Despesas não financeiras da União deram salto de 13,8% no primeiro trimestre de 2010, no maior crescimento desde os primeiros 3 meses de 2003
Alta do gasto público é a maior em 7 anos
Nunca antes na história do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva os gastos públicos cresceram tão rápido. Segundo cálculo de Raul Velloso, especialista em contas públicas, as despesas não financeiras da União deram um salto de 13,8% no primeiro trimestre de 2010 em termos reais, comparado a igual período do ano passado, saindo de R$ 134,3 bilhões (corrigidos pelo IPCA) para R$ 152,8 bilhões.
Além de representar o maior crescimento real (acima da inflação) no primeiro trimestre desde 2003, esse embalo vem na esteira da alta real de 11,9% das despesas não financeiras no primeiro trimestre de 2009, em pleno ano da crise global. "O drama dessa história é que o gasto está crescendo muito acima da inflação e do próprio Produto Interno Bruto (PIB)", diz Velloso. Ele nota que, mesmo que o PIB tenha crescido 6% de janeiro a março, isso é menos da metade da velocidade do avanço das despesas.
Velloso acrescenta que, se for levado em conta o crescimento potencial (não inflacionário) de 4,5% apontado para o Brasil por muitos analistas, as despesas não financeiras cresceram num ritmo três vezes mais forte no primeiro trimestre. "Isso não faz sentido", diz o economista, para quem os gastos reais deveriam, na verdade, crescer um pouco menos que o PIB, para permitir um ajuste gradual ao longo do tempo.
O segundo maior crescimento das despesas do primeiro trimestre no governo Lula, de 12,4%, aconteceu em 2004, mas seguiu-se a um tombo real de 8% em 2003, no célebre ajuste fiscal implantado pelo ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci, no início do primeiro mandato do atual presidente.
Alta da Selic. A disparada das despesas no início do último ano do governo Lula preocupa os analistas por coincidir com um momento de forte aquecimento econômico, que já levou o Banco Central a iniciar novo ciclo de alta da Selic, a taxa básica, que saltou de 8,75% para 9,5% ao fim da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) na quarta-feira passada.
Para o economista Alexandre Marinis, da Mosaico Economia Política, o Brasil vive hoje um paradoxo entre as políticas monetária e fiscal. "É como um motorista que está pisando no acelerador e no freio ao mesmo tempo", ele diz. Como resultado, a alta da taxa de juros para recolocar a inflação no centro da meta de 4,5% provavelmente terá de ser maior do que seria no caso de uma política fiscal menos expansionista.
Os economistas Mauricio Oreng e Guilherme da Nóbrega, do Itaú Unibanco, escreveram em relatório publicado na sexta-feira que "o rápido crescimento dos gastos significa que a política fiscal ainda está adicionando à demanda doméstica". Para eles, "apesar da redução gradual das isenções tributárias, o forte gasto público e a forte oferta de crédito pelos bancos públicos provavelmente vão continuar a alimentar o consumo e o investimento nos próximos meses".
Investimentos. Um ponto positivo dos gastos federais no primeiro trimestre foi a forte alta de 106% nos investimentos, que atingiram R$ 9,5 bilhões, mais do que dobrando os R$ 4,6 bilhões investidos de janeiro a março do ano passado. A elevação dos investimentos, porém, não foi acompanhada da contenção das despesas correntes, o que explica por que o total dos gastos teve um aumento recorde.
"Não há mais margem de manobra no Orçamento, e assim não dá para ter um superávit primário robusto e aumentar os investimentos públicos ao mesmo tempo", diz Marinis, para quem "a era de superávits primários robustos, acima de 3% do PIB, terminou."
No primeiro trimestre deste ano, houve um aumento real de 10% nos benefícios previdenciários, mas de apenas 2% nas despesas de pessoal, que, no entanto, deram um salto real de 17,4% no mesmo período de 2009. No item "demais despesas correntes", que mistura diversos tipos de gastos, como Bolsa-Família e Saúde, o salto foi de 26,6%.
Pior resultado. Na sexta-feira, a preocupação dos analistas com a situação fiscal aumentou, com a divulgação de um déficit primário do setor público (governo federal, Estados, municípios e estatais) em março de R$ 216 milhões, o pior resultado para o mês da série que começa em 2001. Com isso, o superávit primário acumulado em 12 meses caiu para 1,94% do PIB, muito abaixo da meta de 3,3% fixada para 2010.
Oreng e Nóbrega, do Itaú Unibanco, também observaram no relatório que a alta dos gastos no início de 2010 pode ser explicada pelas restrições ao gasto público no segundo semestre de um ano eleitoral. "Um primeiro trimestre feio não leva necessariamente a um ano ainda mais feio", escreveram os analistas.
Comentários