Em paz com a economia
Na América Latina e no Caribe, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), há 360 milhões de pessoas, cerca de 70% de sua população, com renda inferior a 300 dólares mensais. Mais grave é o fato de 125 milhões de seus habitantes viverem com menos de dois dólares diários. A situação pode tornar-se ainda mais complexa com a crise econômica, alerta o relatório de 2008 daquele organismo financeiro multilateral, enfatizando a desaceleração no crescimento regional. A expansão média de 4,6% foi menor do que nos dois anos anteriores, em mais de um ponto percentual. O crash também provocou queda nos preços dos produtos primários e reduziu o acesso aos mercados financeiros internacionais.
Ante tais estatísticas, são preocupantes e paradoxais os dados do mais novo estudo do Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (Sipri), publicado em 8 de maio: jamais, em toda a história, o mundo gastou tanto em armas como no ano passado. Foi US$ 1,4 trilhão (quase o PIB total do Brasil), um aumento de 45% em relação aos últimos dez anos. As nações destinaram 2,4% de toda a riqueza do Planeta na chamada indústria da guerra. O montante é equivalente a 217 dólares por habitante.
Na América do Sul, cujos países são todos signatários do BID e, portanto, engrossam as estatísticas sobre a retração e queda geral de investimentos divulgadas pelo banco, o dinheiro gasto com armas —pasmem — teve aumento de 50%, em dez anos. O mais insólito disso tudo é que o Brasil constitui-se em um dos principais responsáveis por esse crescimento, tendo gasto 19,3 bilhões de dólares com armas em 2008 e passando a ocupar a 12ª posição no mundo entre as nações que mais investem no setor.
Fomos os “campeões” no Hemisfério Sul, a despeito de, felizmente, vivermos em paz com todos os povos e de não enfrentarmos guerrilhas internas, guerra civil ou qualquer tipo de ameaça de confronto internacional. É desconfortável constatar que nosso país tenha embarcado numa onda mundial de retomada de elevadíssimos gastos com armamentos, no exato momento em que o crucial é o enfrentamento de uma das mais severas crises da história do capitalismo.
Pode-se argumentar que a indústria armamentista também cria empregos. É verdade, mas não na mesma proporção que numerosas atividades geradoras de mão-de-obra intensiva, como, por exemplo, a indústria transformadora de material plástico, sétimo maior segmento da economia brasileira e que, como tantos outros, enfrenta dificuldades inerentes à baixa liquidez, restrição de crédito e juros elevadíssimos.
Por conta desses problemas, somados aos elevados impostos e câmbio desfavorável, o setor perde competitividade. Isto tem-se refletido em sua balança comercial, que, nos primeiros quatro meses de 2009, registrou déficit de 242 milhões de dólares. As exportações foram de 371 milhões, correspondentes a 84 mil toneladas, e as importações, 613 milhões de dólares, referentes a 132 mil toneladas de plásticos transformados.
Nada contra a modernização e equipamento de nossas Forças Armadas, cuja importância é muito grande para o País. Aliás, é até passível de crítica a defasagem de investimentos nas três armas na média das últimas três décadas. Entretanto, não se pode perder o senso de prioridade numa conjuntura de extremas dificuldades, na qual é preciso estimular investimentos no maior número possível de setores e incentivar as exportações. Os 19,3 bilhões de dólares gastos com armamentos pelo Brasil em 2008 destinaram-se, em sua maior parte, a indústrias estrangeiras (dentre os dez maiores vendedores de armas, seis são dos Estados Unidos, um do Reino Unido, um da Itália, um da França e um de consórcio europeu).
O Brasil é uma nação que tem vivido em paz com todo o mundo. Sua sociedade é um cristalino e positivo exemplo da viabilidade de convivência solidária, fraterna e harmoniosa entre pessoas das mais diferentes culturas, ideologias, credos e etnias. Por isso mesmo, esse povo mestiço, unido pelos laços firmes da brasilidade, merece viver em paz também com uma economia sustentável, próspera e capaz de o conduzir definitivamente ao desenvolvimento.
*Merheg Cachum é presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) e do Sindicato da Indústria do Plástico (Sindiplast).
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