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Saúde
Segunda - 15 de Março de 2010 às 08:59
Por: Fernando Duarte

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120 mato-grossenses morreram sem atendimento, 21 deles antes da realização de exame que custa R$ 615
120 mato-grossenses morreram sem atendimento, 21 deles antes da realização de exame que custa R$ 615

Mais de 120 mil pessoas aguardam por atendimento médico pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Mato Grosso, sendo que 57,8 mil precisam de exames de média e alta complexidade e 62,8 mil de consultas. Até hoje, 120 mato-grossenses morreram na fila de espera, 21 deles antes da realização do cateterismo, exame que faz o diagnóstico sobre a situação cardíaca. O procedimento custa R$ 615 pela tabela do SUS, incluindo os serviços hospitalar e profissional.

Atualmente, aguardam nas filas, pelo menos, 1,5 mil pessoas para cirurgias ortopédicas, 500 para cardíacas e aproximadamente 300 para as neurológicas. As informações fazem parte do pré-relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde.

O pintor de Primavera do Leste (231 km ao sul de Cuiabá), Averlandes Ferreira de Souza, 39, ficou quase 1 ano na fila por um cateterismo. Ele morreu em 16 de setembro de 2009 sem fazer o diagnóstico. A esposa dele, a doméstica Ivonete Terezinha Moraes, 35, lembra que, apesar da necessidade do marido, o quadro clínico ainda seria avaliado para definir se era ou não caso de emergência.

"O médico afirmou que ele precisava fazer o exame e conversa sempre com a Secretaria de Saúde daqui, que dizia esperar resposta de Cuiabá".

O sofrimento de Souza durou até setembro, quando foi internado às pressas em um hospital de Rondonópolis, já que em Cuiabá não havia leito, pois era período de greve dos médicos. "Ele só tinha 39 anos, deixou 2 filhos, que hoje fazem terapia por causa da morte do pai. Quando isso aconteceu, tirou o chão dos meus 2 filhos. Era uma coisa simples que ele tinha que fazer e infelizmente não fez".

O caminhoneiro Eduardo de Oliveira, 57, mesmo depois de ter sido internado em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e sofrer 2 derrames, não conseguiu vaga para fazer o cateterismo. Ele, que era de São José dos Quatro Marcos (315 km a oeste de Cuiabá), aguardou 2 anos pelo diagnóstico e só conseguiu a vaga 5 meses depois que morreu.

A filha dele, Regiane de Oliveira Henrique, 30, disse que, no primeiro derrame, Eduardo ficou na cadeira de rodas. No segundo, perdeu os movimentos do rosto. "E olha que meu pai contribuiu muito (para o governo). Ele trabalhava com carteira assinada, não tinha como não contribuir, e mesmo assim não recebeu atendimento".

Em Itaúba (600 km ao norte de Cuiabá), a aposentada Rozeli Paz Morais, 57, esperou mais de 2 anos pelo exame de cateterismo que nunca fez e, antes de falecer, ficou 20 dias internada no Hospital Regional de Colíder. Lá, no dia da morte, sofreu 2 infartos. A neta de Rozeli, Maira Paz Morais, 19, lamenta a ausência da avó de quem cuidava diariamente. Ela lembra que a aposentada acordava, às vezes, com tonturas e passava algumas tardes com frio e os lábios roxos. "Nos 20 dias que ficou internada, ela esperava uma vaga em Cuiabá. Minha mãe conversava com o secretário de Saúde daqui e ele dizia que não podia fazer nada, e que também tinha que receber ordens para agir (encaminhar a paciente)".

O cateterismo é considerado um exemplo simples. Uma perfuração é feita na perna ou no braço da pessoa e, por um pequeno cano, é injetado um líquido que no raio-X se torna visível. Pela passagem desse líquido é possível verificar se há algum problema no coração.

Espera - Em Cuiabá, Orlanda Gama Carneiro, 35, convive com as dificuldades da sobrinha Yasmin, 5, que tem as amídalas totalmente inflamadas e dificuldade em respirar. Apesar disso, ainda não sabe quando a menina será atendida. "Ela (Yasmin) está atrás de pessoas que estão na lista desde 2006".

Orlanda afirma que a sobrinha não aguenta mais esperar pelo atendimento. "Vai para a escola e começa a sentir dores de cabeça. As professoras pedem para que volte para casa. À noite, a mãe dela não consegue dormir porque fica cuidando da filha, que sente falta de ar. O medo dela é que a filha morra por não respirar".

Situação avançada - Das consultas com maior demanda, a neurológica (7.313), a cardiológica (5.915) e a dermatológica (5.009) lideram a lista. Para a média complexidade, o exame com maior índice de espera é a ultrassonografia com 12.717 pessoas, seguida da radiografia com 4.829. Na alta complexidade, a ressonância magnética é disparado o exame de maior demanda, com 8.340 pessoas. Depois vem a tomografia computadorizada com 1.840 pacientes.

Segundo o presidente da CPI, deputado Sérgio Ricardo (PR), muitos dos exames de alta complexidade são para casos em situação avançada. "Não é brincadeira, tem paciente que já está com tumor quando vai fazer o exame".

O deputado lembra que o "caos na saúde" de Mato Grosso ocorre porque o Estado não toma as decisões dos procedimentos. "Tudo fica a cargo da Prefeitura. Ela tem a gestão plena. Todo o dinheiro que vem do SUS é a Prefeitura de Cuiabá que define como será usado".

A CPI da Saúde exige informações à Prefeitura como custo de procedimento, pessoas atendidas, quantia repassada pelo governo federal para a saúde municipal, entre outros. Porém, segundo o deputado, a CPI tem dificuldades em obter esses dados. "Muita informação vêm confusa ou demora para chegar. Teve ofício que foi encaminhado 3 vezes".

Possibilidades - Até o final deste mês, a CPI da Saúde pretende apresentar ao governo do Estado o pré-relatório sobre o que já foi investigado. Nesse documento também consta possíveis soluções para promover a chamada "fila zero".

Para as consultas e exames, será proposto um mutirão em todo o Estado, dando celeridade nos atendimentos. Em relação às cirurgias de média e alta complexidade, como sugestão emergencial, está a aquisição pelo governo de Mato Grosso do Hospital Geral Universitário (HGU) e do Hospital das Clínicas.

No caso do HGU, o governo contrataria até os profissionais da instituição e já começaria a fazer as cirurgias pendentes. E com o Hospital das Clínicas a intenção é que ele se torne uma instituição especializada no atendimento infantil, pois não há unidade específica para crianças no Estado.

Segundo o diretor-geral do HGU, Vander Fernandes, nos últimos 2 anos há uma "luta" para que o hospital tenha vínculo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES). Mas ainda deve ser definida essa mudança: o Estado fica responsável pela administração ou haverá contratos dos serviços.

Outro lado - A assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que todas as informações necessárias para contribuir com as investigações da CPI da Saúde serão fornecidas o mais breve possível e que "a secretaria tem interesse em contribuir com os esclarecimentos".

Informa também que a lista de espera de pacientes para cirurgia de média e alta complexidade para por reestruturação na Central de Regulação, "devido ao alto fluxo de exames e cirurgias tanto de pacientes advindos da Capital como do interior do Estado". Além disso, a SMS "se prontifica a dar mais agilidade e reestruturar o sistema da Central de Regulação. É de interesse da secretaria dar transparência às ações praticadas pela rede e tornar público o número de atendimento".





Fonte: A Gazeta

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