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Nacional
Domingo - 19 de Abril de 2009 às 11:38
Por: Otávio Cabral

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Nas democracias tradicionais, o mau uso do dinheiro público é considerado pela sociedade algo repugnante, imperdoável, um crime hediondo que merece desprezo e severas punições para os responsáveis. No Brasil, ao contrário, alguns políticos ainda se comportam como se estivessem na pré-história do desenvolvimento moral e, sem nenhum pudor, promovem uma verdadeira farra com os recursos recolhidos do contribuinte. Flagrados, não se constrangem, mentem e inventam desculpas estapafúrdias para tentar minimizar o caso.

Fora os eleitores potiguares, pouquíssima gente já tinha ouvido falar do deputado Fábio Faria, do PMN. Jovem, rico e boa-pinta, ele está no Congresso desde 2007 e, na semana passada, credenciou-se como o mais novo membro do clube da patuscada. Com uma atuação parlamentar insignificante, Faria era conhecido apenas pelo excelente desempenho com belas modelos e atrizes famosas. O jovem deputado também tinha o hábito de usar passagens aéreas da cota de seu gabinete para deliciosos passeios – um deles, a Miami, em companhia da apresentadora de televisão Adriane Galisteu, então sua namorada. Bom moço, o parlamentar também descolou passagem para a futura sogra.

Antes de se eleger deputado, Fábio Faria era popular no Rio Grande do Norte na função de promoter de festas de Carnaval. Seu camarote sempre foi disputado por políticos e celebridades locais. Em 2007, já deputado, a festa contou com a presença dos artistas da Rede Globo Samara Felippo, Sthefany Brito e Kayky Brito. O custo das passagens foi debitado na conta da Câmara dos Deputados. Denunciado pelo portal Congresso em Foco, o deputado teve a reação típica: primeiro negou, depois disse que não havia nada de ilegal e, por fim, devolveu 21 000 reais – o valor correspondente às passagens dos artistas, da sogra e de alguns amigos que pegaram carona na farra. Com relação aos sete bilhetes que emitiu em favor de Adriane Galisteu, Fábio Faria disse que não via necessidade de devolver o dinheiro, já que a apresentadora era sua companheira e não havia nada de mais em a Câmara bancar as viagens dela no Brasil e no exterior. "Foi um erro pontual", explicou Faria. É chocante a desfaçatez do nobre deputado diante do caso. Porém, mais chocante ainda é a amplitude da indignação vista no Congresso: nenhuma. E por uma razão elementar: o jovem deputado potiguar apenas fez o que a maioria de seus colegas habitualmente faz – como tem ficado evidente diante dos escândalos dos últimos dois meses (veja o quadro).

O uso de passagens oficiais para fins pessoais é mais um capítulo do festival de malandragens que alguns parlamentares dos mais diferentes partidos promovem com o nosso dinheiro. O deputado João Paulo Cunha (PT-SP), por exemplo, foi para Bariloche, na Argentina, com a mulher e a filha. Seu colega Inocêncio Oliveira (PR-PE), que até o início do ano era o corregedor da Câmara, uma espécie de fiscal do bom comportamento dos outros, pagou viagem da mulher, das filhas e de uma neta para os Estados Unidos e a Europa. Para pegar o bonde, ou melhor, o avião do Congresso, nem precisa estar no exercício do mandato. Três deputados que estão licenciados para ocupar o cargo de ministro – José Múcio, das Relações Institucionais, Geddel Vieira Lima, da Integração Nacional, e Reinhold Stephanes, da Agricultura – viajaram 64 vezes à custa da Câmara em companhia da mulher, filhos e parentes, isso apesar de terem à disposição jatinhos da Força Aérea Brasileira. No Senado, não é diferente. Político influente e respeitado, além de milionário, Tasso Jereissati gastou 500.000 reais de dinheiro público para alugar jatinhos utilizados em compromissos partidários. Sem limites, há até exemplos de parlamentares que vendem as passagens e embolsam o dinheiro. O Ministério Público investiga denúncias assim e já identificou pelo menos dois casos, envolvendo os deputados Paulo Roberto (PTB-RS) e Fernando de Fabinho (DEM-BA). Dependendo do estado de origem, a cota do parlamentar pode chegar a 18 000 reais mensais. Um belo complemento de renda.

Bons salários, benefícios e alguns privilégios existem no Legislativo de todas as grandes democracias do mundo. "O problema no Brasil é que se tenta manter tudo secreto", diz o cientista político Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Os parlamentares, além do salário de 16 500 reais, têm direito a uma verba de 50 000 reais para contratar assessores, 15 000 reais para despesas de manutenção, 3 000 reais de franquia telefônica e mais 3 000 reais de franquia de correios. Até o início do ano, nada disso estava sujeito a algum tipo de fiscalização. Usava-se o dinheiro para contratar empregadas domésticas e empresas de amigos, entre outras falcatruas. "A principal instância representativa do país foi apropriada pelos deputados para fins privados. Para a instituição ser utilizada dessa maneira escusa, é vital a falta de transparência", avalia o filósofo Denis Rosenfield, professor de ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na semana passada, no vácuo das denúncias, a Câmara anunciou corte de 20% nas despesas de passagens aéreas e normatizou o uso da cota. As medidas, porém, apenas legalizam parte do que fez o deputado Faria e outros colegas. "O ato de devolver o dinheiro é um reconhecimento de que o deputado não agiu de forma adequada. Não posso deixar de considerar que houve no mínimo um descuido", analisa o corregedor da Câmara, o deputado ACM Neto. "Eu não tinha a menor ideia da procedência do dinheiro que pagaria as passagens. Jamais teria saído da minha casa se soubesse desse absurdo", disse a atriz Samara Felippo. "Achei o fim do mundo. Estou longe de ser uma mulher ingênua, mas jamais vou saber a procedência de um presente", afirma Adriane Galisteu. Em todos os meus namoros, sempre presenteei e ganhei presentes sem ter de me preocupar com isso. Mas nunca tinha namorado um político. É duro, né?" É.




Fonte: Revista Veja

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