Casarões centenários no Centro e no Porto são depredados e usados por delinquentes, usuários de drogas e prostitutas
Prédios históricos viram abrigos para criminosos em MT
Casarões centenários abandonados no Centro e no bairro do Porto, em Cuiabá, servem de abrigo aos moradores de rua e delinquentes que usam os locais como esconderijos, ponto de venda de drogas e para prostituição. A Polícia Militar afirma que estes pontos fomentam a prática de roubos e furtos, já que é para eles que os acusados correm após a prática dos crimes e não são capturados.
A Prefeitura estima que a população de rua é de 120 a 150 moradores, grande parte distribuída pelos imóveis abandonados no Centro Histórico. Um dos mais conhecidos da Polícia e apelidado de Castelo de Grayskull - que significa "caveira cinza", local da série animada He-Man -, é destruído gradativamente. O local, que já abrigou a Casa Transitória Irmã Dulce, está fechado há anos. Com jardim de árvores centenárias e mais de 20 quartos, se transformou em um dos pontos de venda de drogas mais disputados da rua Ricardo Franco, no coração da região central.
Foi neste local que a reportagem flagrou a retirada de 5 moradores de rua, na manhã de terça-feira (16). Duas mulheres, com cerca de 30 anos, dormiam em um dos colchões distribuídos pelos quartos. Os 3 homens, dependentes de drogas, são apontados como vendedores de pasta-base de cocaína na região do "Beco do Candeeiro".
A frente do casarão fica na rua Pedro Celestino. O acesso ao local é feito pelo muro dos fundos, na rua Ricardo Franco. Vizinhos dizem que a gritaria começa cedo, promovida por usuários que vão comprar droga e querem ser ouvidos por quem está do outro lado do alto muro. Policiais do serviço de inteligência do 1º Batalhão acompanharam a equipe de reportagem ao local e recolheram os 5 usuários, que depois de levados à Delegacia são autuados em um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), liberados e voltam às ruas e ao casarão.
O bairro do Porto também tem nas propriedades abandonadas um dos principais fomentadores do tráfico e prostituição. Outro flagrante da reportagem foi em um comércio na rua Comandante Suído, o "Beco da Lama". A cobertura de zinco, que abriga os equipamentos da antiga "Máquina de Arroz", virou casa para algumas pessoas. Um casal, aparentando mais de 50 anos, com sinais de embriaguez, parecia acertar um programa sexual. Uma usuária de drogas, ex-presidiária pela prática de furtos, tentava esconder os 2 cachimbos artesanais usados para fumar droga. Uma amiga dela chega rapidamente e nega que estejam vendendo entorpecentes. Mas os policiais mostram as evidências de preparo e embalagem de porções de pasta-base.
O pouco dinheiro achado no local, garante a mulher mais jovem, veio de um programa sexual que acabou de fazer e lhe rendeu R$ 20. Ela disse que com este dinheiro sustenta o vício dela e da amiga. As 2 mulheres foram presas recentemente, acusadas de arrombarem uma igreja do bairro e levarem cestas básicas.
O tenente-coronel Jadir Metello da Costa, comandante do 1º Batalhão que responde pelo policiamento da área central, admite que a Polícia Militar não consegue resolver o problema sozinha. Durante as abordagens, quando a droga é localizada, os suspeitos são levados às delegacias. Mas caso contrário, somente se concordarem é que são encaminhados para abrigos e albergues municipais. Cita os bons resultados de operações que envolveram o Ministério Público e o Judiciário, que resultaram, no ano passado, no fechamento de 8 pontos de prostituição que funcionavam no centro histórico. "Mas 4 deles já reabriram e são usados como pontos de venda de drogas".
Na opinião do comandante, é o tráfico, em pequena ou grande escala, que fomenta os crimes de furtos e roubos. É para comprar a droga do consumo que moradores de ruas e guardadores de carros, adultos ou adolescentes, cometem os outros crimes. Acredita que somente com o engajamento de todos os órgãos públicos é que a situação será revertida.
Solidária - O coordenador do Programa Abordagem Solidária, da Prefeitura de Cuiabá, Henrique José de Andrade Silva, destaca o trabalho diário de busca e retirada das pessoas de locais de riscos, que incluem os casarões. Muitas já foram recuperadas, mas a maioria normalmente fica nas casas de apoio por no máximo 2 dias, até recuperar as forças com alimentação balanceada e repouso, voltando novamente às drogas e à delinquência. A falta de locais para o tratamento das dependências químicas ainda é o maior obstáculo para melhorar os resultados do programa, admite. Sugere que a Polícia realize operações de "saturação" nestas áreas, obrigando traficantes e usuários deixarem os pontos.
Fiscalização - A fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (Smades) admite que no Centro Histórico são 13 propriedades fechadas. Pelo menos 3 são ocupadas por moradores de rua e apresentam situação mais crítica. Segundo o coordenador de fiscalização José Maria de Assunção, a grande dificuldade está em localizar os proprietários ou herdeiros, já que muitos residem fora de Cuiabá. Quando isso acontece, eles são notificados a tomar as providências necessárias e estão sujeitos a multas.
Grayskull - O casarão da rua Ricardo Franco pertence ao Patrimônio da União, mas já foi colocado à disposição da Superintendência do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (IPHAN) de Mato Grosso. Segundo Milton Jorge Fiorenza, chefe da Superintendência do Patrimônio da União em Mato Grosso, falta apenas o ato ser publicado em Diário Oficial. Lembra que o prédio já foi cedido ao governo do Estado, que o manteve fechado e alegou não ter recursos para a reforma, devolvendo-o novamente à União. Segundo ele, hoje em Mato Grosso são cerca de 2,5 mil imóveis da União, destes cerca de 500 estão na Grande Cuiabá. A função do órgão é buscar parcerias com o Estado e municípios para colocar estes imóveis à disposição da comunidade, atendendo a programas sociais, culturais ou na área da educação.
O Iphan assegura que já existe um projeto para levantar recursos e reformar o casarão centenário, localizado entre as ruas Ricardo Franco e Pedro Celestino. A chefe da divisão técnica do órgão, Márcia Silva Miranda, diz que o custo da reforma é alto, e para este ano o projeto não deve ser concretizado. A ideia é transferir a sede do Iphan para o casarão e transformar a atual sede em um centro cultural. O Iphan busca parcerias para viabilizar o projeto.
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