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Para Maria Helena Póvoas, embora tópicos debatidos atendam anseio popular, outros itens, como a candidatura avulsa, devem ser considerados
Magistrada sugere ampliação de temas
Presidente em exercício do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), a desembargadora Maria Helena Póvoas avalia que os cinco principais tópicos que devem ser debatidos durante a reforma política atendem ao anseio popular, mas ressalta a necessidade de se incluir na lista outras proposições. Entre suas sugestões está a candidatura avulsa.
A magistrada, que assumiu este ano a Corregedoria e Vice-presidência da Corte eleitoral, também comemora a possibilidade de consulta popular sobre os temas, por meio de um plebiscito ou referendo. Ressalta, contudo, que antes é preciso esclarecer plenamente as dúvidas dos brasileiros para que todos tenham condições de exercer uma escolha consciente.
Em entrevista ao Diário, Maria Helena também deu sua opinião acerca da polêmica entre o financiamento público ou privado de campanha, os sistemas eleitorais com voto proporcional ou distrital e a transformação da corrupção em crime hediondo.
DIÁRIO - A onda de protestos pelo Brasil culminou na aprovação de uma série de projetos de lei polêmicos, tanto pelo Congresso quanto por assembleias e câmaras municipais. Para a senhora, estas manifestações têm resultado em vitórias populares ou é preciso "abrir os olhos" quanto a algumas medidas que estão sendo tomadas?
MARIA HELENA PÓVOAS - Imagino que a pergunta aborde o papel institucional das casas legislativas. Portanto, antes de responder a ela, acho prudente recordar que o poder, embora exercido pelos políticos eleitos, pertence exclusivamente ao povo. Essa afirmação simples permite concluir que o Congresso, as assembleias e as câmaras possuem o dever político de representá-lo, fazendo espelhar sua vontade nas leis que elaboram. O problema que naturalmente ocorre está na dificuldade de se discernir a vontade popular e, principalmente, de reproduzi-la nas leis. Isso porque, junto a qualquer vontade popular, concorrem outras tantas emanadas do povo. Todas precisam ser ponderadas e equalizadas no Parlamento. Obviamente, esta atividade de ponderação dos interesses da sociedade leva tempo e, a meu ver, senadores, deputados e vereadores devem discutir tudo que está em jogo com profundidade e seriedade, a bem da boa qualidade e eficácia jurídica, política e social do que venham a aprovar. Voltando então à pergunta: as recentes manifestações trazem à tona, de forma clara, segundo penso, o dever do Estado de priorizar, permanentemente, políticas públicas legítimas e indispensáveis à sociedade, como saúde e educação. Não penso, contudo, que isso implique na reivindicação de que elas sejam discutidas e votadas com pressa ou alvoroçadamente, apenas para o fim de silenciar de imediato a talvez incômoda e estridente voz do povo que, acredito, deseja sobreviver além das manifestações.
DIÁRIO - Um dos projetos aprovados e criticados por alguns, inclusive a OAB da qual a senhora já foi membro, é o que torna a corrupção um crime hediondo. A senhora concorda com esta proposta? Acredita que ela trará resultados no combate à corrupção?
MARIA HELENA - A pergunta traz em si uma antiga discussão acerca de qual ação deve ser priorizada no combate à corrupção ou a qualquer outra conduta nociva: a preventiva ou repressiva. Particularmente, não acho que seja uma discussão produtiva. Debater se seria mais eficaz prevenir ou reprimir a corrupção é o mesmo que tentar descobrir quais das lâminas de uma tesoura é a mais importante. Parece óbvio que uma só tem eficácia se colocada ao lado da outra. Assim, vejo que a tipificação da corrupção como crime hediondo configura um significativo avanço no campo repressivo, na medida em que tende a diminuir a impunidade. Contudo, é um ledo engano pensar que o aumento da repressão resolverá sozinho o problema.
DIÁRIO – Para a senhora, que outras medidas são necessárias para se inibir esta prática entre agentes públicos?
MARIA HELENA - A atuação preventiva, sem prejuízo da adoção de medidas punitivas, parece ser o caminho mais acertado. Ao mencionar a necessidade de prevenir a corrupção, não me refiro somente à urgente melhoria de políticas públicas. Digo, também, da responsabilidade de cada um de nós em agir de modo ético diante de questões rotineiras do nosso cotidiano. No Brasil, o conceito de corrupção é muito relativizado. Via de regra, somos capazes de identificar as grandes corrupções, explícitas, graves e ofensivas, mas temos dificuldade em enxergar nossos, socialmente nocivos, pequenos desvios de conduta diários. A maior de todas as reformas políticas, e também a mais factível delas, é a que começa em nós e se estende aos nossos familiares e amigos, de quem deveríamos cobrar o compromisso que gostaríamos de ver em toda administração pública.
DIÁRIO - Ainda sobre corrupção, a senhora avalia que a Lei da Ficha Limpa trouxe algum avanço neste aspecto? Já é possível mensurar se os políticos mudaram de postura por causa dela?
MARIA HELENA - Ainda que timidamente, considero que a Lei da Ficha Limpa trouxe avanços importantes. E, embora muitos pontos permaneçam controvertidos, à espera de uma sedimentação jurisprudencial, suas primeiras repercussões são claramente sensíveis no mundo político. Cito a atuação do próprio TRE, que nas últimas eleições indeferiu o registro de diversos candidatos que se enquadravam na Lei. Também há notícias de que vários políticos desistiram de concorrer exatamente porque a Lei da Ficha Limpa estava sendo efetivamente aplicada.
DIÁRIO - Outro assunto alvo de debate é a realização de um plebiscito ou referendo para se discutir a reforma política. Qual dos dois a senhora avalia ser o mais apropriado?
MARIA HELENA – Em princípio, não tenho preferência por uma ou outra forma de consulta popular. Apenas pontuo a importância de que toda a população seja integralmente esclarecida e possa discutir exaustivamente os assuntos antes de ser consultada, para que se manifeste de modo consciente. A cogitação de se utilizar mecanismos de exercício da democracia previstos na Constituição, mas pouquíssimo utilizados, como o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular, parece ser um dos bons frutos colhidos das recentes manifestações populares.
DIÁRIO – Na sua opinião, entre os pontos que devem ser discutidos dentro desta reforma existe alguma questão fundamental que não pode deixar de ser reformada sob hipótese alguma? Qual seria ela?
MARIA HELENA - Acredito que os principais aspectos da reforma política foram, de algum modo, reacendidos no Congresso Nacional, na mídia e na sociedade. Talvez se tenha mencionado muito pouco a possibilidade de aplicação de institutos como o recall norte-americano e a candidatura avulsa, prevista, por exemplo, no México, que entendo deveriam ser seriamente considerados. Mas também penso que os problemas levantados nos manifestos populares não constituem vícios que podem ser sanados de pronto, por meio de uma mera reforma que ocorra de hoje para amanhã. Os problemas estão enraizados em aspectos mais profundos, a exigir reformas de logo prazo como a social, econômica e educacional.
DIÁRIO - Uma questão prevista na reforma política que deve afetar diretamente o trabalho do TRE é a prestação de contas de campanha. Hoje a simples apresentação de um balancete já garante ao político o direito de participar do próximo pleito, independente se as contas serão aprovadas ou não. Como a senhora avalia este sistema? Gostaria que houvesse mudanças?
MARIA HELENA - Tenho sérias dificuldades em afastar a regularidade das contas do conceito de quitação eleitoral. No meu sentir, o termo "apresentação de contas" deve ser interpretado a partir da indiscutível relevância que a Constituição confere ao dever de prestar contas. A responsabilidade dos agentes públicos em prestar contas é indissociável do regime democrático e, pelo que entendo, não deve ser esvaziado por conveniências políticas. Assim, a melhor compreensão do termo contempla, para mim, não apenas a apresentação das contas, mas também sua regularidade. Esse é também o posicionamento que percebo mais próximo do princípio da isonomia. Note, por exemplo, a desigualdade havida entre a negação da quitação eleitoral àquele que não compareceu às urnas e a concessão dela ao candidato que teve as contas reprovadas por desvios de recursos.
DIÁRIO - O sistema de votação proporcional, aplicado na eleição de deputados e vereadores, é algo que boa parte da população não sabe como funciona. Para a senhora, este também é um assunto que deve ser incluído na reforma? Qual seria o sistema ideal?
MARIA HELENA - Penso que a intensidade do clamor popular não permite desconsiderar a discussão de qualquer matéria que possa ou deva ser objeto de alteração, portanto o tipo de sistema adotado nas eleições de deputados e vereadores deve, sim, ser incluído na pauta da reforma política. Pessoalmente, entendo que o sistema proporcional é o que melhor soluciona um dos principais problemas da democracia: conferir às minorias a possibilidade real de participação do governo. A exclusão delas do poder não se mostra saudável ao regime democrático. Por outro lado, deve-se admitir que existem outras formas de se conquistar a efetiva integração das minorias no governo, que não passam necessariamente pelo sistema proporcional, e é exatamente isso que os debates devem abordar.
DIÁRIO - Alguns partidos têm defendido que, com a reforma política, seja aplicado o sistema de lista fechada de candidatos por legenda nas eleições, ou seja, que o eleitor tenha que votar nos candidatos de uma única sigla para todos os cargos em disputa. Para a senhora, este seria um modelo válido para o Brasil?
MARIA HELENA - Não acredito que o sistema de lista fechada seja o que melhor se acomoda ao quadro político brasileiro. A probabilidade de sucesso desse sistema considera a clara capacidade de o partido distinguir-se dos demais por suas ideologias e, principalmente, programas de governo, algo que não se vislumbra com a nitidez desejada no Brasil. Outra premissa importante é o grau de fidelidade dos candidatos às diretrizes partidárias, o que, de igual modo, não parece ser um costume observado com rigor na política nacional.
DIÁRIO - Outro ponto que chegou a ser cogitado é o voto distrital. A senhora o vê como uma mudança que traria benefícios? Por quê?
MARIA HELENA - No sistema distrital, o colégio eleitoral é repartido em pequenas circunscrições, denominadas distritos, e o eleitor vota num dos candidatos lançados no distrito no qual está cadastrado. Uma das vantagens é a aproximação do eleitor com o candidato, o que aumenta o grau de responsabilidade perante o grupo que o elegeu. Os que são contrários ao sistema afirmam que ele é mais suscetível à influência do poder econômico, porque seria mais fácil concentrar recursos numa circunscrição menor. Além disso, alegam que ele fomenta a perpetuação de lideranças políticas, que passam a ser invencíveis naquele colégio eleitoral reduzido. Como se vê, há campo fértil para discussão e é preciso que o cidadão tenha oportunidade de debater todos os aspectos que envolvem a adoção.
DIÁRIO - E quanto ao financiamento de campanha, a senhora é a favor do público ou do privado? Por quê?
MARIA HELENA - Trata-se de um assunto em voga há algum tempo, que tem levantado muitos argumentos relevantes de um e de outro lado. Em minha opinião, o mais importante seria impedir a doação por parte de pessoas jurídicas. Com isso, se evita um possível comprometimento do candidato em retribuir o “investimento” realizado pelos doadores. Outro aspecto de relevância é impor um limite único e ainda maior às doações de pessoas físicas, com igual propósito. Desse modo, vigoraria um sistema misto, com preponderância dos recursos públicos, especialmente destinados a sustentar o horário eleitoral gratuito, como atualmente acontece.
DIÁRIO - Quanto à estrutura e a forma como está organizada a Justiça Eleitoral, a senhora avalia ser necessário haverem mudanças para que a reforma política surta efeito no país? Que alterações seriam estas?
MARIA HELENA - A estrutura da Justiça Eleitoral está inteiramente voltada ao propósito de ouvir a vontade popular expressa nas urnas, independente da forma como isso aconteça. Não me parece que ela necessite de uma reforma específica. É notório que a Justiça Eleitoral realiza um processo eleitoral transparente e seguro. Ele é amplamente reconhecido pelos brasileiros e, até o momento, não foi seriamente contestado. Embora algumas vozes isoladas questionem a segurança da urna eletrônica, não se fizeram acompanhar de provas contundentes. Acredito que demonstram uma clara tentativa de tumultuar a disputa eleitoral em benefício próprio. Naturalmente que a adoção de um ou outro sistema eleitoral pode vir a repercutir na necessidade de se realizar alguns ajustes, como seria o caso, por exemplo, do sistema distrital. Reafirmo que a Justiça Eleitoral cumpre a contento sua finalidade, que é a de consultar os cidadãos acerca de assuntos predeterminados. As alterações de que ela precisa não passam, portanto, por reformas estruturais, mas pelo reforço da estrutura já existente, principalmente quanto ao quadro de pessoal. Atualmente grande parte dos servidores é de outros órgãos públicos, cedidos ou requisitados temporariamente.
A magistrada, que assumiu este ano a Corregedoria e Vice-presidência da Corte eleitoral, também comemora a possibilidade de consulta popular sobre os temas, por meio de um plebiscito ou referendo. Ressalta, contudo, que antes é preciso esclarecer plenamente as dúvidas dos brasileiros para que todos tenham condições de exercer uma escolha consciente.
Em entrevista ao Diário, Maria Helena também deu sua opinião acerca da polêmica entre o financiamento público ou privado de campanha, os sistemas eleitorais com voto proporcional ou distrital e a transformação da corrupção em crime hediondo.
DIÁRIO - A onda de protestos pelo Brasil culminou na aprovação de uma série de projetos de lei polêmicos, tanto pelo Congresso quanto por assembleias e câmaras municipais. Para a senhora, estas manifestações têm resultado em vitórias populares ou é preciso "abrir os olhos" quanto a algumas medidas que estão sendo tomadas?
MARIA HELENA PÓVOAS - Imagino que a pergunta aborde o papel institucional das casas legislativas. Portanto, antes de responder a ela, acho prudente recordar que o poder, embora exercido pelos políticos eleitos, pertence exclusivamente ao povo. Essa afirmação simples permite concluir que o Congresso, as assembleias e as câmaras possuem o dever político de representá-lo, fazendo espelhar sua vontade nas leis que elaboram. O problema que naturalmente ocorre está na dificuldade de se discernir a vontade popular e, principalmente, de reproduzi-la nas leis. Isso porque, junto a qualquer vontade popular, concorrem outras tantas emanadas do povo. Todas precisam ser ponderadas e equalizadas no Parlamento. Obviamente, esta atividade de ponderação dos interesses da sociedade leva tempo e, a meu ver, senadores, deputados e vereadores devem discutir tudo que está em jogo com profundidade e seriedade, a bem da boa qualidade e eficácia jurídica, política e social do que venham a aprovar. Voltando então à pergunta: as recentes manifestações trazem à tona, de forma clara, segundo penso, o dever do Estado de priorizar, permanentemente, políticas públicas legítimas e indispensáveis à sociedade, como saúde e educação. Não penso, contudo, que isso implique na reivindicação de que elas sejam discutidas e votadas com pressa ou alvoroçadamente, apenas para o fim de silenciar de imediato a talvez incômoda e estridente voz do povo que, acredito, deseja sobreviver além das manifestações.
DIÁRIO - Um dos projetos aprovados e criticados por alguns, inclusive a OAB da qual a senhora já foi membro, é o que torna a corrupção um crime hediondo. A senhora concorda com esta proposta? Acredita que ela trará resultados no combate à corrupção?
MARIA HELENA - A pergunta traz em si uma antiga discussão acerca de qual ação deve ser priorizada no combate à corrupção ou a qualquer outra conduta nociva: a preventiva ou repressiva. Particularmente, não acho que seja uma discussão produtiva. Debater se seria mais eficaz prevenir ou reprimir a corrupção é o mesmo que tentar descobrir quais das lâminas de uma tesoura é a mais importante. Parece óbvio que uma só tem eficácia se colocada ao lado da outra. Assim, vejo que a tipificação da corrupção como crime hediondo configura um significativo avanço no campo repressivo, na medida em que tende a diminuir a impunidade. Contudo, é um ledo engano pensar que o aumento da repressão resolverá sozinho o problema.
DIÁRIO – Para a senhora, que outras medidas são necessárias para se inibir esta prática entre agentes públicos?
MARIA HELENA - A atuação preventiva, sem prejuízo da adoção de medidas punitivas, parece ser o caminho mais acertado. Ao mencionar a necessidade de prevenir a corrupção, não me refiro somente à urgente melhoria de políticas públicas. Digo, também, da responsabilidade de cada um de nós em agir de modo ético diante de questões rotineiras do nosso cotidiano. No Brasil, o conceito de corrupção é muito relativizado. Via de regra, somos capazes de identificar as grandes corrupções, explícitas, graves e ofensivas, mas temos dificuldade em enxergar nossos, socialmente nocivos, pequenos desvios de conduta diários. A maior de todas as reformas políticas, e também a mais factível delas, é a que começa em nós e se estende aos nossos familiares e amigos, de quem deveríamos cobrar o compromisso que gostaríamos de ver em toda administração pública.
DIÁRIO - Ainda sobre corrupção, a senhora avalia que a Lei da Ficha Limpa trouxe algum avanço neste aspecto? Já é possível mensurar se os políticos mudaram de postura por causa dela?
MARIA HELENA - Ainda que timidamente, considero que a Lei da Ficha Limpa trouxe avanços importantes. E, embora muitos pontos permaneçam controvertidos, à espera de uma sedimentação jurisprudencial, suas primeiras repercussões são claramente sensíveis no mundo político. Cito a atuação do próprio TRE, que nas últimas eleições indeferiu o registro de diversos candidatos que se enquadravam na Lei. Também há notícias de que vários políticos desistiram de concorrer exatamente porque a Lei da Ficha Limpa estava sendo efetivamente aplicada.
DIÁRIO - Outro assunto alvo de debate é a realização de um plebiscito ou referendo para se discutir a reforma política. Qual dos dois a senhora avalia ser o mais apropriado?
MARIA HELENA – Em princípio, não tenho preferência por uma ou outra forma de consulta popular. Apenas pontuo a importância de que toda a população seja integralmente esclarecida e possa discutir exaustivamente os assuntos antes de ser consultada, para que se manifeste de modo consciente. A cogitação de se utilizar mecanismos de exercício da democracia previstos na Constituição, mas pouquíssimo utilizados, como o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular, parece ser um dos bons frutos colhidos das recentes manifestações populares.
DIÁRIO – Na sua opinião, entre os pontos que devem ser discutidos dentro desta reforma existe alguma questão fundamental que não pode deixar de ser reformada sob hipótese alguma? Qual seria ela?
MARIA HELENA - Acredito que os principais aspectos da reforma política foram, de algum modo, reacendidos no Congresso Nacional, na mídia e na sociedade. Talvez se tenha mencionado muito pouco a possibilidade de aplicação de institutos como o recall norte-americano e a candidatura avulsa, prevista, por exemplo, no México, que entendo deveriam ser seriamente considerados. Mas também penso que os problemas levantados nos manifestos populares não constituem vícios que podem ser sanados de pronto, por meio de uma mera reforma que ocorra de hoje para amanhã. Os problemas estão enraizados em aspectos mais profundos, a exigir reformas de logo prazo como a social, econômica e educacional.
DIÁRIO - Uma questão prevista na reforma política que deve afetar diretamente o trabalho do TRE é a prestação de contas de campanha. Hoje a simples apresentação de um balancete já garante ao político o direito de participar do próximo pleito, independente se as contas serão aprovadas ou não. Como a senhora avalia este sistema? Gostaria que houvesse mudanças?
MARIA HELENA - Tenho sérias dificuldades em afastar a regularidade das contas do conceito de quitação eleitoral. No meu sentir, o termo "apresentação de contas" deve ser interpretado a partir da indiscutível relevância que a Constituição confere ao dever de prestar contas. A responsabilidade dos agentes públicos em prestar contas é indissociável do regime democrático e, pelo que entendo, não deve ser esvaziado por conveniências políticas. Assim, a melhor compreensão do termo contempla, para mim, não apenas a apresentação das contas, mas também sua regularidade. Esse é também o posicionamento que percebo mais próximo do princípio da isonomia. Note, por exemplo, a desigualdade havida entre a negação da quitação eleitoral àquele que não compareceu às urnas e a concessão dela ao candidato que teve as contas reprovadas por desvios de recursos.
DIÁRIO - O sistema de votação proporcional, aplicado na eleição de deputados e vereadores, é algo que boa parte da população não sabe como funciona. Para a senhora, este também é um assunto que deve ser incluído na reforma? Qual seria o sistema ideal?
MARIA HELENA - Penso que a intensidade do clamor popular não permite desconsiderar a discussão de qualquer matéria que possa ou deva ser objeto de alteração, portanto o tipo de sistema adotado nas eleições de deputados e vereadores deve, sim, ser incluído na pauta da reforma política. Pessoalmente, entendo que o sistema proporcional é o que melhor soluciona um dos principais problemas da democracia: conferir às minorias a possibilidade real de participação do governo. A exclusão delas do poder não se mostra saudável ao regime democrático. Por outro lado, deve-se admitir que existem outras formas de se conquistar a efetiva integração das minorias no governo, que não passam necessariamente pelo sistema proporcional, e é exatamente isso que os debates devem abordar.
DIÁRIO - Alguns partidos têm defendido que, com a reforma política, seja aplicado o sistema de lista fechada de candidatos por legenda nas eleições, ou seja, que o eleitor tenha que votar nos candidatos de uma única sigla para todos os cargos em disputa. Para a senhora, este seria um modelo válido para o Brasil?
MARIA HELENA - Não acredito que o sistema de lista fechada seja o que melhor se acomoda ao quadro político brasileiro. A probabilidade de sucesso desse sistema considera a clara capacidade de o partido distinguir-se dos demais por suas ideologias e, principalmente, programas de governo, algo que não se vislumbra com a nitidez desejada no Brasil. Outra premissa importante é o grau de fidelidade dos candidatos às diretrizes partidárias, o que, de igual modo, não parece ser um costume observado com rigor na política nacional.
DIÁRIO - Outro ponto que chegou a ser cogitado é o voto distrital. A senhora o vê como uma mudança que traria benefícios? Por quê?
MARIA HELENA - No sistema distrital, o colégio eleitoral é repartido em pequenas circunscrições, denominadas distritos, e o eleitor vota num dos candidatos lançados no distrito no qual está cadastrado. Uma das vantagens é a aproximação do eleitor com o candidato, o que aumenta o grau de responsabilidade perante o grupo que o elegeu. Os que são contrários ao sistema afirmam que ele é mais suscetível à influência do poder econômico, porque seria mais fácil concentrar recursos numa circunscrição menor. Além disso, alegam que ele fomenta a perpetuação de lideranças políticas, que passam a ser invencíveis naquele colégio eleitoral reduzido. Como se vê, há campo fértil para discussão e é preciso que o cidadão tenha oportunidade de debater todos os aspectos que envolvem a adoção.
DIÁRIO - E quanto ao financiamento de campanha, a senhora é a favor do público ou do privado? Por quê?
MARIA HELENA - Trata-se de um assunto em voga há algum tempo, que tem levantado muitos argumentos relevantes de um e de outro lado. Em minha opinião, o mais importante seria impedir a doação por parte de pessoas jurídicas. Com isso, se evita um possível comprometimento do candidato em retribuir o “investimento” realizado pelos doadores. Outro aspecto de relevância é impor um limite único e ainda maior às doações de pessoas físicas, com igual propósito. Desse modo, vigoraria um sistema misto, com preponderância dos recursos públicos, especialmente destinados a sustentar o horário eleitoral gratuito, como atualmente acontece.
DIÁRIO - Quanto à estrutura e a forma como está organizada a Justiça Eleitoral, a senhora avalia ser necessário haverem mudanças para que a reforma política surta efeito no país? Que alterações seriam estas?
MARIA HELENA - A estrutura da Justiça Eleitoral está inteiramente voltada ao propósito de ouvir a vontade popular expressa nas urnas, independente da forma como isso aconteça. Não me parece que ela necessite de uma reforma específica. É notório que a Justiça Eleitoral realiza um processo eleitoral transparente e seguro. Ele é amplamente reconhecido pelos brasileiros e, até o momento, não foi seriamente contestado. Embora algumas vozes isoladas questionem a segurança da urna eletrônica, não se fizeram acompanhar de provas contundentes. Acredito que demonstram uma clara tentativa de tumultuar a disputa eleitoral em benefício próprio. Naturalmente que a adoção de um ou outro sistema eleitoral pode vir a repercutir na necessidade de se realizar alguns ajustes, como seria o caso, por exemplo, do sistema distrital. Reafirmo que a Justiça Eleitoral cumpre a contento sua finalidade, que é a de consultar os cidadãos acerca de assuntos predeterminados. As alterações de que ela precisa não passam, portanto, por reformas estruturais, mas pelo reforço da estrutura já existente, principalmente quanto ao quadro de pessoal. Atualmente grande parte dos servidores é de outros órgãos públicos, cedidos ou requisitados temporariamente.
Fonte:
Do Diário de Cuiabá
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