Polêmica: Santo Daime tem 43 anos em MT
Droga, substância alucinógena ou despertar do estado de consciência? A polêmica sobre o uso da ayahuasca em doutrinas religiosas como o Santo Daime ou a União do Vegetal também divide opiniões em Mato Grosso. Com 43 anos de tradição no Estado, a representação do Santo Daime reúne hoje cerca de 50 pessoas em Cuiabá, seu principal núcleo e única filial autorizada pela congregação de 110 igrejas do país. Seu fundador, Sérgio Nord, afirma que também no Estado a igreja recebe muita procura por parte de dependentes químicos em busca de recuperação.
Semana passada, a polêmica sobre a religião reacendeu com a discussão sobre os efeitos da substância causados no jovem Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, assassino confesso do cartunista Glauco Vilas Boas e seu filho, Raoni Ornellas Vilas Boas, em Osasco (SP). Glauco recuperava dependentes químicos por meio da doutrina cristã. Ele próprio era um ex-viciado, como chegou a admitir. Carlos Eduardo frequentava a seita há 3 anos.
Juridicamente constituído, com direito a estatuto e registro de CNPJ, o Daime não pode recusar a participação de pessoas que procuram a entidade. Segundo Sérgio Nord, o procedimento é o mesmo para todos que desejam integrar a seita. "Fazemos uma entrevista e avaliamos se a pessoa não toma nenhum outro medicamento que seja incompatível com o uso do chá".
Em geral, são proibidos medicamentos "tarja-preta", voltados para o tratamento psiquiátrico. "Pessoas com esse quadro clínico nem chegam a nos procurar".
Segundo ele, é grande o número de recuperados que integram a doutrina. Nord atribui o número à eficácia da substância presente no chá, que ele classifica como psicoativa, capaz de expandir o grau de consciência da pessoa. "Nesse momento, ela toma conhecimento de seu comportamento, da vida que leva e dos erros cometidos. Creio que essa é a chave para que o dependente enxergue o mal que causa a si próprio e aos outros".
Em defesa do Daime, ele alega que, diferentemente da droga, o chá não causa qualquer tipo de dependência. A liberação do uso da ayahuasca para fins religiosos, feita pelo Governo Federal em janeiro deste ano, reflete esse pensamento, segundo ele. "Essa decisão é fruto de 20 anos de estudos com grupos de usuários e não usuários onde se constatou que não causa malefícios à saúde humana".
Pelo contrário, ele alega que usuários verificados no estudo apontaram uma maior inserção em seus meios sociais do que não usuários. "No Estados Unidos a autorização da Suprema Corte Americana foi conquistada 12 anos após a doutrina ter sido levada para o país, em 1990".
Ayahuasca x droga - Para o médico Hélio Marcelo Sandrin, coordenador de um programa de combate às drogas, o chá dos rituais do Santo Daime causa dependência química, física e psicológica. Ele discorda da autorização do uso feita pelo Governo Federal. "Fico me perguntando a serviço de quem estão essas pessoas? Ao bem da sociedade é que não é. Trata-se de uma substância tóxica, só que tem seu uso atrelado à religião".
Segundo ele, cada pessoa tem um limite de tolerância em relação a determinadas substâncias e drogas como o crack são as que causam dependência mais rapidamente. No caso dos infusos, os chamados chás alucinógenos, a concentração, segundo ele, depende da "mão de quem está fazendo". A substância presente no cipó impede a desnaturação da substância presente na erva e, dessa forma, o organismo consegue absorvê-la. A dimetiltriptamina (DMT) atua diretamente no sistema nervoso central. Ela ativa a concentração de serotonina, noradrenalina e dopamina no cérebro, responsáveis por funções como controle de humor, da ansiedade, do estado de alerta e percepção de espaço de tempo. "Hoje em dia existem defensores do chamado menor dano. Eu acredito na política de tolerância zero às drogas".
O psiquiatra Zanizor Rodrigues da Silva, médico forense, acredita que o problema não está nas drogas e sim nas pessoas que têm o livre arbítrio para usá-las. "A maconha já caminha para a liberalização, também para fins religiosos. Quem não quer, não utiliza. Com o álcool é a mesma coisa".
Ele afirma que a ayahuasca pode deixar a pessoa com a percepção diferenciada, mas existem pessoas que praticam a doutrina há muito tempo e não desenvolveram quadro de dependência. "Sei de pessoas de ótimas índoles que são seguidoras do Daime, como procuradores, por exemplo".
Preconceito - O jornalista Aluízio de Azevedo, 29, afirma que frequenta o Daime desde os 26. "Já havia participado de várias religiões, mas não me identificava com nenhuma delas. Tinha uma busca constante pela espiritualidade".
Ele foi batizado na igreja católica, mas participou de várias congregações evangélicas até encontrar a espiritualização no Daime.
Segundo ele, o despertar de consciência ajuda na resolução de conflitos internos e tomadas de decisão, como a mudança de emprego, por exemplo. "Infelizmente ainda existe muito preconceito em relação à doutrina que é também cristã", explicou. O Santo Daime, segundo ele, mistura elementos de umbanda e espiritismo também.
Nord afirma que o princípio da religião é fazer com que a pessoa tenha a responsabilidade de suas ações nas próprias mãos. "Quem não está pronto para conhecer a verdade sobre si mesmo, acaba não voltando. O estado de alerta que a bebida proporciona faz com que nada ou quase nada possa ser escondido. A pessoa enxerga como ela realmente é e assim por diante busca a melhora".
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