O bairro, que é um dos mais violentos de Cuiabá, fica numa região estratégica para o tráfico de drogas, que tem como "clientes" do pedreiro ao doutor
4 gangues disputam para controlar "bocas-de-fumo"
A região do bairro Dom Aquino - um dos mais antigos da Capital e com localização privilegiada - é apontada hoje como uma das mais violentas de Cuiabá. A disputa para comandar os pontos de vendas de drogas pelos membros das 4 gangues que comandam o tráfico na região continua fazendo vítimas. Membros das gangues "Aldeia", "Copagaz", "Morro" e "Brejinho" dominam a área, "acuando" parte dos moradores, reféns de outros que transformaram a região em uma grande feira que fornece pasta-base de cocaína aos clientes viciados que vão de pedreiros a doutores.
O quadrilátero de bocas-de-fumo localizado entre as avenidas General Melo, Carmindo de Campos, Miguel Sutil e Tenente-Coronel Duarte, a Prainha, é cobiçado pelo tráfico que conta com a proteção de policiais corruptos e grandes fornecedores de drogas. Um levantamento recente feito pelo Serviço de Inteligência do 1º Batalhão da Polícia Militar do Porto revela que apenas na região dominada pela "Aldeia", a menor de todas, existem cerca de 12 residências onde acontece a venda de drogas. É justamente o tráfico na região do "Aldeia" que uniu as outras três gangues que querem abocanhar o espaço e dominar a área, usando da violência para intimidar os concorrentes ou eliminá-los. Exemplo foi o atentado ocorrido no sábado (30), onde 6 membros da "Copagaz" foram até a região do "Aldeia" e fizeram disparos na rua Teles Pires, ferindo 2 pessoas, entre elas um menino de 8 anos. No dia 28 de fevereiro de 2009 membros da mesma gangue estiveram no mesmo local e feriram 4 pessoas e uma menina de 2 anos morreu. Dos 6 acusados, 2 ainda estão soltos, promovendo novos ataques.
O policial militar que atuou no levantamento do tráfico será identificado pela reportagem como C, por medida de segurança. Ele garante que a violência que impera hoje na região e que culmina com a execução de traficantes e inocentes tem como único motivo o tráfico. O bairro é um ponto estratégico para a venda de drogas. A proximidade de universidades, escolas e casas noturnas, além da excelente localização para quem se desloca entre Cuiabá e Várzea Grande tem nas ruas de acesso a facilidade para "passar" no bairro e comprar as porções. "O Dom Aquino é caminho para quem se desloca de um ponto a outro e está muito próximo da área central", reforça o policial.
A lucratividade que o tráfico possibilita é grande, um dos motivos que hoje dificulta o combate. Exemplifica dizendo que com 1 kg de pasta-base de cocaína comprado na Bolívia por cerca de R$ 7,5 mil, um traficante pode obter 25 kg depois de adicioná-la e com a venda fracionada em porções de R$ 10, pode faturar até R$ 120 mil. O lucro líquido deve ficar em R$ 60 mil, depois do traficante pagar as "despesas" para os funcionários que fazem as vendas (aviões), dos produtos para a adição da droga e, principalmente, pagar pela "segurança" de policiais e autoridades corruptas para garantir a tranquilidade no "negócio". A lucratividade faz com que mesmo se "derrubando" com frequência as "bocas" com a prisão dos responsáveis, outro membro da família assuma o controle, até que seja preso e o negócio continue nas mãos de outro morador da casa.
O "negócio" do tráfico na região arregimenta homens, mulheres e crianças, que desde pequenos já começam como "aviões", na venda de porções. Se deslocam sem levantar suspeitas para grande parte das pessoas, mas que já vem sendo mapeadas pela Polícia. O número de pontos de vendas de drogas, bem como o número total de membros de gangues a PM não consegue estimar, devido a grande quantidade. Mas são na maioria jovens entre 18 e 25 anos, raramente chegando aos 30 anos de idade.
Delimitação - A delimitação do Dom Aquino pelas gangues surgiu quase com a fundação do bairro, ainda na década de 70, quando a área começou a ser ocupada pelas famílias. Só que a delimitação que ocorria na época era quase poética, e até nostálgica, se comparada aos dias de hoje. Os jovens que não tinham acesso a internet, celulares e aos raros aparelhos de televisão, jogavam finca, andavam de bicicletas, soltavam pipas e jogavam futebol nos campos de várzea. Naquela época surgiram os primeiros grupos, que depois originaram as gangues. As turmas, como eram chamadas, identificavam os moradores da região como do Morro do Tambor, Sapolândia (São Mateus), Turma do Love (alusivo a máquina fotográfica descartável lançada na época), da Aldeia, Cruz Preta e a GT, do Grande Terceiro. Um policial civil que cresceu na região lembra que eram muitas histórias, até o final da década de 80 e início de 90,quando os confrontos aconteciam. Lembra dos líderes, como "Sandokan",que comandava o grupo do Campo Velho. No GT era o líder Seixo, dos heróis retirados dos filmes de luta marcial que eram admirados pelos jovens. Membro de um grupo não ia em festa do outro bairro. Andavam em turmas porque atravessar sozinho a região dominada pelo grupo rival era garantia de surra. Nos confrontos, as brigas eram no braço, ou com uso do "Tchaco" ou da cobrinha (cabo usado no freio da bicicleta, amarrado ao cinto e que era usado para surrar o inimigo).
Além das trocas de socos os confrontos às vezes não aconteciam quando o grupo menor fugia na corrida, até chegar a seu reduto seguro, no bairro onde residia. Pior do que enfrentar os rivais, era a "Sara", policiamento militar que tinha nas viaturas cinzentas o principal perseguidor de gangues. Não era raro os policiais encontrarem membros dos grupos amarrados em 2 grandes mangueiras, na área do então Grande Terceiro, local apontado como místico e mal assombrado, usado para aterrorizar os inimigos. Entre as ações dos grupos estava o de atear fogo em um hot dog, do Grande Terceiro. Os jovens deste bairro eram os que viviam mais acuados, pois não existia o acesso pela avenida Beira Rio e eram obrigados a cruzar os bairros dos "inimigos" para chegarem a qualquer outro lugar. Apesar das correrias, os confrontos deixavam alguns jovens feridos, mas não haviam mortes. A droga, na época, lembra o policial, era algo que se ouvia falar, de muito distante. A única conhecida de nome era a maconha.
Líderes - Entre os líderes da nova geração das gangues do bairro Dom Aquino, está Adilson Matheus Pereira Oliveira, 21, o "Nenê", acusado de ser o autor dos disparos que mataram a menina Ana Carolina Nunes da Silva, na noite do dia 28 de fevereiro do ano passado. A menina estava no colo de um dos tios,que também foi ferido. Nenê ainda está foragido e com 5 prisões decretadas pela Justiça por homicídios. Ele participou de outro ataque, há uma semana. No dia em que matou Ana Carolina ele estava em companhia de outros 5 e subiu sobre a moto para fazer os disparos contra as pessoas que estavam em um espetinho da rua Teles Pires. Segundo testemunhas, a cena descrita parecia de um filme do "Rambo". Além de Nenê, o irmão dele Adriano Pereira de Oliveira, o Black, Cleverson Patrick Ferreira do Carmo, o "Patrick" , Ezio Rosa da Silva Júnior e Deyvid Pacheco Queiroz, foram denunciados pelos crimes de homicídio, tentativa de homicídio extorsão e formação de quadrilha.
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