Melhor que puxar carroça
Sou cuiabano, mas nasci em Iporá (GO) e cresci em Barra do Garças (MT). Em Iporá e Barra do Garças da minha infância e adolescência, os principais veículos de comunicação de massa eram os carros de som volantes. Na ausência de emissoras locais de rádio e televisão (existentes aos borbotões atualmente), nas décadas de 70 e 80 os carros de som volantes eram simplesmente indispensáveis para quem queria se comunicar com a massa.
Anunciava-se de um tudo nessa mídia. O circo que acabara de chegar, a oferta da verduraria, as fazendas de tecido, eletrodomésticos, pessoas desaparecidas e até velórios e enterros. “A família de Fulano de Tal, enlutada, avisa a amigos e parentes o seu falecimento. O velório será na sua residência, na rua tal, e o féretro [cortejo] sairá às 8h da manhã”. Quando uma “música de velório” (normalmente trombetas e outros metais) entoava, em Barra do Garças, todos paravam para saber quem havia morrido.
Em Iporá, me lembro do carro volante, um Caravan equipada com potentes alto-falantes, cujo narrador, o próprio dono do carro, imitava o Luciano do Vale. Sua voz era idêntica. Aproveitando-se disso, usava sempre que podia paródias de narração de jogo de futebol em seus anúncios. Começava sempre com a narração de um gol... E depois vendia aquilo para que foi contratado. Menos velório, nesse caso.
Mas, jamais conheci um locutor de carro volante mais completo que o Baiano Doido, de Barra do Garças. Ele inventava trocadilhos que alegrava toda a cidade. Ao anunciar uma oferta de eletrodomésticos, por exemplo, dizia que tal oferta era para gente de todo tipo. “É pra pedreiro, carpinteiro, leiteiro, marreteiro, maconheiro...” e tudo o mais que rimasse com ‘eiro’. Simplesmente genial.
Devido à sua importância de maior comunicador da cidade, o passe de Baiano Doido numa campanha eleitoral era possivelmente o maior gasto da campanha de quem o contratasse. Isso o fazia próximo do poder, fosse o eleito quem fosse.
Como a família Peres & Farias governou a cidade a maior parte do tempo, nos últimos 40 anos, o Baiano era uma espécie de símbolo deles.
Em 2004, entretanto, vence a eleição para a prefeitura o ‘comunista’ Zózimo Chaparral. Baiano Doido silenciou-se por algum tempo, haja vista que suas ligações eram com quem havia perdido.
O novo prefeito não tardou a perceber que sua comunicação não seria completa sem o Baiano. Fez-lhe uma proposta comercial, e este não vacilou em aceitá-la.
Na semana seguinte, a prefeitura começou a existir novamente nos anúncios do Baiano Doido. Este, irreverente como sempre, saia anunciando as obras de Chaparral pelas ruas da Vila Santo Antonio, o maior bairro de Barra do Garças, com seu toque especial.
“Esse Chaparral é o melhor prefeito da história de Barra do Garças, de Mato Grosso, do mundo inteiro. Estão dizendo por aí que o Baiano Doido virou puxa-saco. Virei mesmo. É melhor puxar saco do que puxar carroça”.
Moral da história. Estava certo o Baiano Doido. Para a média do povo, melhor prefeito que o atual, só o próximo. Possivelmente Barra do Garças nem se lembre mais do desastre que foi a administração do prefeito ‘comunista’. Mas, jamais vai se esquecer desse comunicador extraordinário conhecido como Baiano Doido.
(*) KLEBER LIMA é jornalista e consultor de marketing em Mato Grosso. E-mail: kleberlima@terra.com.br.
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