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Cidades/Geral
Segunda - 27 de Julho de 2009 às 07:44
Por: Ana Paula Bortoloni

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Não há mais lugar seguro e população fica exposta ao aumento da criminalidade e suas consequências

A falta de política pública nacional de combate ao desarmamento colabora para que a cada dia o número de vítimas de balas perdidas só aumentem, pro desespero de pais e parentes, que vão ter de conviver com o trauma da perda ou possíveis sequelas de pessoas queridas. Quem afirma é o pastor Teobaldo Witter, presidente do Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade. Ele avalia que hoje a sociedade sofre com o resultado da opção dela própria quando disse "não" ao referendo do desarmamento, em 2005. Em Cuiabá, só na última semana, 6 pessoas ficaram feridas por arma de fogo, sem terem qualquer participação em 2 diferentes tiroteios, o primeiro ocorrido na avenida Tenente Coronel Duarte, a Prainha, e o segundo no dia seguinte, no bairro Itapajé. Outras tantas foram vítimas de disparos acidentais, além de roubos e assaltos com final trágico. O levantamento completo, porém, não existe porque a Polícia Militar não tem estatística sobre vítimas desta violência paralela.

"Hoje ninguém sabe quantas armas existem no Brasil. Só se sabe quantas são apreendidas, mas não onde estão as outras", afirma Witter. A falta de controle na circulação de armas e o comércio ilegal facilita com que os objetos cheguem às mãos de pessoas despreparadas que, no momento de raiva e fúria, cometem desatinos dos quais se arrependerão mais tarde, avalia o pastor. Em Cuiabá, o número de armas em circulação aumentou. Conforme a PM, enquanto no primeiro semestre do ano passado foram apreendidos 288 objetos, neste ano foram 315.

O pastor ainda analisa que a violência tomou tanta proporção que hoje independe do lugar que o cidadão frequente. Nem dentro da própria casa ou em uma inofensiva festa de criança pode ocorrer uma tragédia. Foi assim com em uma festa de crianças no bairro Duque de Caxias, no dia 10 de julho. O dono da casa comemorava o aniversário do filho, de 8 anos, quando 6 homens armados invadiram o local e fizeram mais de 50 pessoas reféns. Além de "limparem" a casa, o pânico entre os convidados foi geral. Chorando, algumas crianças tiveram armas apontadas para as cabeças.

No bairro Santa Isabel, em junho, um confronto entre gangues acabou em tiroteio em via pública, deixando uma menina de 6 anos com a mão esquerda perfurada por um projétil de arma calibre 22. Hellen Venâncio de Oliveira ia com a mãe para uma lanchonete quando foi vítima dos disparos.

Grávida de 8 meses, Ana Caroline Dias de Souza Santos, 23, até hoje passa o dia todo na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica do Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá acompanhando a recuperação do filho Gustavo, de 3 anos e 9 meses, vítima de uma bala perdida durante festa julina em frente ao centro comunitário do bairro Itapajé, no sábado (18). Ele estava no colo da mãe quando foi atingido nas costas pelos tiros disparados por Vanessa Pereira de Oliveira, 21, que foi presa. As balas feriram o menino no intestino e no fígado.

Em observação médica, a criança está bem, mas a mãe não esquece os momentos de terror pelos quais passou naquela noite. Ela conta que não viu de onde vieram os tiros, apenas percebeu o tumulto provocado pelo desespero das pessoas que estavam na festa e ao redor da confusão armada por Vanessa e um rapaz com quem ela teria rixa, Jonathas Duarte Gonçalves, 23, também ferido. Carlos Alex de Lima, Adelaine Silva e a professora Gilza da Silva Almeida, 38, também se feriram. Os três estavam no local apenas a passeio. No evento havia cerca de 150 pessoas, entre elas muitas crianças.

O medo de perder o filho fez com que Ana Caroline desmaiasse 4 vezes no local do crime. A mãe só se tranquilizou quando foi levada para junto de Gustavo e o encontrou medicado no PSM. "Nenhum calmante que me dessem seria suficiente, eu só queria ver o meu filho". Agora, depois do susto, avalia que se os disparos não tivessem atingido o menino teriam ferido a barriga dela e o bebê que está para nascer, porque estava na mesma altura. Ela conta que Gustavo não chorou, apenas olhava para ela e sangrava. Já no hospital, ele pediu para a mãe alterar o nome da irmãzinha, cujo nascimento está previsto para agosto. Ao invés de Analícia, vai se chamar Analícia Vitória, em decorrência do que aconteceu no evento.

A professora Gilza também não esquece o pânico que passou na festa. Ela foi com o marido até o local apenas para o buscar o filho, que tem uma banda de pagode e ia se apresentar. O show estava marcado para as 21h, mas atrasou em razão de um bingo que estava sendo promovido. Por causa da demora, ficou no local até a madrugada. Por volta das 2h30, quando a banda já encerrava a apresentação, conta, Vanessa passou por ela e, em menos de 2 minutos, a confusão começou. "Eu não sabia direito o que era, mas meu marido me disse, "é tiro, é tiro" e corremos".

Ela descreve com detalhes o corre-corre do momento e a preocupação com o filho, que não estava ao alcance dos olhos. Só então ela percebeu a dor no peito, por um ferimento causado por um tiro de raspão que ainda pode ser observado. "Eu sentia tanta dor, mas ao mesmo tempo tinha medo de que houvesse sangue e fosse morrer, por isso não queria tirar a mão e olhar. Depois pedi para meu marido fazer isso". Encontrou o filho com os amigos escondidos atrás do caminhão de som. "Estavam com os olhos arregalados de susto, de medo. Só se ouvia gritos de desespero e de que uma criança havia sido atingida. Ao nosso lado, pessoas caídas, feridas". No local, aponta, não havia policiamento.

Na mesma noite, a professora conta que o medo não parou por aí. Ao chegar em casa com o marido e o filho, aos fundos da policlínica do Coxipó, ainda conseguiram ouvir o barulho dos disparos feitos dentro da unidade de saúde. Fugindo de uma perseguição de criminosos, Flávio Paixão de Alencar foi assassinado na frente de funcionários e equipe médica. Para dificultar o contato com a polícia, armados de revólveres e facas os bandidos levaram também o aparelho de fax do posto médico. A vítima seria moradora de Várzea Grande.

No dia anterior, à tarde, o palco do medo foi a avenida Prainha. Eram 3h30 quando 2 bandidos entraram na Pax Seguradora e, armados, anunciaram o assalto. Renderam funcionários e levaram dos caixas cerca de R$ 500. Na saída, um funcionário que atua como motorista do estabelecimento reagiu ao assalto e perseguiu a dupla.

A troca de tiros foi na calçada e feriu Daiane Santana Dias, 22, e Eurides da Silva Prado, 57, que passavam pelo local. Um dos bandidos, Wender Nascimento de Abreu, 17, baleado na cabeça, foi levado para o pronto-socorro mas morreu horas depois. O comparsa dele fugiu em direção ao Morro da Luz. O funcionário da seguradora, Edson Antunes, 32, permanece internado num hospital particular, mas fora de perigo.

Morador do bairro Pedra 90 e trabalhador da construção civil, Eurides ainda não conseguiu voltar ao trabalho por causa da fragilidade do ferimento provocado no braço direito, que ainda lhe rendeu 3 pontos.

Ele conta que comprava um picolé próximo ao ponto de ônibus, em frente a uma loja de utilidades, quando começou a confusão. Não viu a cena, apenas ouviu os disparos e logo percebeu que estava ferido. "Quando eu virei para ver o que acontecia senti o choque no braço e já vi sangue. Eu tinha muita sede, mas não podia beber água". Pessoas que estavam no local buscaram socorro rápido e foi levado para o PSM.

Na hora do crime havia muito movimento e o trânsito no local ainda ficou lento por mais de 2 horas. Quem presenciou a cena no dia mostrou-se indignado com a falta de segurança e a possibilidade de se tornar a próxima vítima.

Outro lado Na mesma linha do pastor Teobaldo, o comandante regional da Polícia Militar em Cuiabá, coronel Joelson Sampaio, afirma que as ocorrências de tiroteios com balas perdidas são sazonais e por serem difíceis de prevenir, a melhor saída é o desarmamento. Cita que no mês passado foram apreendidas 61 armas na capital. Ele admite que o aumento do efetivo policial também ajudaria no trabalho de repressão ao crime.

Por outro lado, aponta que embora os policiais estejam nas ruas a criminalidade é intensa, agravada ainda mais pelo alto índice de presos que conquistam a liberdade. De maio até agora, foram cerca de 1.500 criminosos presos por diversos crimes, grande parte por roubos e furtos que, nas ruas, voltam a delinqüir. Conforme o coronel, de cada 10 presos soltos, 8 voltam a praticar crimes. "Você imagina o que é despejar todo mês 500 ladrões nas ruas".

As estatísticas da PM ainda apontam que o número de flagrantes aumentou em 2009. Enquanto no primeiro semestre de 2008 foram 842 prisões, este ano foram 1.347. "Ou seja, aumentou o número de ocorrências, mas também de flagrantes. Nós prendemos, mas os bandidos não ficam presos".





Fonte: A Gazeta

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