Para além das tranças
Pensar em diversidade é ir além do seu dia-a-dia, das suas sensações cotidianas, de pensar sobre o ir e vir , falar, correr, gritar, pegar a fruta no pé, sentir a chuva, o sol escaldante de Cuiabá, banho de mangueira ou até ouvir a voz, a risada, o sentir o toque de mão dos colegas da rua ou ter muito longe aquilo que faz o coração bater mais forte, o amor das diversas formas.
Consumir o tempo pensando nessas coisas tão corriqueiras, “discurso cheio de frases prontas” alguém pode dizer, pode não ter tanto significado para quem está além dos muros, para quem está na situação de escolher o seu ir e vir. No dia 22/10, o Projeto Pixaim esteve visitando o Lar Menina Moça, espaço sócio-educativo estadual para as adolescentes que estão em conflito com a lei, situado em Cuiabá.
Estávamos todas ansiosas. Realizar intervenções culturais é a possibilidade divulgar a outros grupos o sonho no qual acreditamos e lutamos e especialmente ali era um tempo de sensibilizar àquele grupo de jovens meninas o quanto os padrões sociais, principalmente os que ditam as “belezas” e mostrar como esse processo é excludente, mas declarar também que existe, sim, a escolha da liberdade, de se sentir bem como você é, de acordo com a sua origem e etnia. E assim começamos, munidas de elástico, pente, roupas e livros (Cabelo Ruim? e Falcão Mulheres e o Tráfico), chegamos nas salas de aula e nos deparamos com 9 rostos das diversas formas, todas com quase a mesma cor, negras, um mosaico de meiguice, ódio e revolta, infância vivida, outras roubadas. O protótipo da mulher decidida e dona de si.
Pouco a pouco os assuntos do projeto Pixaim foram se misturando com a própria história das adolescentes, preconceitos vividos durante a infância, o desafio de viver com dignidade após o envolvimento com o mundo do crime.
A reflexão sobre a realidade do crime no universo feminino ficou explicito após a leitura de um dos textos do Livro Falcão Mulheres e o Tráfico.
Durante as conversas, leitura de textos as adolescentes eram trançadas por Rita e Letícia, demonstrando como o cabelo crespo pode ser inovado com criatividade por meio de tranças, além de ser um fator de geração de renda e profissão.
A trança e o penteado afro foram apresentados como um meio de profissionalização, uma alternativa às fontes de geração de renda que levaram as adolescentes a cometerem delitos e estarem ali internas.
Perceber que aquelas meninas, muitas mães entre os 13 e 16 anos, em sua maioria conheceram o tráfico devido aos seus parceiros, nos leva ainda a refletir sobre a situação social de submissão e posse que as mulheres vivem devido aos seus parceiros ainda tão jovens.
Além das atividades de leitura e trança, a customização de roupas fez parte das atividades, demonstrando como a criatividade e o reaproveitamento pode ser uma grande ferramenta contra o consumismo em excesso que adolescentes das diversas classes sociais vivem, e no caso das adolescentes de baixa renda, essa motivação pelo consumo em excesso pode ser a porta se abrindo para o mundo do crime.
Conviver essas horas no Lar Menina Moça sob o universo dos direitos humanos, direitos das mulheres, empreendedorismo, leitura, respeito à raça e a forma, reforça o quanto o acesso a cultura é, sim, uma forma de promover qualidade de vida e esperança para a juventude, principalmente as que estão temporariamente privadas da sua liberdade.
Avante, Projeto Pixaim.
Karina Santiago é coordenadora de Projetos da Central Única das Favelas de Mato Grosso (CUFA-MT)
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