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Quinta - 24 de Dezembro de 2009 às 11:00
Por: Onofre Ribeiro

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Não tenho nada contra o Natal. Dele me lembro de coisas boas e de coisas ruins da infância. Ruins, a “missa do galo”, celebrada à meia-noite da véspera. Frio danado e o padre com um sermão interminável naquelas noites frias de Minas. Ruim, também, a falta de presentes. Não era tradição presentear como agora. Mas a gente queria ganhar presentes. E, bobamente, punha o sapato na janela com lista de presentes. O sapato amanhecia molhado e vazio.

Bom, era a ceia à noite, ou a macarronada no dia de natal. Macarrão número 5, daqueles que vinham num pacote de papel comprido. Massa de tomate e bastante queijo. Galinha ao molho pardo com bastante caldo. Arroz e feijão a gente dispensava porque era prato de todo dia. Felicidade era isso. O natal não passava disso.

O lance mesmo era religioso. Naquele Brasil dos anos 50 e 60, a igreja católica tinha um domínio absoluto da cabeça das pessoas e da vida social. Semanas antes começavam as liturgias preparatórias numa espécie de lavagem cerebral para que o dia de natal fosse de felicidade. A pouca auto-crítica de um Brasil meio rural, meio urbano, aceitava sem discutir. Mas a realidade, é que o natal foi transformado pela igreja numa oportunidade de assegurar a fé religiosa.

Lá atrás, quando se criaram mecanismos religiosos como o casamento, o batismo, a crisma, a confissão e muitos outros ritos, o sentido era o de “educar” religiosamente uma sociedade muito primitiva. Basta um olhar sobre a Europa do século 16, época em que surgiu a confissão, por exemplo, ela era um mecanismo de informação e de controle social das pequenas comunidades empobrecidas e dominadas pelos poderes religioso e político, casados dentro dos mesmos interesses.

O natal se impôs como uma técnica de resignação para os cristãos, frente a um mundo muito cruel, de muita fome, de guerras, de imensas injustiças e de absoluta falta de oportunidades. O tempo passou, mas o domínio religioso se manteve sobre as pessoas. O velho padre de Minas ou arcebispo do Rio de Janeiro, seguiam a mesma liturgia da resignação para as gentes sofridas de outras épocas.

Modernamente, o natal não é mais uma liturgia religiosa. Aliás, isso acabou. Restou um aproveitamento comercial da antiga idéia, e a data é um momento social diferente. A pressão da vida moderna acaba sendo aliviada dentro de um espírito criado pelo extraordinário marketing comercial e institucional, como um momento de descompressão. As pessoas sentem no natal, o mesmo sentimento de descompressão que sentem numa grande competição esportiva, por exemplo. Os psicólogos chamariam o natal de uma catarse, aquele momento em que uma pessoa ou uma coletividade descarrega as suas tensões e se recarrega para continuar vivendo. O natal é uma grande catarse. O gesto de dar e receber presentes, também descomprime culpas e reafirma laços sociais. O sentido religioso do nascimento de Jesus Cristo se mantém apenas no sentido filosófico de amansar as tensões sociais.

Um sociólogo mais cínico diria que o natal é um grande shopping de emoções, de negócios e uma oportunidade para as pessoas se desarmarem por um instante, a fim de suportarem as pressões do dia, para enfrentar o ano que vai começar uma semana depois do natal.

Sinto saudades da macarronada e da galinha ao molho pardo!

Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso

onofreribeiro@terra.com.br





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