Quadrilha que controla duas favelas atua em 22 bairros do Rio
A quadrilha que controla as favelas de Manguinhos e do Jacarezinho exerce com mão de ferro seu poder armado nas ruas da região. Mas a violência do bando afeta a segurança pública em todo Rio. De acordo com levantamento feito pela Delegacia de Roubos e Furtos de Autos (DRFA), os traficantes são responsáveis por boa parte dos crimes ocorridos em outras áreas da cidade e tem atuação comprovada em pelo menos 22 bairros.
Em três ações realizadas na área ano passado, mais de 100 veículos roubados foram recuperados. Em uma delas, em que foram apreendidas 42 motos, a polícia descobriu que suas vítimas tinham sido atacadas em 22 bairros diferentes da capital, além de Niterói e da Baixada.
O motorista W. A., 25 anos, resume essa estatística. Dia 14, ele foi atacado às 20h30 por três criminosos do Jacarezinho na porta de casa, no Méier. O grupo, armado com pistolas, chegou em um Renault roubado, e levou seu carro. "O tempo todo apontaram a arma para mim. Cheguei a correr e até lutei com um deles. Foi a reação que tive na hora, mas acabei pego. Me mandaram deitar no chão. Pensei que fosse tomar um tiro", disse a vítima.
Quatro dias depois, por volta das 18h, passando de moto pela avenida dos Democráticos, que fica entre o Jacarezinho e Manguinhos, para sua surpresa, W. viu o veículo estacionado na calçada. Com a chave reserva no bolso, objeto que passou a carregar consigo na esperança de encontrar o carro, aproveitou para entrar no veículo e ele mesmo recuperou o automóvel. O carro, porém, estava sem o estepe e o extintor, e tinha o para-choque arranhado.
"Só me dei conta do risco que corri depois que saí dali. O carro ainda estava frio do ar-condicionado e com o capô quente. Liguei para um amigo PM, mas ele falou que não passava ali porque era arriscado", disse ele, lembrando da ousadia dos criminosos: "Era de dia e havia muitos deles armados na avenida".
Na sexta-feira, o motorista foi surpreendido novamente. Pelos jornais, ele reconheceu dois dos três criminosos que o assaltaram. Edmar Marins da Silva e Diego da Silva Cotrim haviam sido presos depois de roubarem uma pizzaria na Abolição. Segundo W., foi Edmar quem o abordou e Diego quem pegou a chave do carro e fugiu com os comparsas dirigindo o veículo.
"Não tive dúvidas. Fiquei com eles um tempo. Não tem como esquecer aqueles rostos", disse.
As imagens de criminosos circulando armados pelo Jacarezinho veiculadas por O DIA não foram surpresas para ele. "Já presenciei cenas como essas. Eu e minha família estamos pensando em nos mudar".
Carros blindados e incursões contra o crime
Diante das imagens que denunciam a ousadia do bando armado em Manguinhos, a Polícia Militar redobrou o patrulhamento na área. Por determinação do comando geral da corporação, comboios do 22º BPM (Maré) têm feito incursões na comunidade durante todo o dia para tentar prender os criminosos flagrados por O DIA e apreender armas e drogas. De acordo com a assessoria da PM, as ações serão realizadas por tempo indeterminado.
Esta semana, o comandante-geral, coronel Mário Sérgio Duarte, admitiu que carros comuns não podem patrulhar as ruas que cortam as favelas à noite. "Isso está fora de cogitação. Escureceu, tem que ser o blindado. É uma área com forte atuação do narcotráfico e requer o emprego definitivo de policiamento ostensivo", disse o comandante.
Após a determinação, dois carros blindados - um deles, emprestado pelo 3º BPM (Méier)- passaram a ser utilizados no patrulhamento noturno das comunidades, sobretudo nas avenidas Dom Hélder Câmara e Democráticos.
Além do reforço no efetivo, a PM não descarta ainda, caso haja necessidade, o uso de forças como o Batalhão de Operações Especiais (Bope) ou o Batalhão de Choque em apoio às ações do 22º BPM na região.
Antigo pólo industrial, região sofre com abandono e pobreza
Órfãos das indústrias que incentivaram a migração de muitos nos anos 60, os cerca de 70 mil moradores de Manguinhos e Jacarezinho sofrem no vazio de perspectiva que agora empurra seus filhos para a criminalidade. Antiga sede de grandes empresas, como General Electric, Souza Cruz, CCPL e Gilette, a região ganhou o apelido de Faixa de Gaza graças à violência, abandono e pobreza comparáveis aos da zona de conflito no Oriente Médio. Das grandes indústrias, só sobraram galpões abandonados.
No Jacarezinho, dos quase 40 mil habitantes em 11 mil domicílios permanentes, 3.901 não são alfabetizados. Em apenas 6.700 casas, há coleta de lixo e aproximadamente 330 lares não têm banheiro. Quase mil residências não têm água canalizada. A situação não fica melhor em Manguinhos, onde dos cerca de 32 mil moradores, 9 mil são analfabetos. Há apenas um posto de saúde e uma UPA para atender à toda essa população.
Nos anos 60, o governo resolveu apostar na construção de distritos industriais e estimulou a transferência de fábricas para Santa Cruz, zona oeste. "Eles não conseguiram construir um pólo forte na nova sede, porque o modelo já estava em decadência no mundo todo. E ainda esvaziaram o subúrbio", afirmou o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Sérgio Magalhães.
Para tentar contornar o problema, está em andamento a principal obra do PAC no Complexo de Manguinhos: a elevação da linha férrea. Embaixo dela, haverá um espaço de convivência com quiosques, equipamentos esportivos e paisagismo. A obra, de R$ 350 milhões, acaba em setembro, com a construção de 1.700 unidades habitacionais.
"A solução é transformar aquele centro de insegurança num lugar vivo, onde circulam pessoas", disse o arquiteto Jorge Jauregui, autor do projeto.
Para André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, faltam ações de longo prazo, capazes de suplantar fases políticas. "Urbanizar é ótimo, mas não basta, tem que pensar em como gerar oportunidades de trabalho".
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