Perri garante que havia clima de impunidade e detalha investigação
Uma sucessão de investigações internas culminou na descoberta de um suposto esquema de pagamentos ilícitos a magistrados. No último dia 23, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), determinou a aposentadoria compulsória de 3 desembargadores e 7 juízes de Mato Grosso. O fato entrou para a história como o maior escândalo envolvendo magistrados do país. O ex- corregedor-geral do TJ, desembargador Orlando Perri, explica com exclusividade ao RDNews os procedimentos adotados por ele e pelo ex-presidente Paulo Lessa para descobrir detalhes do esquema. “Não são vícios exclusivos do nosso Tribunal. Havia um clima de impunidade que permitia a alguns terem certo desvio de conduta. Todos os Tribunais têm problemas de igual natureza, mas estamos tentando cortar na própria carne”, afirma Perri, em entrevista no seu escritório.
Ele conta que logo após a posse da Mesa Diretora da qual fazia parte, em março de 2007, Lessa requereu informações e planilhas para saber tudo o que havia sido pago a magistrados. Sem resposta do setor que efetua o procedimento, ele determinou a instauração de uma sindicância, em 23 de maio do mesmo ano, para saber exatamente o que havia sido pago e quem ainda iria receber. Para investigar o caso, foram nomeadas as servidoras Kátia Cilene Katagire, que presidiu os trabalhos, Mara Roberta de Barros Curvo e Adiles de Jesus. A equipe detectou irregularidades em diversos pagamentos como abono pecuniário, auxílio-moradia, diferença de teto salarial e até devolução de Imposto de Renda Retido na Fonte. O Controle Interno foi acionado para novo “pente-fino” e detectou as mesmas irregularidades solicitando aprofundamento na investigação.
O presidente do TJ convocou então o corregedor-geral Orlando Perri em 17 de setembro de 2007. Além de investigar o suposto pagamento ilícito, o despacho de Lessa determinou que Perri descubrisse se as servidoras Cácia Senna (ex- coordenadora dos magistrados) e a Viviane Moreira Rondon (cargo de confiança) estariam envolvidas nos supostos atos ilícitos. “Após a detecção de indícios, Viviane acabou demitida. Cácia, que é servidora de carreira, chegou a ser exonerada por Lessa, mas acabou retornando ao TJ após ingressar com recurso que reverteu a exoneração”, explica Perri.
O desembargador conta que encaminhou um documento solicitando que o Controle Interno averiguasse 11 situações que ajudariam a elucidar o caso. A resposta foi emitida pelo setor em 17 de outubro 2007. Na ocasião, a coordenadora do setor Jeanine Figueiredo sugeriu que o então presidente Paulo Lessa contratasse uma empresa de auditoria para apurar os dados financeiros. Ela frisou em seu relatório, que o Controle Interno não possuia as ferramentas suficientes para dar continuidade às averiguações. Lessa foi comunicado então sobre o andamento das investigações e determinou a contratação da empresa. O setor de licitação, segundo Perri, contratou a Velloso & Bertolini Auditoria e Contabilidade.
Um episódio no gabinete de Lessa acelerou a investigação dos fatos e levou à descoberta de que o dinheiro proveniente de pagamentos a magistrados estava sendo depositado em uma conta bancária de uma entidade maçônica. “Uma juíza foi ao gabinete de Lessa e viu a planilha, levantada pelo Controle Interno, com os pagamentos feitos a magistrados. Ela descobriu que a colega Graciema Caravellas recebeu R$ 400 mil e comentou o fato com a amiga. Chegou a brincar que Graciema está abonada, mas ela negou que tivesse recebido o dinheiro”, conta Perri.
Logo em seguida, Graciema procurou Lessa e reforçou que nunca recebeu este valor. Foi convocada para prestar depoimento à Corregedoria do TJ em 12 de novembro. No mesmo dia em que ela relatou ter sido abordada pelo juiz Marcelo de Souza Barros e ter assinado um documento de estorno levado pela servidora Cácia, foi emitida a certidão 001/07, assinada pela coordenadora-financeira Ilman Rondon Lopes, em que ficou comprovado que o dinheiro jamais retornou aos cofres do TJ. A quebra de sigilo bancário de Graciema foi decretada. “Foi aí que descobrimos que os R$ 160 mil haviam sido estornados para a conta da maçonaria”, relata Perri. Coincidentemente, no mesmo dia, o Gaeco encaminhou denúncia do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que reforçava a existência de desvio de recursos para a maçonaria. Concomitante à investigação do TJ e à denúncia do MCCE, chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) uma carta anônima revelando o mesmo esquema. O órgão federal instaura inquérito e acionou o TJ para que apurasse os fatos. “Muita gente acha que tudo começou por causa dessa carta, mas na verdade já estávamos investigando”, afirma Perri.
Neste momento da investigação, vazou a informação de que a apuração estava sendo feita e o ex-presidente do TJ, José Ferreira Leite, um dos punidos pelo CNJ, fez um empréstimo de R$ 500 mil. “ Foram R$ 200 mil no nome dele e R$ 300 mil no nome da maçonaria. Foi aí que ocorreu o pagamento dos empréstimos”, revela Perri. Graciema, por exemplo, em depoimento, revelou que recebeu os R$ 160 mil estornados de sua conta em 19 de dezembro de 2007. “Até então ela não sabia que havia emprestado dinheiro para a maçonaria anos antes”, diz Perri. A auditoria finalizou os trabalhos em março de 2008 e o relatório foi encaminhado para a Polícia Federal, STJ e CNJ. “Eles (magistrados punidos) alegam que a empresa é fantasma. Isso não é verdade, tanto é que o relatório foi periciado pela Polícia Federal e a inspeção feita pelo CNJ também chegou ao mesmo resultado”, argumenta.
Apesar das investigações terem iniciado em 2007, o julgamento do CNJ ocorreu somente neste ano e os magistrados envolvidos ainda respondem no STJ e podem perder o direito às aposentadorias. Os dez punidos já recorreram ao STF para tentar reverter a punição. “Alegam que foram perseguidos, que éramos inimigos, mas isso não era verdade. Antes disso tudo eles frequentavam minha casa, participavam até de festas de aniversário, tínhamos um bom relacionamento”, pondera Perri, que prepara sua defesa em diversas representações feitas pelos magistrados contra ele junto à Corregedoria Nacional. “Nunca havia respondido a uma sindicância, mas vou demonstrar que não houve perseguição”, reforça. O ex-corregedor tem 27 anos de magistratura e atua no TJ há 14 anos.
Foram condenados o ex-presidente do Tribunal de Justiça, José Ferreira Leite, os desembargadores José Tadeu Cury e o atual presidente do TJ, desembargador Mariano Travassos, além dos juízes Marcelo Souza de Barros, Irênio Lima Fernandes, Antônio Horácio da Silva Neto, ex-presidente da Associação de Magistrados do Estado (Amam-MT), Marcos Aurélio dos Reis Ferreira, filho de Ferreira Leite, Juanita Cruz Clait Duarte (filha do ex-presidente do TJ desembargador Wandir Clait Duarte - já falecido), Maria Cristina de Oliveira Simões e Graciema Caravellas.
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