definição, argumentando que pode haver fracassos criativos brilhantes - o que ele chama de quase acertos.
No ano passado, ele e Mark Beeman, um psicólogo da Universidade Northwestern, publicou um trabalho sobre o que ele chama de "momento eureca!", a inspiração súbita que resolve um problema, reinterpreta uma situação ou explica uma piada. Em seu teste, eles usaram charadas simples de palavras, que poderiam ser resolvidas com uma inspiração criativa momentânea ou uma rápida análise.
Por exemplo, aqui estão três palavras: rosto, verde e banana.
Agora, pense em uma única palavra que poderia ser combinada com cada uma das três para formar outro termo conhecido.
(Acabou o tempo. A resposta é "maçã".)
Cerca de metade das pessoas chegaram a uma solução pensando metodicamente sobre possibilidades; para a outra metade, a resposta brotou em suas mentes.
Muitas áreas diferentes do cérebro estão envolvidas em conceber uma solução em ambos os processos usados, mas durante o momento "eureca!" há um pico de atividade de alta frequência no lobo temporal direito, disse Kounios. Além disso, ele e Beeman conseguiram prever antecipadamente qual processo a pessoa utilizaria. Eles observaram que os cérebros dos que resolviam problemas sistematicamente se preparavam prestando mais atenção na tela antes que aparecessem as palavras. Seus córtices visuais estavam em alerta.
Os cérebros daqueles que têm inspirações súbitas, ao contrário, se preparavam desligando automaticamente a atividade do córtex visual por um instante - o equivalente de fechar seus olhos para bloquear distrações e se concentrar melhor. Nesse caso, Kounios disse que o cérebro estava "cortando outros estímulos sensoriais para reduzir a interferência de informações indesejadas", para retirar a resposta do subconsciente.
De acordo com Kenneth Heilman, um neurologista da Universidade da Flórida e o autor do livro "Creativity and the Brain", de 2005, a criatividade envolve não só criar algo novo, mas também desligar as respostas habituais do cérebro, ou abrir mão das soluções convencionais.
A assunção de riscos e o comportamento viciante também devem ser medidos, pois ambos os traços cumprem papeis na criatividade, disse ele.
Pode haver, por exemplo, uma redução de noradrenalina, o neurotransmissor que dispara a reação de luta ou fuga. É por isso que conexões criativas tendem a ocorrer quando as pessoas estão mais tranquilas - relaxando sob uma árvore, como Isaac Newton, ou em devaneios, como Coleridge ao criar o poema "Kubla Khan".
John Gabrieli, um professor de neurociência cognitiva do Massachusetts Institute of Technology, alerta que há sempre uma distância entre o que acontece no laboratório e no mundo real: "Parece que simplesmente não há um teste sobre ser criativo".
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