A banalização da criminalidade
O legislador nacional caminha em desacordo com os anseios da própria sociedade a qual representa, pois o clamor social latente defende um maior endurecimento da legislação penal e, principalmente, no que tange a uma maior penalidade para os criminosos. Foi assim através de movimentos recentes como a mobilização pela lei dos crimes hediondos, a redução da maioridade penal, etc. No entanto, no que concerne o combate às drogas, o mesmo cuidado por parte do legislador ficou à margem.
A Lei n. 11.343, que trouxe modificações recentes a tratativa das drogas, pode ser novamente protagonista de alterações penais no que se trata do tráfico com a apresentação pelo governo de um projeto que irá para votação no Congresso para alterar a pena no que se refere ao pequeno traficante.
O objetivo é que a pena em relação ao pequeno traficante seja convertida em prestação de serviços a comunidade. Da forma atual, a pena ao infrator pode ser reduzida a um mínimo de um ano e oito meses sem possibilidade de comutação.
A justificativa ao projeto é o receio de “contaminação” por parte desse infrator que pode aperfeiçoar seus métodos e, inclusive, aderir ao crime organizado, ou seja, uma forma de preservar o agente de um dano maior.
Entretanto, algumas reflexões sobre o tema são urgentes e necessárias. A primeira delas é a justificativa em si, já que o escopo de comutar a pena para evitar uma maior criminalização caminha na contramão do próprio conceito de ressocialização prisional ao qual o nosso sistema penitenciário é calcado.
A segunda se refere à banalização da própria pena, pois se o governo admite que o sistema prisional atual produz um dano a seus componentes, não se trata de reparar a conduta e devolver o indivíduo ao convívio social após o cumprimento de pena, mas sim apartá-lo em definitivo da sociedade. Em outras palavras: a concessão de uma pena de morte em vida.
Se tal iniciativa for adiante, então é chegado o momento de se oferecer outro projeto para votação: o de esquecer a existência dos presídios, porque estes perderam em completo sua função social.
A função da pena não é diferenciar criminosos bons ou ruins, muito menos extirpar o direto à liberdade, portanto, o projeto de iniciativa do governo fere todos os preceitos que baseiam o próprio sistema penitenciário e não respeitar a isso é o mesmo que não respeitar as próprias leis.
Outra questão que pode ser levantada é em relação aos crimes que acontecem por intermédio de pequenos traficantes. Vemos inúmeros casos na imprensa de pessoas que cometem roubos, furtos e até mesmo matam sob efeito de droga, muitas vezes compradas de pequenos traficantes. É este mesmo traficante que está na porta das escolas, inserindo jovens ao mundo da droga.
A banalização da criminalidade não pode existir num país que se diz em evolução, brada os louros seus avanços, mas também mostra sua pequenez legislativa em lidar com a questão do crime organizado e do combate às drogas. Um verdadeiro retrocesso.
* Antonio Gonçalves é advogado, pós-graduado em Direito Tributário (FGV), Direito Penal Empresarial (FGV) e Direito Penal - Teoria dos Delitos (Universidade de Salamanca - Espanha). Mestre em Filosofia do Direito e Doutorando pela PUC-SP. É especialista em Direito Penal Empresarial Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal); em Criminologia Internacional: ênfase em Novas armas contra o terrorismo pelo Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Siracusa (Itália); e em Direito Ambiental Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional. Fundador da banca Antonio Gonçalves Advogados Associados, é autor, co-autor e coordenador de diversas obras, entre elas, "Quando os avanços parecem retrocessos -Um estudo comparativo do Código Civil de 2002 e do Código Penal com os grandes Códigos da História" (Manole, 2007) e "A História do Direito São Paulo" (Academia Brasileira de História, Cultura, Genealogia e Heráldica, 2008).
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