Repórter News - reporternews.com.br
Polícia Brasil
Segunda - 14 de Dezembro de 2009 às 01:10
Por: Silvana Ribas

    Imprimir


De simples "mulas", que levavam drogas para maridos e namorados, estatísticas mostram que elas estão assumindo comando das organizações criminosas

Cada vez mais mulheres jovens ingressam para a vida do crime. Entre os principais motivos está o "amor bandido", como elas mesmas definem o relacionamento mantido com traficantes, assaltantes e assassinos. São os companheiros que as levam a participarem ativamente das atividades criminosas do grupo a que eles pertencem. Mas elas não são apenas "laranjas" das quadrilhas, quando mantém em seus nomes os bens móveis e imóveis adquiridos com os crimes. Em alguns casos, têm participação ativa dentro da estrutura dos grupos e assumem as ações criminosas quando os parceiros acabam presos ou morrem.

São comuns casos de jovens de 17 anos, que já vivem ao lado do terceiro "marido-traficante". Entre as justificativas delas, para optar por esta vida, está a submissão de algumas ou ainda o "status" que ser mulher de bandido proporciona. Isto porque, mesmo quando os maridos estão presos, elas são protegidas pela quadrilha e respeitadas pela comunidade em que vivem. O conforto que o dinheiro, vindo principalmente da venda de drogas, lhes dá, também é um dos incentivos.

Enquanto isso, os filhos destas mulheres envolvidas com tráfico, desde pequenos, se familiarizam com a criminalidade. Algumas usam filhos de 4, 5, 6 anos como "aviões" para repassar drogas nas "bocas-de-fumo".

Em agosto deste ano, dados do Sistema Prisional de Mato Grosso mostravam que as mulheres eram 1.136 de uma população carcerária de 11 mil presos no Estado. Destas, 300 estavam na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, a única do Estado. Do total, 540 aguardavam sentença judicial. Outras 297 já haviam sido condenadas e 299 usufruíam do regime semiaberto, depois de obterem a progressão de pena.

O crescimento da população carcerária feminina é uma realidade. No Brasil hoje elas representam 5% de toda população carcerária. Dados da Penitenciária Feminina mostram um crescimento de mais de 50% de internas, se comparado o período de janeiro de 2008 para janeiro de 2009. A população saltou de 185 para 282 mulheres. Destas, em janeiro deste ano, 77% haviam cometido crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes, totalizando 213 internas. Outras 22 envolvidas com furtos e roubos (8%) e 15 em homicídios e tentativas de homicídios (5%). Os dados foram coletados por alunas da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), coordenadas pela professora Vera Lúcia Bertoline, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais. O trabalho intitulado "Mulher e criminalidade: quando a delinquente é mulher", foi desenvolvido ao longo de um ano.

A pesquisa das estudantes apontou que a maioria das mulheres que ingressa na criminalidade são oriundas das classes mais pobres e que declararam ser o narcotráfico a forma de melhor acesso a uma condição financeira melhor. A proximidade com a fronteira de países grande produtores de entorpecentes também tem sido fator determinante para que as mulheres ingressem nesta modalidade de crime, mais viável e acessível. Existem ainda casos de mulheres usuárias de entorpecentes que entram no tráfico em troca de produtos para o consumo, que entre as detentas é muito comum.

É no dia-a-dia da rotina policial que estas personagens mostram um pouco do que é ser "mulher bandida" ou "mulher de bandido", como expõe o jargão policial. A delegada Cleibe Aparecida de Paula, que atua na Delegacia Especializada de Repressão à Entorpecentes (DRE) em Cuiabá confirma que a participação das mulheres no mundo do crime começa cada vez mais cedo. Cita o caso de uma jovem de 17 anos que já convive com o terceiro marido. Todos os 3 traficantes. A alegação é sempre a mesma: dinheiro, poder, segurança para jovens humildes de baixa escolaridade que usam da beleza da juventude para "subir" socialmente.

Mas ao lado do suposto "glamour" do mundo do crime, existem os verdadeiros guetos, as "bocas-de-fumo" onde famílias vivem em situações sub-humanas, deterioradas pela droga. "São casas imundas, onde viciados e crianças se misturam. Um caso me chocou, o de uma mulher que comandava uma destas "bocas" e que colocava o filho de 4 anos para vender as drogas na rua. No bolso direito da bermuda da criança ela colocava papelotes de pasta-base de cocaína de R$ 5 e no outro de R$ 10. O menino não tinha noção de que vendia droga, apenas anunciava aos clientes o preço conforme a mãe ensinou".

A delegada diz que muitas destas mulheres presas por tráfico e que têm acesso aos programas sociais do governo reivindicam sim oportunidade de trabalho digno.

Na operação "Oriente", desencadeada pela Polícia Civil, de combate ao tráfico, 8 mulheres foram presas e indiciadas. Apenas 2 delas eram usuárias de drogas, informa Cleibe. As outras ingressaram na quadrilha graças ao "amor bandido". Como a pena máxima pelo crime de tráfico hoje não supera os 10 meses de prisão, não importando o montante da droga envolvida, a reincidência das mesmas mulheres neste tipo de crime é grande, agravada ainda pelo fato das unidades prisionais serem verdadeiras universidades do crime, explica Cleibe. Mas um dos fatores positivos é que o índice de recuperação nas mulheres é bem superior ao dos homens.

Companheiras - Uma característica das mulheres é a fidelidade aos companheiros. Algumas permanecem anos fiéis aos maridos, com 2 visitas semanais aos presídios ao longo de anos. Outras acabam se envolvendo com atividades criminosas para manter as exigências ditadas pelos companheiros de cela do marido, que querem celulares e drogas. Quando são presas pela associação ao tráfico com o companheiro, os protegem em depoimentos. Por outro lado, confessam naturalmente os crimes cometidos ou assumem os deles. Tudo em nome de um suposto amor.

A delegada admite que quando a mulher opta por entrar no mundo do crime e tem voz de comando, o desempenho dela é muito melhor do que o dos homens. "Sabemos que quando uma mulher se propõem a fazer uma coisa ela faz bem feito. Quando integram quadrilhas percebemos que são mais articuladas e organizadas que os homens e com muito mais chance de sucesso nas ações, que são melhores planejadas. Mas a submissão ao companheiro, mesmo nestas situações, ainda é marcante".

Em seus 27 anos como policial civil, o chefe de operações Jesse James de Figueiredo concorda que cada vez mais as mulheres ganham espaço nas delegacias. Quando não são presas, estão "acompanhando" os maridos. São jovens que fazem parte das quadrilhas dando retaguarda aos companheiros. Por falhas nos momentos da prisão, acabam entrando apenas como testemunhas, o que possibilita ficarem do lado de fora, articulando as ações até que os maridos sejam soltos.

Mas estas "mulheres bandidas" também têm sido pivô de alguns crimes, relata Figueiredo. Muitas acabam administrando o dinheiro que está em seu nome enquanto o marido está preso. Como são jovens, acabam se envolvendo com outros membros da quadrilha em liberdade. O marido descobre e acaba promovendo um "acerto de contas" com o outro "sócio", que no fundo tem motivação passional. No caso, o alvo é só o homem, e a companheira acaba sendo perdoada pelo "deslize".

Estrutura - A estrutura das quadrilhas e a participação ativa das mulheres ficou clara durante a operação "São Cristóvão", desencadeada pela Polícia Federal em novembro, quando 34 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal por tráfico internacional de drogas e receptação de veículos roubados. Sete das integrantes do grupo são mulheres. Três delas esposas de membros da quadrilha, inclusive do líder do grupo. As investigações se desenvolveram ao longo de 1 ano e meio com pedidos de prisão e mandados de busca e apreensão cumpridos nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo. O empresário Rondon Said Neto é apontado como o líder de uma quadrilha de narcotráfico e de uma organização complexa e estável, estruturada com divisão de tarefas entre os membros e que atuava em 2 ramos: tráfico internacional de drogas e receptação de carretas roubadas, que eram adulteradas, vendidas ou levadas até a Bolívia para serem trocadas por drogas.

Ao ser preso, a mulher de Rondon assumiu o comando da organização criminosa, segundo afirma a Polícia Federal.

Alerta - O trabalho das acadêmicas da UFMT mostra que a participação das mulheres em crimes de sequestros e extorsões, que era quase inexistente, atualmente aponta uma mudança de quadro, com diversas sentenças condenatórias proferidas em escala progressiva. O alerta fica para uma análise mais atenta da população carcerária feminina mato-grossense que nunca teve a atenção específica, não só dos órgãos responsáveis como da própria comunidade, que as abandonam e discriminam. O trabalho mostrou que a maioria dos projetos sociais oriundos do Estado não engloba as unidades femininas. A inexistência de políticas eficazes gera dispêndio de recursos públicos no Estado, que investe mal os recursos financeiros e a estrutura organizacional humana, concluem as alunas.





Fonte: A Gazeta

Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/148696/visualizar/