Dependentes de crack enfrentam indefinição de tratamentos e problemas no SUS
Os tratamentos têm, aos poucos, abandonado técnicas radicais, como amarrar o paciente e utilizar medicação forte para acalmá-lo, que estão sendo substituídas por alternativas cujo ingrediente principal é a força de vontade.
“A internação, na área de drogas, não é indicada para todos os casos. Depende muito das condições da família e da comunidade de abrigar esse usuário”, explica a professora Maria Fátima Sud Brack, do departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), e coordenadora do Programa de Estudos e Atenção às Dependências Químicas (Prodec).
A inexistência de métodos eficazes comprovados de tratamento prejudicam o atendimento ao usuário de crack. “Há relatos de muitos psiquiatras que o crack chegou à classe média. E não temos protocolos de tratamento bem sucedidos. Profissionais desta área têm dito que ainda não estão consolidados mecanismos de tratamento”, diz o coordenador do Núcleo de Pesquisa em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Luiz Ratton.
Em função da forte debilitação causada pelo crack, a especialista da UnB afirma que os dependentes precisam de atendimento de urgência. Além disso, segundo ela, o tratamento é um quesito que desafia a área de saúde.
“Com o crack, o atendimento teve que mudar completamente, porque exige algo urgente. E não é uma desintoxicação clássica, com psiquiatras. É um atendimento, às vezes, de pronto socorro, de emergência. É uma questão de saúde nova que desafia a todos”, avalia a psicóloga da UnB.
O coordenador do Grupo Amor Exigente, em Brasília, César Ricardo Rodrigues da Cunha, é a favor da internação e acredita que o usuário crônico de crack deve ser tratado por uma equipe especializada, formada por psicólogos e psiquiatras, antes de começar uma terapia.
Ele critica ainda o atendimento prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Tirando clínicas particulares, não existe local especializado. Só o Caps, que faz um trabalho de redução de danos, trocando uma substância por outra [mais fraca]”, afirmou.
Os Centros de Atenção Psicosocial (Caps) fazem parte do programa de saúde mental do Ministério da Saúde. Na semana em que a reportagem da Agência Brasil procurou o ministério para saber como é feito o tratamento de dependentes químicos, a assessoria de imprensa do órgão informou que o coordenador da área não estava disponível para dar detalhes sobre o programa.
A assessoria explicou, por meio de nota, que o governo investiu, em 2008, mais de R$ 1 bilhão em todo o programa de saúde mental, mas não informou os valores específicos para o tratamento de dependentes químicos.
Segundo a especialista da UnB, entretanto, os serviços de saúde mental muitas vezes se recusam a aceitar dependentes de crack. “Você pode imaginar uma instituição de saúde que não aceita um usuário de crack? Já tive que encaminhar paciente e não pude dizer que era um dependente de drogas, senão não aceitava”, conta.
A socióloga Sílvia Ramos aponta que não há preparo para atendimento a dependentes químicos dentro desses centros. “Tenho verificado um atordoamento dos profissionais em centros de atendimento psico-social. Há um total despreparo. Ninguém sabe nem para onde levar um garoto que está usando crack”, afirma a especialista da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro.
Se o sistema público de saúde não apresenta respostas ao problema, os dependentes químicos procuram outras formas de se ver livre do vício. Foi em uma comunidade terapêutica evangélica que Carla, 30 anos, moradora de Brasília e ex-usuária de crack, procurou ajuda e despertou sua espiritualidade. Para ela, ler a Bíblia durante o tratamento foi fundamental para a recuperação.
“Em clínica, o tratamento é de 45 dias. Em comunidade terapêutica é de três a seis meses. Já tenho sete internações. Já vi gente usando droga dentro de clínica. Às vezes leva escondido, sai e volta com a droga”, afirma.
* Todos os nomes de usuários de crack, ex-usuários, jovens e crianças desta reportagem especial são fictícios // Colaborou Daniella Jinkings
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