Um ano depois da implantação com a doação de 19 mil alevinos, comunidade celebra em ritual a “fartura” de peixe na Aldeia Meruri em General Carneiro
Projeto do Ministério da Pesca capacita bororos em Mato Grosso
Um ritual milenar da cultura indígena que vinha sendo ameaçado recebeu um incentivo que pretende assegurar a sua perpetuação. A Aldeia Meruri, no município de General Carneiro (449 km de Cuiabá), foi escolhida para sediar o projeto piloto de piscicultura do Ministério da Pesca e Aqüicultura (MPA), que teve o encerramento do primeiro ciclo no último final de semana.
Na comunidade vivem cerca de 500 índios bororos em uma área de 82 mil hectares. Por meio do projeto piloto, em janeiro de 2009, foram construídos sete tanques com 18mil m² os quais serviram de berço para 19 mil alevinos das espécies Tambatinga e Piauçu.
A primeira produção foi de três toneladas, o excesso de produção (cerca de 700 quilos), foram vendidos para um supermercado do município de Barra do Garças (550km de Cuiabá). Os recursos obtidos com essa venda deverão ser usados na compra de ração para os novos cardumes de alevinos (peixes jovens) que serão colocados nos tanques para engorda.
Segundo o biólogo e líder indígena, Kleber Rodrigues Meritororeu, a capacitação permanente aconteceu em turmas 20 pessoas. “Antes do projeto tínhamos que buscar o peixe muito longe da aldeia no Rio Garças, porque o peixe não chega mais na aldeia. Às vezes geravam atritos com pescadores ‘brancos’”, explicou o líder indígena.
Quatorze meses depois, a criação conta com peixes com 1.700 gramas em média. Para comemorar a primeira despesca do projeto, que fecha o ciclo de produção, os índios realizaram o ritual do Kare-paro (Festa do Peixe) que ao entardecer os nativos invocam os “bons espíritos” para terem uma boa pescaria. O ritual ocorre por toda a noite e é realizado dentro da Casa Central da Aldeia (Paito) pelos anciões e líderes. A Aldeia Meruri é divida em dois clãs (Tugaregue e Ecerae).
Como parte da programação de encerramento dessa fase do projeto, e seguindo a tradição indígena, no dia seguinte ao ritual os nativos foram aos tanques e realizaram a despesca. Os peixes foram divididos em partes iguais entre eles. Cada chefe de família entregou a sua cota para as mulheres responsáveis pelo preparo. Logo depois de preparado, metade do peixe foi destinada ao ritual como oferenda e outra metade ficou para consumo da família.
De acordo com o consultor técnico do projeto, Francisco das Chagas de Medeiros, além do resgate cultural o projeto assegura às famílias a segurança alimentar e a sustentabilidade econômica.
“Esse projeto piloto de piscicultura indígena tem o objetivo de resgatar a cultura em relação ao consumo da pesca. Pretendemos dar continuidade com a reprodução de outros ciclos, inclusive com outras espécies. Também vamos capacitá-los na área da gestão econômica e financeira para que possam aprender a comercializar o pescado da forma certa”, explicou consultor.
Os primeiros 19 mil alevinos usados para dar início ao projeto foram doados pela Bom Futuro Piscicultura. “Tão importante quanto o lucro é trazer a sociedade junto, é se importar com o que está acontecendo ao seu redor, com a preservação da nossa cultura indígena”, ressaltou a diretora da empresa, Aline Bortoli.
Na criação em cativeiro na Aldeia Meruri foram investidos R$ 283 mil. O MPA está analisando a implantação de outros projetos voltados para povos indígenas e o próximo empreendimento deverá ser na Aldeia Queimada, dos índios Parecis, em Tangará da Serra, também em Mato Grosso.
“Estamos satisfeitos com o resultado e a idéia é ampliar esse projeto para outras aldeias”, afirmou Cleberson Carneiro Zavaski, secretário executivo do Ministério da Pesca e Aqüicultura, que participou do encerramento do ciclo.
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