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Ambiente escolar é contaminado pelo preconceito e discriminação
O preconceito e a discriminação são amplamente disseminados dentro da comunidade estudantil, que ao invés de discutir sobre a diversidade opta pela exclusão. A falta de debate e esclarecimento dentro das escolas perpetua a prática discriminatória histórica no Brasil. Uma pesquisa inédita sobre "Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar" mostra que os principais alvos são os negros e as pessoas com deficiência.
Das 18,5 mil pessoas entrevistadas (alunos, pais, diretores, professores e funcionários) em 501 escolas públicas de todo o país, 99,3% assumem ter algum tipo de preconceito em relação a portadores de necessidades especiais (96,5%), etnorracial (94,2%), gênero (93,5%), geração (91%), socioeconômico (87,5%), sobre orientação sexual (87,3%) e territorial (75,95%).
Apesar de contar com 54,9% da população considerada negra, o cenário de preconceito em Mato Grosso não é diferente do restante do país. A estudante do ensino fundamental, Ketilyn Aparecida Eufrásio, 13, coleciona histórias de discriminação vivenciadas dentro da escola. A adolescente negra, conta que na infância uma professora incitava os colegas da sala a tirarem sarro dela. "Pixaim" e "cabelo ruim" eram alguns dos nomes usados pelos estudantes, com aprovação da educadora.
Na época, Ketilyn era a única negra da sala de aula e apesar da baixa estatura a professora não deixava que a menina sentasse nas primeiras cadeiras. "Ela não gostava de mim por causa da minha cor. Eu me sentia excluída as brincadeiras".
Com interferência da mãe de Ketilyn, a professora foi afastada da sala de aula, mas isso não foi o suficiente para que as outras crianças deixassem de por apelidos na menina. Mudar de escola não foi o suficiente para que a adolescente ficasse longe da discriminação.
A estudante destaca que algumas vezes piadas e brincadeiras ofensivas contra os negros são feitas na frente dos professores, que se limitam a lembrar os estudantes que "preconceito dá cadeia", quando na realidade os educadores deveriam debater sobre o assunto.
O resultado da pesquisa, associado à política de cotas adotada no país, mostra que o Brasil não está fazendo seu dever de casa adequadamente. Este é o entendimento do professor-técnico da Gerência de Diversidade da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), João Bosco da Silva. Ele comenta que o preconceito dentro das escolas é grande, principalmente no Ensino Médio. Ele ilustra a situação citando os interesses afetivos dos alunos. "Entre os adolescentes, o ato de "ficar" é mais comentado e frequente com os alunos brancos. O interesse pelos negros é menor. No Ensino Fundamental, o preconceito fica evidente durante brincadeiras, em que as crianças brancas excluem as negras".
Silva explica que o preconceito dos alunos é reflexo da educação que recebem em casa e é perpetuado nas escolas, que deveria ser um ambiente de debate contra a discriminação, mas que não desempenha o papel adequadamente. O ideal seria trabalhar a diversidade, mostrando que não é necessário adotar um padrão de beleza europeu para ser bonito, além de ensinar a história do negro de forma adequada, ensinando outros assuntos que a escravidão.
Para abranger a história dos negros de forma mais ampla foi criada a Lei Federal 10.639/2003, que obriga a implementação da "História e Cultura Afro-Brasileira" no ensino fundamental e médio. Silva garante que o ensino público de Mato Grosso adotou a lei, que visa por meio do ensinamento, levar os alunos a entenderem o próximo e respeitá-lo.
A dificuldade de implementação da lei existe por uma questão cultural, afirma o professor. Ele explica que o trabalho tem que ser diário e com persistência para que as próximas gerações apresentem um comportamento menos discriminatório. "No Norte do Estado, onde a colonização foi feira pelo Sul do Brasil, existe uma resistência maior para implementação da lei, mas toda semana entramos em contato, verificamos como estão as atividades".
O professor acredita no trabalho da autoestima para fortalecer contra o preconceito, para dar argumento aos negros sobre a importância de sua raça. O mesmo entendimento é adotado pelo projeto Pixaim, da Central Única das Favelas (Cufa), coordenado por Karina Santiago.
A iniciativa trabalha com tranças afro e leitura específica para valorização da estética da mulher negra, incentivando o empreendedorismo feminino. Durante as atividades do projeto, o cabelo crespo é enfocado para quebrar um preconceito de que ele é "ruim" ou feio. As leituras são para valorização da cultura africana, como forma de trabalhar a autoestima.
O Pixaim nasceu a partir do livro "Cabelo Ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar", da jornalista Neusa Baptista Pinto. A valorização do cabelo, que é alvo do preconceito até mesmo das mulheres negras, é uma forma de aceitação da raça e entendimento que as tranças afro são uma opção de embelezamento, que defende a raça. "O não se assumir é uma forma de preconceito também", comenta Karina.
Para Neusa a discriminação contra a própria raça é uma herança da história brasileira. "Isso é desenvolvido pelo processo educacional, que sempre coloca o negro como inferior. Como vão se aceitar, se em todos os ambientes que convivem não se vê como referencial. O negro é sempre lembrado com uma carga negativa".
Neusa entende que o resultado da pesquisa é um reflexo da sociedade e destaca que a escola não tem se mostrado um ambiente de mudança, mas sim um local de perpetuação do preconceito. "Não saber como tratar o aluno é uma forma de discriminação".
Deficiência - O presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Heron Carlos Alves de Souza, concorda com Neusa que a falta de preparo da sociedade para lidar com as diferenças é uma forma de preconceito. "Não respeitar a dificuldade de aprendizado também é discriminação".
De acordo com pesquisa, as pessoas com deficiência (física ou mental, em especial a mental) são as que mais sofrem rejeição dentro do ambiente escolar. Do universo entrevistado, 96,5% demonstram querer distância deste grupo. A intensidade da atitude preconceituosa chega a 32,4%.
Para Heron, o resultado do estudo mostra que a discriminação é velada. Embora não seja direta, a sociedade não acredita na capacidade de quem tem deficiência. Isso fica mais nítido quando existe concorrência para vagas em empregos e a pessoa considerada "normal" sempre é escolhida.
No entendimento da presidente da Associação da Síndrome de Down de Mato Grosso, Júlia Ulrich Alves de Souza, essa rejeição contra as pessoas com deficiência é reflexo da própria educação familiar e ambiente escolar, que deve promover a a inclusão. O contato com as diferenças é importante para o entendimento de que a pessoa com deficiência tem capacidade para desenvolver as atividades.
"Hoje, o Ministério da Educação praticamente obriga que faça a inclusão no Ensino Regular e isso é importante para o relacionamento. É a falta de contato que promove o preconceito. A escola é a vivência, é o contato com outras crianças. As vezes as pessoas falam que não gostam da pessoa com deficiência, mas nunca conviveu com ela".
Heron destaca que a inclusão deve começar no seio familiar. "Se a própria família não tiver a capacidade de amar, como vai querer que os outros respeitem a pessoa com deficiência?".
E a extensão dessa inclusão deve ocorrer na escola, que precisa estar preparada para receber este aluno. A falta de preparo para trabalhar a diversidade dentro das escolas mostra que a educação precisa de reforma. As instituições trabalham e educam da mesma maneira há décadas e é necessário buscar meios para atender as necessidades da sociedade como um todo.
Heron defende que existem várias formas de ensinar, além do emprego obrigatório do livro e da prova escrita. Porém, a maioria dos professores não procura adaptar o currículo como forma de atender a diversidade.
Pesquisa - O estudo sobre Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar foi encomendado a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) a pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC.
O coordenador do trabalho, José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), comenta que ficou surpreso com o resultado. Ele destaca que as escolas são ambientes onde o preconceito é bastante disseminado por todos. "Não existe alguém que tenha preconceito em relação a uma área e não tenha em relação a outra. A maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de preconceito. O fato de todo indivíduo ser preconceituoso é generalizada e preocupante".
Das 18,5 mil pessoas entrevistadas (alunos, pais, diretores, professores e funcionários) em 501 escolas públicas de todo o país, 99,3% assumem ter algum tipo de preconceito em relação a portadores de necessidades especiais (96,5%), etnorracial (94,2%), gênero (93,5%), geração (91%), socioeconômico (87,5%), sobre orientação sexual (87,3%) e territorial (75,95%).
Apesar de contar com 54,9% da população considerada negra, o cenário de preconceito em Mato Grosso não é diferente do restante do país. A estudante do ensino fundamental, Ketilyn Aparecida Eufrásio, 13, coleciona histórias de discriminação vivenciadas dentro da escola. A adolescente negra, conta que na infância uma professora incitava os colegas da sala a tirarem sarro dela. "Pixaim" e "cabelo ruim" eram alguns dos nomes usados pelos estudantes, com aprovação da educadora.
Na época, Ketilyn era a única negra da sala de aula e apesar da baixa estatura a professora não deixava que a menina sentasse nas primeiras cadeiras. "Ela não gostava de mim por causa da minha cor. Eu me sentia excluída as brincadeiras".
Com interferência da mãe de Ketilyn, a professora foi afastada da sala de aula, mas isso não foi o suficiente para que as outras crianças deixassem de por apelidos na menina. Mudar de escola não foi o suficiente para que a adolescente ficasse longe da discriminação.
A estudante destaca que algumas vezes piadas e brincadeiras ofensivas contra os negros são feitas na frente dos professores, que se limitam a lembrar os estudantes que "preconceito dá cadeia", quando na realidade os educadores deveriam debater sobre o assunto.
O resultado da pesquisa, associado à política de cotas adotada no país, mostra que o Brasil não está fazendo seu dever de casa adequadamente. Este é o entendimento do professor-técnico da Gerência de Diversidade da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), João Bosco da Silva. Ele comenta que o preconceito dentro das escolas é grande, principalmente no Ensino Médio. Ele ilustra a situação citando os interesses afetivos dos alunos. "Entre os adolescentes, o ato de "ficar" é mais comentado e frequente com os alunos brancos. O interesse pelos negros é menor. No Ensino Fundamental, o preconceito fica evidente durante brincadeiras, em que as crianças brancas excluem as negras".
Silva explica que o preconceito dos alunos é reflexo da educação que recebem em casa e é perpetuado nas escolas, que deveria ser um ambiente de debate contra a discriminação, mas que não desempenha o papel adequadamente. O ideal seria trabalhar a diversidade, mostrando que não é necessário adotar um padrão de beleza europeu para ser bonito, além de ensinar a história do negro de forma adequada, ensinando outros assuntos que a escravidão.
Para abranger a história dos negros de forma mais ampla foi criada a Lei Federal 10.639/2003, que obriga a implementação da "História e Cultura Afro-Brasileira" no ensino fundamental e médio. Silva garante que o ensino público de Mato Grosso adotou a lei, que visa por meio do ensinamento, levar os alunos a entenderem o próximo e respeitá-lo.
A dificuldade de implementação da lei existe por uma questão cultural, afirma o professor. Ele explica que o trabalho tem que ser diário e com persistência para que as próximas gerações apresentem um comportamento menos discriminatório. "No Norte do Estado, onde a colonização foi feira pelo Sul do Brasil, existe uma resistência maior para implementação da lei, mas toda semana entramos em contato, verificamos como estão as atividades".
O professor acredita no trabalho da autoestima para fortalecer contra o preconceito, para dar argumento aos negros sobre a importância de sua raça. O mesmo entendimento é adotado pelo projeto Pixaim, da Central Única das Favelas (Cufa), coordenado por Karina Santiago.
A iniciativa trabalha com tranças afro e leitura específica para valorização da estética da mulher negra, incentivando o empreendedorismo feminino. Durante as atividades do projeto, o cabelo crespo é enfocado para quebrar um preconceito de que ele é "ruim" ou feio. As leituras são para valorização da cultura africana, como forma de trabalhar a autoestima.
O Pixaim nasceu a partir do livro "Cabelo Ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar", da jornalista Neusa Baptista Pinto. A valorização do cabelo, que é alvo do preconceito até mesmo das mulheres negras, é uma forma de aceitação da raça e entendimento que as tranças afro são uma opção de embelezamento, que defende a raça. "O não se assumir é uma forma de preconceito também", comenta Karina.
Para Neusa a discriminação contra a própria raça é uma herança da história brasileira. "Isso é desenvolvido pelo processo educacional, que sempre coloca o negro como inferior. Como vão se aceitar, se em todos os ambientes que convivem não se vê como referencial. O negro é sempre lembrado com uma carga negativa".
Neusa entende que o resultado da pesquisa é um reflexo da sociedade e destaca que a escola não tem se mostrado um ambiente de mudança, mas sim um local de perpetuação do preconceito. "Não saber como tratar o aluno é uma forma de discriminação".
Deficiência - O presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Heron Carlos Alves de Souza, concorda com Neusa que a falta de preparo da sociedade para lidar com as diferenças é uma forma de preconceito. "Não respeitar a dificuldade de aprendizado também é discriminação".
De acordo com pesquisa, as pessoas com deficiência (física ou mental, em especial a mental) são as que mais sofrem rejeição dentro do ambiente escolar. Do universo entrevistado, 96,5% demonstram querer distância deste grupo. A intensidade da atitude preconceituosa chega a 32,4%.
Para Heron, o resultado do estudo mostra que a discriminação é velada. Embora não seja direta, a sociedade não acredita na capacidade de quem tem deficiência. Isso fica mais nítido quando existe concorrência para vagas em empregos e a pessoa considerada "normal" sempre é escolhida.
No entendimento da presidente da Associação da Síndrome de Down de Mato Grosso, Júlia Ulrich Alves de Souza, essa rejeição contra as pessoas com deficiência é reflexo da própria educação familiar e ambiente escolar, que deve promover a a inclusão. O contato com as diferenças é importante para o entendimento de que a pessoa com deficiência tem capacidade para desenvolver as atividades.
"Hoje, o Ministério da Educação praticamente obriga que faça a inclusão no Ensino Regular e isso é importante para o relacionamento. É a falta de contato que promove o preconceito. A escola é a vivência, é o contato com outras crianças. As vezes as pessoas falam que não gostam da pessoa com deficiência, mas nunca conviveu com ela".
Heron destaca que a inclusão deve começar no seio familiar. "Se a própria família não tiver a capacidade de amar, como vai querer que os outros respeitem a pessoa com deficiência?".
E a extensão dessa inclusão deve ocorrer na escola, que precisa estar preparada para receber este aluno. A falta de preparo para trabalhar a diversidade dentro das escolas mostra que a educação precisa de reforma. As instituições trabalham e educam da mesma maneira há décadas e é necessário buscar meios para atender as necessidades da sociedade como um todo.
Heron defende que existem várias formas de ensinar, além do emprego obrigatório do livro e da prova escrita. Porém, a maioria dos professores não procura adaptar o currículo como forma de atender a diversidade.
Pesquisa - O estudo sobre Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar foi encomendado a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) a pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC.
O coordenador do trabalho, José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), comenta que ficou surpreso com o resultado. Ele destaca que as escolas são ambientes onde o preconceito é bastante disseminado por todos. "Não existe alguém que tenha preconceito em relação a uma área e não tenha em relação a outra. A maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de preconceito. O fato de todo indivíduo ser preconceituoso é generalizada e preocupante".
Fonte:
A Gazeta
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/158033/visualizar/
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