O vice-presidente da República, José Alencar, foi vítima, na noite de domingo, em seu apartamento no Rio, do golpe do falso sequestro. Sem empregados em casa, em Ipanema, ele mesmo atendeu ao toque do telefone, aceitando a chamada a cobrar e ouvindo, do outro lado da linha, o choro forte de uma jovem, que ele julgou fosse uma de suas filhas. Ela apelava, desesperada: "Meu pai, meu pai, me pegaram, meu pai, estou amarrada, paga logo eles para eles me soltarem, meu pai!". Ato contínuo, um suposto sequestrador assumiu o telefone, anunciando que a moça estava em seu poder e exigindo R$ 50 mil de resgate.
Muito tenso, Alencar tentou argumentar, alegando não ter, àquela hora, tal soma. "Não sou do Rio, não tenho tudo isso aqui!". O criminoso, irredutível, também pediu joias. Alencar explicou que sua mulher, muito religiosa, fizera promessa e não as tinha. Depois de negociar sob pressão emocional, ouvindo o choro da "filha" ao fundo, Alencar conseguiu baixar para R$ 20 mil e, em seguida, sem desligar, acionou o empresário Walter Moraes: "Preciso pegar R$ 20 mil com urgência no Banco do Brasil". O amigo se prontificou, ouvindo: "Então manda providenciar para mim, é uma emergência, é uma emergência".
Enquanto aguardava pelo dinheiro, ainda ao telefone, o interlocutor fez a pergunta: "Você trabalha com o quê?". E ele: "Eu sou vice-presidente da República do Brasil". E o bandido: "Qual é seu nome?". "José Alencar Gomes da Silva". Ato contínuo, o bandido desligou. A segurança da Vice-Presidência apura a origem do telefonema, que, tudo leva a crer, foi mais um a partir de presídios, que, por mais que a população sofra, continuam a receber sinal das empresas de telefonia móvel, mais afeitas ao seu lucro do que às necessidades da população.
A tentativa de extorsão pelo telefone sofrida pelo vice-presidente da República José Alencar, enquanto estava em sua residência, no bairro de Ipanema (Zona Sul), no último domingo, serve para reforçar o alerta aos moradores da cidade sobre os riscos do golpe aplicado por bandidos. Alencar relatou à colunista do Jornal do Brasil Hildelgard Angel que, depois de ouvir uma voz feminina clamando por socorro e ser informado pelos criminosos de que se tratava da sua filha, não desligou o telefone e negociou. Nervoso, conseguiu reduzir o valor de R$ 50 mil (pedido pelos golpistas) para R$ 20 mil. A conversa só não avançou porque os bandidos desligaram após serem informados de que estavam falando com o vice-presidente da República.
Com experiência na investigação desse tipo de crime, o titular da Divisão Anti-Sequestro da Polícia Civil, Marcos Reimão, fez críticas ao atual modelo adotado pelas operadoras de telefonia móvel do país. Segundo ele, a preocupação com o lucro permite que clientes estejam cadastrados nos bancos de dados das empresas sem informações básicas que poderiam solucionar casos de extorsão por telefone.
"O interesse público nunca foi prioridade para as operadoras, já que a parte financeira está acima de tudo e de todos" reclama Reimão. "Em casos policiais, as vítimas estão em risco iminente. Por isso, não podemos aguardar os longos períodos que as empresas nos pedem para levantar alguns dados. Além da demora do Judiciário, ainda precisamos esperar as operadoras", diz o policial.
De acordo com o delegado, pelo menos mais dois casos semelhantes ao vivido por José Alencar ocorreram no Rio no último fim de semana. Segundo ele, a pouca divulgação dessa prática criminosa pode estar favorecendo os bandidos. Para evitar prejuízos financeiros e desgaste emocional, o delegado recomenda que a população desligue o telefonema ao ser informado pelos golpistas
"Sei que é difícil, mas a população não deve dar conversa. Desliga o telefone e procura fazer contato com a possível vítima. Caso ela não seja localizada, a polícia é que deve ser procurada", orienta.
Segundo a polícia, normalmente, as ligações dos bandidos partem de dentro dos presídios. No entanto, até o fechamento desta edição, a Secretaria de Administração Penitenciária não havia informado quais unidades do estado utilizam bloqueadores de chamadas, se limitando a dizer que o Complexo Penitenciário de Bangu conta com o sistema. Apesar disso, a pasta não informou se o software utilizado é passível de falhas.
Já as estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP) não são capazes de precisar se a ação vem aumentando ou sofrendo redução, uma vez que esse tipo de crime é registrado como estelionato, que engloba outras práticas. No último mês de fevereiro, foram 3.344 registros em todo o estado. No mesmo mês do ano passado, o número foi um pouco maior: 3.396.
A Secretaria de Segurança informou que possui uma série de mecanismos gerenciados pela Polícia Civil para combater a extorsão por telefone. Uma delas é a utilização de um software chamado de "guardião", que consegue rastrear - sempre com autorização judicial - ligações dos suspeitos.
Presídios de segurança máxima são imunes
As prisões de segurança máxima do governo federal, como a de Catanduvas, no interior do Paraná, ou a de Campo Grande (MS), já foram construídas com antenas e equipamentos eletrônicos internos que não permitem o uso de celular num raio de aproximadamente 100 metros ao redor das cadeias.
Não há números porque os registros de ocorrências são irrisórios. As vítimas ficam com vergonha porque, na verdade, trata-se de um estelionato prosaico, que só da certo porque a vítima entra em pânico. Todos os dias centenas de desavisados, especialmente nos grandes centros, caem no golpe. Simulando o papel de bombeiro ou de policial, voz firme como se estivesse atendendo uma ocorrência de acidente, o criminoso telefona a cobrar para um número de telefone fixo qualquer e pergunta ao interlocutor:
"O senhor (a) tem alguém fora de casa?". Se a resposta for positiva e já vier com o nome de quem está fora naquele horário, começa a grande encenação. Normalmente a pessoa se desespera por imaginar uma tragédia, e então o criminoso encontra o espaço que estava esperando.
Em seguida, avisa que a pessoa está seqüestrada e solta uma gravação, cuja voz deve ser semelhante ao perfil do "seqüestrado", em geral o filho ou a filha de quem atendeu. Os gritos apavoram. O criminoso passa então a fazer as exigências: a vítima não deve telefonar para ninguém a partir daquele momento e recebe o número de uma conta bancária para transferir imediatamente determinada quantia. Consumado o golpe, quando a polícia vai atrás do dinheiro, a conta do falsário que está fora dos presídios já foi desativada. O valor varia de acordo com o padrão econômico da vítima, mas normalmente o prejuízo fica em torno de R$ 5 mil.
Comentários