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Domingo - 21 de Fevereiro de 2010 às 07:15

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A aprovação de um posicionamento favorável às cotas nas universidades brasileiras resgata uma dívida histórica do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) com os docentes que militam no movimento negro e, principalmente, com a população negra do país. A avaliação é do professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Waldir Bertúlio, um dos mais antigos membros do Grupo de Trabalho sobre Etnia, Gênero e Classe do Andes.

A deliberação favorável às cotas foi tomada durante o 29º Congresso do Andes-SN, realizado em Belém (PA), de 26/1 a 1/2, com 125 votos favoráveis, 85 contrários e três abstenções. Até então, o Andes mantinha uma posição contrária a essa política afirmativa, baseada, principalmente, na defesa da universalização do ensino e da concepção classista de sociedade. O principal argumento utilizado pelos contrários foi a necessidade de debater mais o tema.

"A questão das políticas afirmativas que garantem o acesso do negro às universidades é debatida no âmbito do movimento docente mesmo antes do Andes-SN se firmar como o legítimo sindicato da categoria. Se ele não tomasse agora uma posição mais progressista acerca do tema, poderia ficar para a história como um sindicato reacionário e pouco comprometido com a defesa de uma universidade socialmente referenciada", diz Bertúlio.

Histórico - De acordo com Bertúlio, o início da discussão acerca das políticas afirmativas no âmbito do movimento docente foi em 1978, quando a Universidade de São Paulo (USP) lançou o "Livro Negro" da USP, que criticava as prisões e perseguições de docentes durante o período da Ditadura Militar.

"Nós, do Movimento Negro, fomos contrários ao nome da publicação, por achar que ele depreciava a nossa raça. E, a partir daí, começamos a debater a exclusão do negro da universidade brasileira".

Ele lembra que em 1980, um ano antes da fundação do Andes-SN, um grupo de professores demitidos por conta da Ditadura Militar, no qual ele se inclui, foi convidado a participar de uma reunião em Belo Horizonte, sobre a anistia, e o tema da exclusão do negro voltou a ganhar espaço.

No âmbito do Sindicato Nacional docente, ele aponta que a primeira discussão substancial ocorreu em 1991, no Congresso de Curitiba (PR). "Foi nessa época que foi criado o Grupo de Trabalho sobre Etnia, Gênero e Classe e, desde então, estamos travando o debate, com base em pesquisas que demonstram de forma latente o processo de exclusão do negro da universidade".

Bertúlio afirma que, em 18 anos de trabalho na Faculdade de Medicina da UFMT, cruzou com pouquíssimos negros. "Todas as turmas de estudantes que ingressaram neste período tinham, no máximo, um aluno negro. Entre os docentes, somos apenas dois, de um total de 237. Na USP, a situação se repete. Um levantamento realizado recentemente demonstra que menos de 1% dos docentes são negros. Como é possível não falar em exclusão do negro da universidade brasileira?".

Universalização - Para o professor, os argumentos das pessoas contrárias às políticas de cotas se baseiam em três falácias que podem ser facilmente desmontadas. A primeira delas é a questão da universalização, que propõe escola para todos.

"A universalização ainda é uma luta política na perspectiva da utopia, porque sabemos que, no capitalismo, não há nenhuma possibilidade desse modelo vigorar".

Para o professor, é um insulto falar em universalização hoje, quando se tem condições tão diferentes para os atores disputá-la. "A hora é agora. O negro não quer construir um projeto de luta para entrar na universidade daqui a 50, 100, 200 anos. E sabemos que a construção de uma sociedade socialista não está próxima, infelizmente".

Meritocracia - Outra falácia combatida veemente pelo militante é a meritocracia, que historicamente vem justificando as desigualdades sociais. "É um insulto se falar em mérito quando a sociedade brasileira tem uma dívida enorme com negros e índios".

Para ele, quem impõe os valores desse sistema meritocrático é a elite de sempre e, por isso, os negros não disputam em condições de igualdade com os brancos, já que não há valorização dos seus saberes, da sua linguagem, dentre outros aspectos.

"Pesquisas realizadas em 30 universidades que já adotam as cotas demonstram que os negros têm desempenho melhor, tanto qualitativo, quanto quantitativo".

Questão de "classe" - A terceira e última principal falácia detectada por ele no discurso dos que condenam as cotas está relacionada "a questão da classe social", tão bem colocada por Karl Marx como categoria analítica da sociedade capitalista. "Não é possível que, no nosso século, a questão da classe ainda não comporte nenhuma particularidade, como as questões de gênero ou raça".

O professor acha impossível evoluir na análise social "se prendendo aos valores de uma esquerda ortodoxa, fundamentalista e reducionista".

Bertúlio insiste que é possível entender o conceito de classe proposto por Marx sem, para isso, desprezar outras formas de construção da opressão e da desigualdade social. "O racismo é um importante instrumento de construção e manutenção das desigualdades".

Demanda - Para o militante, a luta pela implementação das cotas para negros e índios reforça a ligação do Andes-SN com os movimentos sociais, com a sociedade, com o que foi definido do Congresso do Rio de Janeiro, em 2001.

"Muitos companheiros estão achando que a reserva de cotas é uma política do governo Lula. Mas não: é uma legítima demanda do movimento negro apropriada pelo governo para fins eleitoreiros".

Para o professor Waldir Bertúlio, lutar pelas cotas é reconhecer a historicidade do processo central da desigualdade nesse país: a escravidão e, consequentemente, o racismo.

"É uma proposta reformista sim. E transitória. O ideal é mudança do modelo da relação do Estado com a sociedade. Mas as cotas podem ajudar a minimizar a desigualdade operada no país em função da cor enquanto a sociedade socialista não chega".





Fonte: A Gazeta

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