Polícia Civil defende sozinha a unificação
A Polícia Judiciária Civil (PJC) é a única corporação favorável à unificação e reestruturação das instituições de segurança em Mato Grosso. A Polícia Militar (PM) e o Corpo de Bombeiros, que seria desmilitarizado e passaria a fazer parte da Defesa Civil Estadual, se posicionam contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tramita no Senado. O documento pode ser aprovado pela Casa ainda no primeiro semestre de 2010. O projeto do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) é de 2005 e visa combater o aumento da criminalidade, já que a atual estrutura é considerada ineficaz.
Para o diretor-geral da PJC, José Lindomar Costa, o modelo atual das instituições está "defasado" e deve ser superado com a criação de uma nova fórmula. "É possível trabalhar com um comando único. Cada instituição tem uma função definida e tanto o lado ostensivo quanto o da investigação pode ser feito nessa reestruturação".
Esta opinião não é compartilhada pelo comandante-geral da PM, coronel Antônio Benedito de Campos Filho. Ele taxou a proposta de "inviável". "Se isso acontecer vai se instalar o caos no Brasil inteiro".
Campos Filho acredita que não é unificando as polícias que haverá as mudanças desejadas. "Cada um mantém a sua estrutura, para um não fazer o papel do outro. Mas o trabalho é de forma integrada".
Por causa desta contrariedade, o projeto original teve que passar por modificações, já que, segundo alguns interlocutores, ele era "ousado demais". Caso o documento passe pelo Senado e pela Câmara, os estados terão autonomia em escolher pela unificação ou não.
Outro ponto que está na PEC é a desmilitarização do Corpo de Bombeiros, que seria integrado à Defesa Civil. O comandante-geral da corporação, coronel Carlos Alexandre Rodrigues, é contra a proposta porque a instituição tem "anos de tradição" e a unificação poderá abrir brechas para que os militares paralisem. "A Polícia Civil faz greve? A PM e o Corpo de Bombeiros não. Se isso (unificação) acontecer, os militares também podem fazer".
O secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Diógenes Curado, por meio da assessoria de comunicação, não quis entrar dar opinião sobre o assunto. Informou "que o Corpo de Bombeiros em Mato Grosso já faz parte da Defesa Civil" e que, caso a unificação das polícias aconteça, deve ser feita "com responsabilidade e que não venha a atrapalhar as funções institucionais de cada força".
Mais mudanças - Lindomar Costa lembra que a unificação acontecerá se houver um tempo mínimo de transição, de 5 a 10 anos. Na PEC, a União e os Estados teriam prazo de 5 anos para a implantação do novo modelo, contado a partir da data de publicação da emenda. Além disso, o projeto assegura que sejam criadas academias de polícias unificadas pelos estados em até 3 anos.
De acordo com o quarto artigo, caso seja optado pela mudança, será assegurado, "na transposição dos cargos, a irredutibilidade de vencimentos e observarão a situação funcional e hierárquica, e a equivalência entre os cargos e os vencimentos das atuais Polícias Civis e Militares".
Na justificativa para a apresentação da emenda, o senador Tasso Jereissati afirma que "é hora de deixar de lado o simbolismo penal e tocar na estrutura do problema da ineficácia dos órgãos de prevenção e repressão da criminalidade".
Mas o diretor-geral da Polícia Civil lembra que não é apenas unificando as instituições que os crimes terão fim. "Existem outros fatores, deve ter uma participação geral e de outras áreas do governo também".
O relator do projeto Romeu Tuma (PTB-SP) é contra a emenda à Constituição, pois o que falta, segundo ele, é uma legislação que defina a competência da PM e da PJC. Com isso, parte dos problemas existentes seria resolvida.
Federais - A PEC também prevê a unificação das Polícias Rodoviária e Ferroviária Federais à Polícia Federal (PF), nos mesmos moldes da Civil com a Militar. O senador Tuma também discorda deste ponto, já que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) está fazendo um "excelente trabalho" no combate ao tráfico de drogas e armas.
Procurados pela reportagem, o superintendente da PRF de Mato Grosso, Clarindo Ferreira da Silva, informou por meio da assessoria de comunicação que não irá se pronunciar sobre o assunto, já que é uma discussão nacional e cabe somente ao diretor-geral da instituição fazer declarações a respeito. Quanto à PF, o superintendente Oslaim Santana disse que não deve opinar sobre um assunto que envolve toda a corporação, mas se a PEC for aprovada irá segui-la e trabalhar "da melhor maneira possível".
Defesa do Cidadão - Também favorável à unificação das polícias, o sociólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Naldson Ramos, defende que o modelo atual está voltado mais para preservar o poder do Estado do que auxiliar a sociedade. Porém, ele lembra que apenas a unificação não resolverá todos os problemas.
Ramos, que é coordenador do Núcleo Interinstitucional da Violência e Cidadania de Mato Grosso, lembra que a estrutura das polícias vigentes baseia-se no modelo do Império de Portugal, que protege o poder e fica distante da população. E por estar ultrapassado, há necessidade de mudança.
Ramos aponta como principal dificuldade para a unificação a existência de uma cultura institucional já criada. "A dos coronéis (PM) contra a dos bacharéis (PJC). A discussão fica no "quem obedece a quem?". Nenhum dos 2 segmentos quer abrir mão da hierarquia, das regalias que possuem".
Ele defende que a unificação pode resolver alguns impasses, mas sem mexer na cultura, não haverá bons resultados. Segundo o professor, os impasses resolvidos seriam em relação à carreira, a formação única e a redefinição da área comandada. Sobre a cultura, Ramos lembrou que isso não se limita a relação hierarquizada, principalmente dos militares, e sim a forma como os policiais trabalham na comunidade. "Eles veem o crime e a criminalidade como um fenômeno natural e não patológico (doença). Veem a sociedade como inimiga, todo mundo é suspeito e é tratado de forma descortez, sem respeito aos direitos das pessoas".
Em relação à desmilitarização do Corpo de Bombeiros, Ramos também é favorável e ainda acredita que a instituição deve ser ligada à Casa Civil do Estado. "Seria muito mais útil na Defesa Civil, na prestação de socorro, na ajuda, na comoção social. Pode ter a hierarquia militar, mas não estar vinculada à Sejusp".
Quanto à união da PF e PRF, o sociólogo também acredita que será melhor, mesmo que a rodoviária esteja fazendo um bom trabalho no tráfico de armas e drogas. "Não precisa ter 3 ou 4 instituições para combater os problemas, basta um comando".
Fundo - A PEC defende também a criação de um fundo para a segurança pública, sendo 5% da receita da União e 9% da receita dos Estados e municípios. Essa definição de percentual para o setor também é bem-vindo, segundo Naldson Ramos. "É bem melhor do que o secretário ir de "pires na mão" para conseguir dinheiro com o governo. Se ele tiver um percentual certo tem mais autonomia para planejar as ações".
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