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Segunda - 04 de Janeiro de 2010 às 12:22
Por: Marcus Preto

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Milton Nascimento na piscina de sua casa, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro; novo disco sai no 1º semestre
Milton Nascimento na piscina de sua casa, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro; novo disco sai no 1º semestre

Não seria um mergulho qualquer. Antes de pular na água, de paletó, para a foto que estampa esta reportagem, Milton Nascimento, 68, esclareceu que atenderia ao pedido impremeditado do fotógrafo para, mais uma vez, provar que não é "esquisito, bravo e fechado" como as pessoas que só o conhecem de longe costumam imaginar.

Dá para arriscar que o "estranhamento" a que ele se refere esteja ligado, em grande parte, exatamente à complexidade de sua música. Cerebral e primitiva ao mesmo tempo, ainda não foi devidamente assimilada nem mesmo aqui no Brasil.

Por outro lado, pode-se supor que são justamente essas características "estranhas" que a mantêm tão viva, e imune aos desgastes que vampirizaram forças de outros gêneros --da bossa nova, por exemplo.
Milton está em movimentação, sua música o leva. Grava agora um álbum, a ser lançado no primeiro semestre. Quem o acompanha são jovens músicos de Três Pontas --cidade mineira onde ele cresceu e que, por causa dele, entrou no mapa mundial da música.

"Quando a gente organizou a coisa, há uns dois ou três anos, os meninos eram todos bem novos, não saíam de Três Pontas", diz o cantor. "Agora, todo mundo resolveu passar em vestibular. Entraram nas faculdades e se espalharam por São Paulo, pelo Rio. O difícil é reunir todos para gravações."

"Pietá" (2002), último álbum de canções inéditas lançado por Milton, tinha esse mesmo espírito. Revelou três novas cantoras: as pouco conhecidas Marina Machado e Simone Guimarães e a estreante Maria Rita.

Tumulto

Diferentemente de, podemos chutar, todos os outros artistas do mundo, Milton não precisa de ambiente silencioso para compor. Nem da meia-luz do quarto ou do isolamento acústico do estúdio. Ao contrário. Quanto mais bagunçado e barulhento estiver o recinto, mais as ideias lhe vêm à cabeça.

Talvez seja esse um dos motivos por que sua casa, em um condomínio fechado na Barra da Tijuca, está sempre cheia de gente. Mensalmente, Milton convida amigos, músicos ou não, para saraus.

Começam no meio da tarde e, se assim permitirem os vizinhos reclamões, podem atravessar a noite e não terminar antes do meio da madrugada.

O elenco é sempre variado. Jorge Drexler, Lenine, Esperanza Spalding, Mart"nália, João Suplicy, Paulinho Moska, Maria Gadú. Todos já passaram por aquele quintal.

"A gente chama esse sarauzinho de jam session. Quando ainda não tinha saído de Belo Horizonte para o mundo, eu participava de muitos encontros assim", diz o anfitrião. "Sempre foi muito importante para mim esse negócio de juntar. Isso me alimenta."

Longe do Brasil, mantém ativas as relações com os colegas. Em meados do ano passado, fez apresentação comemorativa no emblemático palco do Carnegie Hall, lembrando os 25 anos de sua primeira passagem pelos Estados Unidos.

Na mesma viagem, gravou no novo álbum da americana Esperanza Spalding e inaugurou parceria com Paul Simon.

"Ele começou a mostrar as músicas novas, perguntou se eu tinha gostado", conta. "Uma delas mexeu comigo por várias coisas. Ele foi lá, botou ela de novo e perguntou: "Faz uma letra em português?". Claro!"

Encontrou ainda o brasileiro Sérgio Mendes, que está criando um arranjo para "Caxangá" (Milton/Fernando Brant) aos moldes do que fez para "Mas que Nada", de Jorge Ben Jor. Deve estar em seu próximo CD.

Terreiro

Depois do mergulho, Milton sai da piscina e senta-se na borda. A entrevista acontece ali. "Vou viver muito tempo", crava. "Não morro antes dos 92."

A frase sai dos lábios molhados de Coca-Cola light com o tom incontestável de quem já confrontou essa questão bem de perto. Milton esbarrou com a morte no final dos anos 1990, quando a diabetes o fez ter menos da metade do peso atual.

Agora, cuida bem da saúde, mantendo índices glicêmicos sempre sob controle por meio de medidor conectado à pele.

Mas não foi no visor do aparelhinho que descobriu o tal prazo de 92 anos. Quem lhe soprou o número foi uma mãe de santo, daquelas que lhe vêm dando conselhos e dicas durante toda a carreira.

Tudo começou tempos antes de ficar famoso, ainda na primeira metade dos anos 1960. Milton foi ajudar uma pessoa a entregar doces para a criançada em dia de São Cosme e Damião.

"Recebi de uma senhora espírita a seguinte mensagem: "Não adianta fugir, você vai ter um centro, um terreiro seu"", conta. "Mas eu era católico, nem conhecia o candomblé, como poderia ter um centro?"

Chegou à conclusão depois: "Encostei a cabeça na parede do palco e falei: "Puxa, como é que eu posso ser tão burro? Meu terreiro é isso aqui!" A partir daquele dia, estar em cima do palco virou a coisa mais importante da minha vida."






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