Produção de biocombustíveis por microrganismos
Ainda que atualmente os únicos biocombustíveis produzidos em grande escala sejam o etanol e o biodiesel, diferentes classes de moléculas possuem propriedades desejáveis para este fim e algumas são passíveis de produção por via microbiana. Outras, embora não sejam normalmente sintetizadas por microrganismos podem vir a sê-lo com o uso de ferramentas biotecnológicas. Este trabalho revisa o uso das fermentações na produção de biocombustíveis e reúne informações a respeito daqueles que estão em estágio de desenvolvimento e possuem perspectivas de aplicação. O objetivo aqui não é esgotar o assunto, mas possibilitar o início de um estudo mais aprofundado nas linhas de pesquisa que se considerem mais promissoras no tema.
A produção de etanol é baseada em uma tecnologia antiga, considerando-se o consumo de bebidas alcoólicas em épocas anteriores ao cristianismo. Incrivelmente o processo de produção de etanol, atualmente, usa o mesmo microrganismo (a levedura Saccharomyces cereviseae) e alcança praticamente a mesma concentração que tem sido obtida há séculos. Uma vez que, atualmente o custo da matéria prima (90% da produção de etanol hoje é feita a partir de milho e cana-de-açúcar) representa tipicamente entre 60 a 70% do custo final do etanol, diversos estudos têm sido executados em todo o mundo para desenvolver uma produção em larga escala de etanol a partir de matérias-primas lignocelulósicas. Porém, devido à grande complexidade da composição destes materiais, ainda não há processos economicamente viáveis utilizando tais substratos. Dessa forma, para reduzir significativamente os custos de capital e de operação tem-se buscado a identificação e desenvolvimento de microrganismos adequados às características da matéria prima e com capacidade de fermentar diferentes açúcares com fatores de conversão elevados.
O butanol é outro álcool que pode ser produzido por fermentação. Nesse bioprocesso, que foi, na década de 1960, o mais importante do mundo, acetona é produzida juntamente ao butanol e etanol (ABE 3:6:1) pela fermentação com o microrganismo Clostridium. acetobutylicum. O n-butanol possui características desejáveis como combustível substituto de gasolina tais como: densidade energética 50% maior do que o etanol e poder ser transportado por tubulações, por carregar menor teor de água. Como seu desempenho em motores ainda não é bem estudado, ele poderia ser usado como combustível de mistura.
O biodiesel é atualmente obtido por uma reação de transesterificação catalítica de diferentes oleaginosas, assim como de óleo de fritura usado e de gordura animal na presença de metanol ou etanol. Apesar dos aspectos ambientais vantajosos, o biodiesel produzido quimicamente possui algumas limitações que poderiam ser evitadas com um processo bioquímico.
Embora os microrganismos não produzam biodiesel por seu metabolismo típico, alguns, como a bactéria Acinetobacter baylyi, produzem quantidades significativas de lipídios de armazenamento na forma de triacilglicerídeos e ésteres graxos. Assim, foi possível produzir uma cepa de E. coli modificada contendo os genes envolvidos na síntese de ésteres graxos e os genes produtores de etanol da bactéria Zymomona mobilis. Essa cepa recombinante, quando em meio contendo ácidos graxos, produziu biodiesel em 26% de peso seco da biomassa, nas condições ideais. Embora essa conversão esteja longe da necessária para o desenvolvimento de um processo industrial, conseguiu-se provar a viabilidade desse novo enfoque.
Hidrocarbonetos de cadeia longa são combustíveis muito comuns hoje em dia, principalmente isooctano (principal detonante da gasolina) e hexadecano (um dos hidrocarbonetos na faixa do diesel), ambos derivados quase totalmente do petróleo. Embora existam relatos demonstrando a biossíntese de alcanos por animais, plantas e microrganismos, esta ocorre em baixas concentrações e seu mecanismo de produção não é conhecido. O desafio da biotecnologia é aumentar a taxas de conversão usando fontes de carbono baratas como matéria primado tamanho apropriado são considerados ótimos combustíveis.
O hidrogênio é promissor como biocombustível pelo seu grande potencial energético e porque seu produto de combustão, a água, não cria problemas ambientais. Por outro lado, a alta volatilidade cria restrições no armazenamento, o que torna seu transporte por longas distâncias muito complicado. Sua tecnologia de produção atual por eletrólise é ineficiente energeticamente uma vez que se gasta um insumo com alta conversão energética (a eletricidade) para gerar outro com baixa (o hidrogênio, que possui apenas 50% de eficiência de conversão). Alternativamente, sistemas biológicos podem ser usados para gerar hidrogênio, mas esses tipicamente possuem baixa taxa de conversão e diversos esforços de pesquisa têm sido feitos para aumentar a produtividade usando técnicas de engenharia metabólica. Outra forma promissora de utilizar o hidrogênio produzido bioquimicamente é o uso de células de combustível microbianas, nas quais um eletrodo compatível (anodo) captura os elétrons do hidrogênio produzido pelo metabolismo microbiano, liberando H+ e então gerando uma corrente elétrica. A sucesso desse processo dependerá da otimização da produção microbiana de hidrogênio e do desenvolvimento de eletrodos para captar esse hidrogênio.
Os biocombustíveis produzidos a partir de biomassa podem ser produzidos termoquimicamente por processos como pirólise e gaseificação ou bioquimicamente por fermentação microbiana e são fontes sustentáveis de energia com grande potencial para um balanço de carbono favorável. No caso de biocombustíveis produzidos por microrganismos, como se pretendeu mostrar nesse artigo, ainda há bastante a se avançar, e a biotecnologia contribuirá decisivamente nesse esforço, tanto no desenvolvimento de plantas mais adequadas aos bioprocessos quanto no desenvolvimento de microrganismos. Esse se constitui um vasto campo de pesquisa e para a indústria, que poderão criar uma nova geração de biocombustíveis que possuem um mercado imenso e conseqüentemente com alto potencial de lucro. É um grande desafio, mas que certamente valerá os esforços.
Cristina Maria Monteiro Machado
Pesquisadora da Embrapa Agroenergia, Brasília (DF).
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