Ser mãe é padecer no paraíso?
No começo do século passado o poeta maranhense Coelho Neto escreveu o poema "Ser mãe", um clássico de todas as mães de então. "Ser mãe é andar chorando num sorriso! Ser mãe é ter um mundo e não ter nada! Ser mãe é padecer num paraíso!". De lá para cá, as mães mudaram porque o mundo mudou. Aquela mãe doméstica, mal colocada na escala da sociedade, já não padece no paraíso por ser mãe.
Nos anos 70, a mãe precisou sair de casa para trabalhar. O Brasil entrava na era do consumo com a invenção do crediário, e os lares precisavam de tudo: geladeira, fogão, lavadora de roupa, panelas de alumínio, liquidificador, telefone, sofá, carro, etc. etc. Era o Brasil rural virando Brasil urbano!
A filharada ficou em casa com algum parente mais velho e as mães encheram o mercado mudando os métodos do trabalho. As universidades se encheram de moças em busca dos degraus que o mercado de trabalho aquecido precisava. E elas tomaram espaços crescentes. Passaram a se casar mais tarde, a pílula lhes permitiu ter a liberdade sexual que suas mães não tiveram, e assumiram escolhas complexas para a nova vida feminina no país. Mas a nova mulher não desistiu de ser mãe. Só não pode mais ter 10 filhos como a sua mãe. Tem um ou dois, no máximo, e tanta conciliar carreira, trabalho, família e conviver com os filhos.
Isso tudo, as mães do século 21 já não padecem no paraíso do poeta. Deixaram o fogão, a cozinha, o tanque de lavar roupa e a pouca expressão social, mas perderam junto os filhos. Perderam para quem? perguntaria o leitor. Perderam para a televisão inicialmente, depois para o CD, para o DVD, para o celular, para o orkut, para o MSN, para o twitter, para a internet, para o shopping Center, para os grupos de amigos e até para uma sofrida escola. Os filhos buscaram fora da mãe o paraíso que elas próprias tiveram num colo aconchegante que já não existe mais. A antiga "professorinha que ensinava o bê-a-bá", da canção popular, também perdeu os seus filhos e vive o mesmo inferno de todas as mães.
De repente, em busca do seu projeto de vida, a mãe perde o eterno marido do casamento construído em cima do "não separe o homem o que Deus uniu", e restam-lhe filhos voando como pássaros contra a luz sob a sua responsabilidade afetiva e financeira.
Hoje, muitas jovens mães sonham com a mãe da sua infância, aconchegante, acolhedora e atenta aos sonhos dos filhos, substituindo neles as próprias frustrações. Mesmo assim, o cheirinho de comida quentinha da mãe tradicional, que elas já não sabem mais fazer, porque detestam a cozinha, o chazinho para a cólica, a sopinha durante a dorzinha de barriga, já não existem. E elas nem conhecem mais as plantinhas daqueles chazinhos maravilhosos. As jovens mães têm pouco para ensinar aos filhos. Desaprenderam tanto, à custa de buscar, de terem opções de vida menos sofridas.
Como suas mães, "padecem num paraíso". Mas são paraísos diferentes. Aquelas sofriam em silêncio a solidão da maternidade. Essas, padecem a solidão de viverem uma vida intensa dentro da qual os filhos não ajudam muito. Como o poeta Coelho Neto descreveria o paraíso de hoje. Talvez dissesse apenas: "Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!"
ONOFRE RIBEIRO, jornalista, é secretário-adjunto de Comunicação Social do Governo de Mato Grosso
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